Eu cresci vivendo de aparências, tudo o que a minha família conquistou foi atrás de uma fachada de família perfeita e simpática. Eu fingia que era uma boa menina, eu era bem tímida na verdade. Assim como a minha mãe fingia ser um bom ser humano e meu pai fingia ser o chefe da casa. Eu sou filha única, então era considerada a galinha dos ovos de ouro da família. Aprendi com os meus pais como enganar, manipular e usar uma máscara de boa menina, que toma boas decisões e que faz tudo conforme as regras da sociedade. Meus pais eram exatamente assim. A minha mãe conseguia esconder o alcoolismo e o meu pai o vício em jogo. E assim nossa família era uma das mais influentes do alto escalão de Blumenau. E foi nesse contexto que eu comecei um namoro com 15 anos com o filho mais novo de outra família muito influente. Jonas era um babaca desde quando eu me lembrava, e um dia ele me pediu em namoro na frente de um grupo de investidores da empresa, durante um jantar, e pela forma que a minha mãe virou a taça de champanhe de uma vez eu soube que deveria aceitar. Namoramos por quase 4 anos, nos beijamos poucas vezes, mas sempre estávamos juntos, porque fazia parte do quadro perfeito da minha família e da dele. Eu sabia que ele não gostava de mim e eu não escondia que não gostava dele. Nunca ficamos realmente sozinhos, sempre havia pelo menos um funcionário rondando nada discretamente quando nos deixavam a sós. Eu também sabia que depois das visitas ele saia escondido com os amigos e deveria fazer todo o tipo de loucura, e mesmo não gostando dele eu ficava muito brava, porque afinal, se alguém descobrisse, todo aquele investimento de tempo, em um relacionamento fadado ao fracasso, iria para o espaço.
Nossos pais falavam sobre casamentos, e sobre a união das famílias através de herdeiros e tanto eu quanto o Jonas apenas concordamos. A verdade, é que tínhamos um acordo silencioso de seguir as regras até não conseguirmos mais, mesmo que levasse toda a nossa vida.
Foi em uma noite de sábado que eu senti um incomodo incontrolável, a ponto de colocar um final naquele teatro todo. Estávamos vendo um filme qualquer de corrida, que eu nunca prestava total atenção, e percebi que ele olhava o tempo todo o celular, como quem espera uma mensagem.
Em algum momento ele levantou dizendo que ia ao banheiro, e eu aproveitei para buscar mais refrigerante. Eu não tinha intenção de segui-lo, mas acabei ouvindo ele falar com alguém de dentro do lavabo.
- Chegarei em meia hora, preciso só fazer sala pra essa otária mais um pouco.
Não terminei de ouvir, voltei ao meu lugar e esperei. Quando ele voltou, eu não esperei ele sentar.
- Jonas, vá embora. - Eu estava me sentindo completamente enganada, mesmo sabendo que nossa relação era mentira, e que m4l tínhamos nos tocado, eu achava que tínhamos algum tipo de respeito um pelo outro. Ele poderia ter me dito que tinha compromisso e eu inventaria uma desculpa para os meus pais.
- O que houve amor? - O cinismo dele me deixou mais irritada.
- Deixei de ser otária e virei amor? - A surpresa durou um segundo no rosto dele.
- Você está com ciúmes? - Ele perguntou quase rindo.
- Nunca teria ciúmes de você. Vá embora, e não precisa voltar.
- Você sabe que eu preciso voltar. - Levantei tentando manter a minha fachada de moça calma, caminhei até a porta e abri.
- Estou te libertando Jonas, pode falar para os seus pais que eu não quis continuar com você. Falarei o mesmo aos meus pais.
Ele ficou parado, sem saber o que fazer ou falar. Eu continuei apontando para fora com a porta aberta.
- Vá, não precisa voltar, e pode me culpar. Eu não aguento mais essa mentira toda.
- Ele voltará Emily. - Minha mãe entrou na sala fingindo uma tranquilidade que não existia.
- Mãe, eu não quero mais namorar com ele. - Eu parecia uma menina mimada dispensando um brinquedo, e me odiava por isso, mas eu realmente queria descartá-lo. - Ele não me respeita. Eu não o amo.
- Jonas, por favor, desculpe a falta de postura da minha filha. Ela está confusa. Amanhã durante o almoço tenho certeza que ela terá colocado a cabeça no lugar.
Jonas quase suspirou de alívio pela segurança da minha mãe.
- Boa noite Ema. - Veio até mim e beijou meu rosto quase com medo, eu nem tentei desviar, eu sabia que aquela batalha estava perdida. - Tchau amor, até amanhã. - E quase correu para fora.
Assim que fechei a porta a minha mãe iniciou o grande discurso sobre o futuro da nossa família seria salva por causa daquela relação. A verdade é que estávamos falidos. Meu pai gastou todo o nosso dinheiro em jogos e agora vivíamos apenas de alguns lucros da empresa, que também não ia bem.
Claro que aparências enganam, enganamos a todos, e depois de um bom tempo cheio de argumentos eu estava pedindo perdão e assegurando que não terminaria com ele. No meio da madrugada, quando fui buscar água na cozinha, peguei a Jéssica, filha da nossa governanta, saindo escondida.
- Você não me viu. Prometa. - Eu não deveria prometer nada para ela, afinal nunca fomos amigas.
- Prometo se me disser aonde você vai. - Ela pensou um pouco, e avaliando as roupas dela, ela estava indo tr4nsar com um cara qualquer.
- Amanhã, esse mesmo horário, me encontre aqui que eu te levo. - Eu sabia que era completamente irresponsável concordar, eu deveria voltar para cama.
- Porque não agora?
- Porque você precisa se arrumar e eu estou atrasada. - Ela abriu a porta de serviço pronta para sair. Olhou para mim e disse. - E se vista como uma pessoa normal que não parece que dorme com travesseiro de plumas. - E saiu. A curiosidade me tomou completamente. Não consegui dormir mais, não parava de pensar onde ela me levaria. O engraçado é que eu havia me iludido mais cedo que poderia me libertar e fazer as minhas próprias escolhas, e naquela mesma noite eu realmente fiz.