A porta se abriu lentamente, emitindo um rangido leve que ecoou pelo quarto silencioso. Larah, encolhida sob as cobertas, sentiu o coração disparar. Suas mãos trêmulas agarraram o tecido fino, tentando se esconder como uma criança com medo do escuro. Ela m*l ousava respirar enquanto ouvia os passos pesados se aproximarem.
Rômulo entrou no quarto cambaleando. Seu porte era impressionante, mesmo naquele estado. Os cabelos negros como a noite caíam sobre a testa, e a barba por fazer lhe dava um ar ainda mais selvagem e ameaçador. Ele parou ao lado da cama, os olhos injetados de álcool e raiva fitando o pequeno volume que se escondia sob os lençóis.
— Não precisa se esconder de mim — murmurou, a voz arrastada pelo efeito da bebida. — Nunca tocaria em uma Hoffa... jamais! Vocês são vermes, seu pai e um verme! — Ele quase cuspiu as palavras, o desprezo evidente em cada sílaba.
Larah tremeu, mas não se mexeu. O medo a paralizava, e o único som que conseguia ouvir era o retumbar de seu próprio coração, alto e descompassado. Ela sentiu o cheiro forte de álcool e charuto, misturado ao perfume amadeirado que ele usava, . Ele exalava uma combinação de poder e destruição que a fez se encolher ainda mais.
Rômulo soltou uma risada amarga, um som oco e vazio.
— Vocês, Hoffa, são todos iguais. Só trazem desgraça... Eu estava noivo, sabia? — disse ele, com a voz baixa, antes de cambalear até a poltrona próxima à janela. — Você deve ser feia, muito feia, uma ogra, não deve ter um olho, ou não ter dentes — Ele se jogou no assento, apoiando a cabeça na mão e fechando os olhos. — Eu tenho certeza que você e seu pai, junto com Robert armaram para mim, vocês são capazes disso — O cansaço e o álcool pareciam finalmente pesar em seu corpo e sua voz saiu lentamente — Eu te odeio... Odeio todos voc.... — Antes de terminar a frase Rômulo estava dormindo.
Larah permaneceu imóvel, o peito subindo e descendo rapidamente sob a coberta. Ela ouviu o som irregular da respiração de Rômulo se acalmando enquanto ele caía no sono. Só depois de vários minutos, quando teve certeza de que ele estava completamente adormecido, ela ousou espiar por entre os lençóis.
Com movimentos lentos e cautelosos, ela deslizou para fora da cama, os pés descalços tocando o tapete macio. Aproximou-se devagar da poltrona, o olhar preso na figura de homem rústico de seu marido. Ele estava caído de lado, a cabeça apoiada no braço do móvel, os olhos fechados em um sono agitado.
Larah se abaixou um pouco mais, inclinando a cabeça para observá-lo de perto. As feições de Rômulo eram fortes, marcadas. A linha de sua mandíbula era quadrada e firme, e os lábios, agora relaxados pelo sono, tinham um contorno que sugeria uma força bruta e indomável. A barba por fazer, que cobria parte do rosto, dava-lhe um ar de homem vivido, alguém que conhecia as durezas da vida.
Ela estendeu a mão, hesitante, como se quisesse tocar aquele estranho que agora era seu marido. Mas parou a poucos centímetros do rosto dele, como se um pensamento sombrio a fizesse recuar. Ele era bonito, quase de uma forma hipnotizante. Mas não era uma beleza que inspirava confiança. Pelo contrário, ele parecia um anjo caído, perigoso e atraente. Lembrou-se de algo que ouvira quando era criança, no convento: Lúcifer, o mais belo dos anjos, fora expulso do céu por sua arrogância e maldade.
Larah recuou, puxando a mão de volta. Endireitou-se e deu um passo atrás, sentindo uma pontada de medo e fascínio. Aquele homem era uma tempestade prestes a explodir, e ela estava presa bem no meio dela. Virou-se lentamente e caminhou de volta para a cama, com o coração ainda disparado. Deitou-se novamente, puxando as cobertas até o queixo, o olhar fixo no teto.
Tentou fechar os olhos e afastar os pensamentos, mas a imagem de Rômulo continuava a assombrá-la. Quem era ele, realmente? Que histórias, que demônios, carregava dentro de si? E por que o destino os havia colocado juntos daquela forma tão c***l?
Horas se passaram antes que o sono finalmente a vencesse. Quando acordou, a luz suave do amanhecer começava a entrar pela janela, banhando o quarto com um brilho dourado. Larah piscou, ainda um pouco confusa, e olhou ao redor. A poltrona onde Rômulo havia caído estava vazia. O cheiro de álcool, charutos e perfume ainda pairava no ar, mas ele não estava mais ali.
Ela se levantou devagar, sentindo o corpo dolorido de tanto ficar encolhida na mesma posição. Aproximou-se da poltrona e tocou levemente o encosto, como se pudesse sentir um resquício da presença dele ali.
O silêncio era interrompido apenas pelo som suave de batidas na porta. Larah deu um pulo, seu coração acelerando novamente. Quem poderia ser àquela hora?
— Senhora Salermo? — a voz do outro lado chamou. Era uma das empregadas. — O café da manhã está servido.
Larah respirou fundo, tentando reunir a coragem que não sentia. Sua vida havia mudado para sempre, e ela sabia que nada voltaria a ser como antes. Mas precisava enfrentar aquilo, de alguma forma. Colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha e olhou uma última vez para a poltrona vazia antes de abrir a porta.
A casa de Robert Murray estava silenciosa, quase como se ela estivesse dentro de uma bolha. Larah desceu as escadas lentamente, cada degrau ecoando como uma batida de tambor. Quando chegou ao salão principal, o cenário de luxuoso a fez se sentir ainda mais deslocada. Os olhos curiosos e os sussurros não passaram despercebidos. Ela sabia que todos estavam falando sobre ela e seu casamento forçado.
Larah ergueu a cabeça, repetindo para si mesma as palavras de seu pai: “Nunca abaixe a cabeça para um Salermo”. E, apesar de todo o medo, de toda a dor, ela caminhou em direção à mesa do café da manhã com a determinação de quem estava disposta a lutar pelo que restava.