LEMBRANÇAS

1719 Words
Saindo da faculdade de jornalismo depois de mais uma aula de Geopolítica caminho pela Dias da Cruz, uma das principais ruas que corta praticamente o Méier de um lado a outro. Meu objetivo é ir ao Mcdonalds e provar a nova batata com bacon e cheddar pela primeira vez. Imagina a batata coberta com bacon e cheddar deve ser dos deuses. Então eu saí rapidamente da faculdade e fui direto para o Mc, quando cheguei à primeira lanchonete que encontrei no meu caminho. E logo me decepcionei. O Mcdonalds estava lotado, muito cheio, todas as caixas. Eu ficaria esperando por um bom tempo. Não sei porque ele estava lotado daquele jeito. Ou porque era oito da noite de uma sexta-feira ou porque todos estavam animados a provar a nova combinação mais que especial, até porque era cheddar e bacon, existe coisa melhor do que cheddar e bacon?  Decepcionado eu fui embora, até porque não fui criado para ficar em filas enormes; quanto mais sozinho. Gosto de agilidade e apesar de querer muito provar a nova batata do mc eu fui embora e no caminho me lembrei que tinha outro Mcdonalds na Dias da Cruz, na verdade no caminho para pegar o ônibus para minha casa. Mas tinha um pequeno problema, eu detestava aquele Mc. Ele se localizava em uma praça e essa praça era cheia de mendigos, garotos vendendo balas, que poderia a qualquer momento puxar sua bolsa ou até derrubar sua bandeja da mesa. E o pior de tudo: POMBOS. Eram tantos e eles ficavam voando, subindo nas mesas vazias onde ainda tinha resto de lanches, era um horror, e eu detestava aquele horror, não conseguia comer direito e ficava tenso até o minuto que saio daquele lugar. Porém minha vontade de provar aquela batata com cheddar e bacon era maior do que minha repulsa pelo lugar que me encontrava no momento. E para minha surprese estava praticamente vazio, diferente de seu vizinho a uns trezentos metros acima. Não devo ser o único que detesta aquele lugar. Então eu pedi meu lanche, de costume: C.B.O. com suco de manga e a batata, porém a batata veio com cheddar e bacon e fui procurar um lugar para me sentar. E estava todos ocupados. Logo fiquei decepcionado novamente. Apesar do Mcdonalds estar vazio a pequena pracinha ao ar livre com meses e cadeiras não estava. Era sexta-feira à noite, mesmo quem não estava comendo na lanchonete muitos estavam sentados envoltos de suas conversas. Então fui com minha bandeja até a praça e já tinha me arrependido de não ter esperado até o dia seguinte e comer aquilo que era meu desejo de consumo do momento. Chegando na praça que tem uma espécie de arena onde normalmente tem pessoas pregando e fazendo cultos hoje estava diferente. Pela primeira vez que passara por ali um grupo de capoeira estava formado numa roda enorme, devia ter no mínimo vinte ou trinta pessoas, evidentemente não contei. Eles estavam cantando com seus Berimbau, Pandeiro, Atabaque, Caxixi, Agogô e Reco-reco, batendo palmas e cantando enquanto dois jovens estavam no meio da roda. Várias crianças corriam em volta. Aquele lugar suspirava alegria. Então eu me sentei um pouco longe, de preferência onde não tinha nenhum morador de rua dormindo em um daqueles bancos de pedra. Então comecei a comer, o mais rápido possível e aquela batata estava perfeita, a melhor combinação que já poderiam ter se criado. E ali fiquei comendo meu lanche enquanto aquelas pessoas jogavam capoeira. Alguns mais habilidosos que outros. Quem não tinha um instrumento a mão batiam palmas e cantavam. Muitos curiosos e admiradores estavam em volta assistindo a tudo tão maravilhado como eu. Aqueles mortais e movimentos que não me lembro dos nomes me transportaram para anos atrás, em dois mil e pouquinho quando eu estava na quarta série e também jogava capoeira, apesar de novo eu era muito bom e talvez hoje eu poderia estar em uma roda como aquela.  Eu sempre fui magro e talvez isso me ajudava a jogar capoeira ainda na escola, como um projeto. Era divertido, as risadas livres das crianças, o suor escorrendo pelo rosto. Tudo era tão perfeito tão maravilhoso eu adorava aquilo. Porém hoje eu troquei qualquer tipo de diversão e estilo de vida por lanches do Mcdonalds e de outros lugares. Apesar de continuar magro. O que noventa por cento das mulheres matariam para ter. Comer sem engordar um quilo sequer. Completamente saudável. Mesmo com todos os lanches e doces comidos diariamente, isso é genética e provavelmente ficarei assim até velho, quando ninguém mais se preocupa com sua massa corporal. Então continuei comendo e as lembranças vinham uma atrás da outra. Então algo assustador e maravilhoso aconteceu. Todos os postes que iluminavam a praça da Dias da Cruz se apagaram, e somente os holofotes do Mcdonalds e de outras lojas em volta iluminaram o local, de primeiro instante agarrei minha mochila com medo de alguém tentar furtá-la, mais logo parei de prestar atenção nisso e me voltei para o grupo de capoeiristas que continuaram jogando, cantando, batendo