Dois meses depois...
O despertador toca, fazendo aquele barulho irritante porém bem vindo.
Mamãe e eu acordamos às 04:00 horas da madrugada todos os dias, desde que descobrimos a leucemia da Laura, foi pouco depois da data do meu aniversário de 18 anos. Inclusive não comemoramos essas datas por causa da lembrança amarga do falecimento do papai, sua morte foi exatamente há dois anos atrás.
Somos mulheres de fibra, embora às vezes pego a mãe chorando escondida, ainda mais que recentemente ela foi despejada do seu antigo trabalho de empregada doméstica, juntamente com a triste notícia da doença da minha irmã.
Passamos por momentos terríveis, mas estamos sendo ajudadas por um grupo que fornece cesta básica totalmente gratuita aos desempregados. Como a nossa preocupação inicial era a comida, isso foi resolvida, e sobre a mana...
Tomei um banho gelado, logo em seguida mamãe entrou no banheiro. Hoje como todos os dias, a nossa rotina gira em torno de irmos ao hospial do câncer do Rio de Janeiro e a procurar emprego nos jornais, pois não tínhamos como pagar internet, somente Dona Carmem, minha mãe, possui um celular bem velhinho, gasto, pelo menos funcionava.
Tomamos o nosso café, era só um pãozinho com manteiga acompanhado de um gole de café, depois corremos para sairmos de casa que graças a Deus era nossa, entretanto, havia os impostos anuais dela, que ficaram em último caso... Nossa preocupação maior era cuidar de Laura.
Com a ajuda da igreja local e vizinhos, conseguimos uma vaga no hospital, fazia um mês que ela início o tratamento para tratar a leucemia, no entanto ficamos com medo quando o médico Dr. Vinícius Denir, nos alertou sobre um segundo tratamento mais severo, este seria uma tentava de erradicar a doença pois se encontra mais agressiva.
Entramos no ônibus público, um que costuma passar sempre por volta dessa hora, ele recolhia os indigentes da rua, e pessoas sem um tostão no bolso.
O bairro é tranquilo, embora de vez em quando acontece algum assalto, tiros e etc... Um ambiente normal de quem vive na pobreza.
Não é que eu me importe em ser pobre, não é isso, a questão é que dinheiro infelizmente faz falta.
Dou uma boa olhada em meu tênis furado, precisamente no cantinho da sola, chego a virar o pé olhando desanimada, não por isso é claro, mas fico imaginando que existe nesse mundo pessoas com tanto e outras sem nada, sem um prato de comida pra comer... É triste.
__ O quê foi filha? Não desanima.
Disse minha mãe pegando na minha mão, miro ela nos olhos e deposito um beijo rápido em sua testa.
Mamãe é uma jovem senhora, só tem 36 anos, e nem aparenta ter essa idade. Poderia se casar novamente, todavia, sua mente e coração estavam ocupados pela Laura.
__ Não irei desanimar. Conversei com a Cátia ontem no seu celular, ela ficou de procurar um serviço pelo computador, a internet da sua casa é boa, tenho esperança de começar a trabalhar logo, logo... __ Ela fez muxoxo.
__ O quê? Filha... não posso deixar você assim tão novinha trabalhar no meu lugar, se achar me transfira imediatamente.
Torci a boca.
__ Mãe, o que conversamos, heim? Eu trabalho e a senhora fica com a Laura. _ A fitei triste. __ Quero que permaneça ao lado dela caso...
Falei com a voz embargada, mamãe correu pra me abraçar, ficamos assim até chegarmos no hospital.
Ao chegar no local, fizemos as nossas higienizações corriqueiras; colocamos touca e máscara, a fim de evitar qualquer tipo de germes no ambiente esterelizado do quarto.
Entramos vendo nossa Laura batendo um papo com o seu médico. Eles pararam a conversa animada assim que se deram conta que havíamos passado pela porta.
__ Bom dia Doutor e belo dia pra você maninha.
Avançei para abraça-la ao ver o seu harmonioso sorriso.
Laura é a cara escorrida do papai, eu não, embora tenha semelhanças com a minha mãe, eu não via os traços dele no meu rosto, traços estes do qual eu contemplava no passado ao mirar Laura e o nosso pai.