palmas, rindo, sorrindo, tocando seus instrumentos. E todos estavam tão envoltos em tudo aquilo. E as palmas aumentaram e o canto subiu de volume, preenchendo todo meu corpo rapidamente, era como se eu tivesse no meio daquela roda, e não comendo batata frita cheia de bacon e cheddar. E voltei ao meu eu de nove ou dez anos. Jogando capoeira e me lembrei dela, aquela menina que não vinha na minha memória há anos. Seus longos cabelos castanhos presos num r**o de cavalo, seus olhos verdes, seu sorriso lindo, sua pele muito branca, cantando e batendo palmas enquanto era a minha vez no centro da roda. Apesar de sua imagem encantadora se formar completamente em minha mente, eu não consigo me lembra do nome dela, e talvez nunca mais consiga já que minha memória não é muito boa, na verdade não é nada boa. Então ali estava ela, a garota que fez minha mãe ir na escola várias vezes por várias brigas que nós dois tínhamos diariamente. Eu sempre fui um garoto quieto, mesmo com uma habilidade de discutir e discordar dos professores nunca fui um aluno problema, então essas foram as únicas vezes que minha mãe foi forçada a ir até a escola, por causa do seu filho que não parava de brigar com a colega de turma. A verdade é que eu brigava com ela, porque eu gostava dela, ela foi minha primeira paixão. Uma paixão de criança, inocente que no fim das contas não se deu em nada. O ano terminou e nós dois fomos forçados a trocar de escola, e apesar de morarmos no mesmo bairro só a vi uma vez, quando estava indo me matricular em outra escola uns quatro anos depois, aquela menina que foi minha primeira paixão cresceu e ficou alinda mais linda, porém ela estava com o namorado e mesmo no mesmo ônibus ela não se lembrou de mim, pelo menos não demonstrou se lembrar. Minha mãe que estava comigo também não reconheceu ela. Mas eu sim! Eu me lembrava do r**o de cavalo dela que puxava todos os dias, só para ter sua atenção, lembrava de seus olhos verdes brilhantes e de seu lindo sorriso. E ela com quinze anos provavelmente estava incrivelmente linda. Durante toda a hora que ficamos sentados praticamente lado a lado eu me lembrava daquelas mesmas coisas que estou me lembrando agora nesse momento ao som de uma roda de capoeira. Com as luzes da praça ainda apagadas, e o grupo de capoeiristas ainda mais envolto em sua arte, eu termino de comer, pela primeira vez com um peso na consciência. Não que isso me fará m*l, ou que engordarei por causa disso. Isso não acontece comigo e sou perfeitamente e invejavelmente saudável. Se isso tudo não estivesse acontecendo eu iria embora naquele exato minuto, com pressa de chegar em casa e assistir a um filme ou ler o livro da vez. Ou escrever o que é muito provável que eu faça nas noites de sexta que fico em casa e não vou me encontrar com nenhum amigo. Mas aquele som estava me fazendo muito bem o som dos instrumentos, o canto, as palmas, as pessoas em volta. Então eu vi a meu lado, poucos metros de distancia dois garotos, de mãos dadas, e sorri. Provavelmente eles aproveitaram a pouca luz para demonstrar um pouco de carinho um para o outro. Eles estavam apaixonados, isso eu pude ver logo de cara, e eles queriam estar mais próximos que estavam. Não sexualmente falando. Mas sentimentalmente. Eles se amavam, o roqueiro de preto e cobelos negros caídos pela testa e o nerd com uma camisa do Batman estampada. Um sorrindo feliz para o outro, mesmo afastados por alguns metros que pareciam quilômetros. Então as luzes dos postes voltaram a se ascender. Os capoeiristas pararam com sua roda, e o casal de meninos largou rapidamente as mãos um do outro, tristes, porém felizes por estarem juntos. Mesmo a sociedade falando dia após dia que era errado até aquele simples ato de dar as mãos. Eles se levantaram, não perceberam que eu estava olhando e então se abraçaram, porém o abraço foi longo, não rápido como talvez as pessoas a volta deveriam achar que é o certo. Aquele abraço era mais do que um simples abraço. Era um ato de tudo o que não foi dito em palavras, todo amor que um sente pelo outro, então antes de se separarem trocaram um rápido e inocente beijo e cada um foi para um lado, se afastando então. Então chegou minha vez de ir embora. As crianças ainda corriam de um lado a outro brincando livros enquanto os capoeiristas iam arrumando suas coisas para irem para casa, ou qualquer outro lugar, eu passei por eles enquanto caminhava, tinha pessoas de todas as idades, s**o e tamanho, todas com o mesmo semblante feliz e suave. Todos alegres por mais uma roda de capoeira e eu queria sentir aquilo, mas com certeza não tinha mais habilidade e coordenação para tal ato. Então voltei para minhas lembranças, às antigas se misturando as novas. Quem sabe daqui a quantos anos vou me lembrar de minha primeira paixão de novo, mesmo não lembrando mais de seu nome. Então fui embora, envolto nas mesmas lembranças.

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