Abraço fortemente a minha magrela, como se não fosse também, porém a sua magreza se dera pela doença, sendo que a minha era por ter uma alimentação precária, não reclamo, mas às vezes dá uma vontade de comprar um monte de coisas gostosas no primeiro p*******o do meu futuro salário.
__ Permita sua irmã respirar menina... __ Comentou o Doutor rindo por detrás da máscara, em seguida virou-se para a mãe, os dois se entreolharam.
__ Boneca...
Afastei dela para receber o abraço da nossa mãe.
Fitei o médico que nos observava. Me aproximei de fininho pegando-o desprevenido.
__ O quê houve? _ Interroguei baixinho.
Seu olhar preocupado voltou-se para Laura.
__ Não poderemos usar a medicação forte.
__ E por que não?! _ Minha voz subiu uma oitava.
__ Tudo bem? Cibeli. _ A voz da mana me fez olha-la.
Mirei distraindo-a ao mostrar meus olhos verdes sorridentes.
Ela e a mãe retornaram ao assunto delas.
Permaneci de prontidão ao lado do médico.
__ Sua irmã não... _ Pausou por um segundo. __ ... aguentaria o coquetel de medicamentos, seria fatal no seu estado. _ Respondeu desanimado.
__ Qual é a próxima opção?
Me recusava a perder tempo me lamentando, a vida era curta demais pra isso.
__ Um transplante de medula...
__ Ótimo, então faça, onde devemos assinar?
Suspirando ele virou o corpo todo para mim, tocou no meu ombro levando-me sorrateiramente pra fora do quarto. Lá eu arranquei a máscara sufocante, nervosa pela notícia.
Ele também retirou a dele mostrando seu rosto bonito.
__ Você e a sua mãe não são compatíveis, não poderão ser as doadoras. __ Informou o que já sabíamos.
Quando demos entrada da Laura nesse hospital solicitaram nossos exames de compatibilidade.
__ Isso nós sabemos, conte-me uma novidade, Doutor. Como podemos ajudá-la a encontrar um doador compatível?
Ele ficou ainda mais sério.
__ Existe uma mínima possibilidade de achar, pois a lista dos doadores desse e dos outros hospitais do Brasil inteiro... Você me compreende, senhorita Cibele, nós... Eu cacei no Brasil todo, durante meses um doador compatível e não encontrei. _ Diz soltando a respiração raivosa.
Sei da sua preocupação pelo seus pacientes, é um ótimo médico, contudo a sua afeição pela Laura não passou desapercebida desde que ela entro aqui, só eu notei isso.
Do nada pensei...
__ Já procurou... quem sabe... em outro país?
Mirou-me esperançoso.
__ Sim. Mas não vai aprovar.
Fico brava, pondo as mãos na cintura.
__ Como assim? Claro que vou e...
__ Custa 100 mil libras. _ Revelou semicerrando os dentes.
Perco o chão. Que planeta é esse que negociam medula? Questionei-me perplexa.
Procurei um lugar para sentar, ele logo veio pra perto de mim.
__ Isso é ilegal. _ Falei aturdida.
__ É. Porém eu já verifiquei os dados da pessoa, o site pessoal dela... _ Bufou passando as mãos cansadas no cabelo, desarrumado o penteado formal.
__ Por que razão as pessoas fariam tal coisa?
__ Pra ficarem ricas, é óbvio. _ O mirei possessa, no entanto seu olhar triste encontrou o meu, então suavizei a expressão facial.
__ Essa pessoa é mesmo compatível? Fez os testes nela? _ Perguntei acalmando-me.
__ Sim, elas duas têm 100% de compatibilidade. _ Respondeu roboticamente.
Respirei fundo, analisando os fatos, pensando...
__ Se caso a Laura não fizer a cirurgia quanto tempo tem? Seja sincero.
__ 6 meses.
__ Há! _ Pus a mão na boca tremendo, lágrimas brotaram dos meus olhos, desesperada, de mãos atadas.
Nós compartilhavamos da mesma agonia, só que ele não ousou demostrar em lágrimas, simplesmente tocou na outra mão sobre o colo tentando me consolar. Peguei nela chorando amargamente pelo estado critico, gravíssimo, da minha única irmã, minha caçula.
No instante em que achei que perderia os restos das últimas forças, mamãe saiu do quarto gritando: " Cátia conseguiu o emprego!"