Ian e Davi eram amigos desde sempre. Seus pais se conheceram antes mesmo de nascerem. E desde que os meninos chegaram à vida das duas famílias sempre viveram juntos. Eram como irmãos. Dividiam praticamente do mesmo gosto. Tinham os mesmos amigos, estudavam sempre juntos.
Ian não espera por Davi para entrar no quarto do amigo, jogando a mochila, ao mesmo tempo em que pulava na cama, ligando a Netflix logo em seguida.
“Isso é querer dar muita confiança”, diz Davi entrando no quarto, mas logo sorrir para o amigo.
“Amizade de dezesseis anos dá nisso”, fala Ian.
Os meninos demoram vinte minutos para escolher um filme, por causa dessa indecisão continuam a série policial que já acompanhavam. Então depois de dois episódios seguidos, com os garotos deitados na cama, Ian propõe que eles jogassem futebol.
Davi se animando diz:
“Sabe que vou ganhar de novo, né?”
“Isso é o que vamos ver”, contrapõe Ian.
No final de três partidas Davi ganha. Provando seu argumento inicial. Em meio a felicitações e zombaria, Ian se levanta abrupto.
“Sabe que em jogos de estratégia sou bem melhor do que você”, diz contrariado.
“Quer tentar?”, Davi estende o controle.
Então eles começaram a jogar CrossFire e realmente Ian era bem melhor. Permanecendo muito mais tempo vivo em todas as partidas.
E assim eram as tardes dos garotos. Hora na casa do Davi, em outros dias na do Ian. Isso quando não estava a família toda reunida. Ou quando iam ao shopping da cidade, ao parque ou a pracinha para tomar açaí ou ir à lanchonete que servia o melhor hambúrguer da cidade.
Depois de mais um tempo de bobeira, Davi vai para sua casa, deixando Ian sozinho. O garoto aproveita esse tempo sozinho para estudar, porém não consegue se concentrar o quanto deveria e logo sua mãe o chama para jantar.
Na casa de Davi foi exatamente a mesma coisa. Como todos os dias eram. Estudos, jogos, conversa pela internet com Ian e seus outros amigos. E dormir. Os meninos já estavam acostumados a certa rotina e isso fazia parte deles. E ainda faria por muito tempo.
As semanas foram passando rápido e o primeiro semestre do segundo ano já estava chegando ao fim. A época de testes chegara e os ânimos começavam a crescer em medidas incontáveis.
Eles passaram toda a tarde estudando. Concentrando-se nos resumos de biologia e de química – os testes que teriam na manhã seguinte. Estavam tão concentrados em entender a matéria que sequer perceberam a hora avançando, até que a mãe de Ian entrou no quarto.
“A janta está pronta”, anuncia ela simpática.
“O QUÊ?!”, Davi fala surpreso. “Acho melhor eu ir indo, senão ficará mais tarde para chegar em casa.”
“Já falei com sua mãe e ela disse que é melhor você ficar aqui.”
“Obrigado, tia.”
“Vamos dormir juntos”, Ian sorrir.
“Qual a surpresa?”
Ian não diz nada.
“Vou tomar banho, tá bom? Me empresta uma toalha.”
“Sabe onde tem.”
Davi se levanta e tira a camisa, jogando-a sobre a cama. Pega uma toalha. Depois que ele sai do quarto, Ian se aproxima da cama. Sua atenção se prendeu aquela camisa jogada de qualquer jeito ali. Ele parecia hipnotizado. Não se contém, e arremata a camisa. E a leva para perto do nariz e absorve todo o perfume de Davi. Logo ele joga de volta a cama, assustado com os seus sentimentos cada vez mais.
As horas se passaram e agora os dois garotos estão deitados. Já se passava das duas horas e na manhã seguinte eles tinham os testes para fazer. Depois do “boa-noite” Davi adormeceu. Mas não foi assim com Ian. Muita coisa se passava em sua cabeça.
Uma dúvida que angustiava dentro dele e que só crescia. Não era só o que sentia, mas o que ele também sentia. O medo da rejeição era maior do que qualquer medo; e isso estava o consumindo de tal maneira que em breve ele iria explodir e destruir tudo de uma vez. Quantas vezes Ian não passara a noite em claro admirando a beleza dele. O contorno de seus lábios.
Sua respiração tranquila. Sequer conseguia se lembrar de como e quando esses sentimentos começaram a aflorar dentro de si. Com um movimento involuntário, ergueu o braço em direção a Davi. E se ele o despertasse? E se confessasse seus sentimentos. Fosse sincero.
E se... Aquilo fosse recíproco.
Mas como saberia?
Que sinais já recebera de Davi?
Nenhum. Nenhum que pelo menos pudesse confirmar que havia uma chance, por menor que fosse. Ian não pode mais ficar se martirizando. Precisava dormir. Não seria esta noite que ele ficaria em claro enquanto ele dormia. Logo também adormeceu. Ele sonhou.
Sonhou em um mundo em que tudo era mais fácil. Mas logo seu pesadelo se iniciou no intervalo da manhã seguinte.
Ao final da prova de biologia. Ian e Davi, acompanhados dos amigos, conversavam sobre as questões da prova e sobre o que poderia cair na próxima.
Foi quando Bia se aproximou. Algumas meninas pareciam animadas com a
aproximação dela. Ian estranhou o jeito como ela vinha e logo viu o papel que segurava.
Ela o entregou a Davi. O coração de Ian começou a acelerar no momento em que o amigo abriu a carta e começou a ler. Ele não falou nada. Calou-se. Apesar dos outros garotos estava eufóricos, Davi mostrou-se tranquilo a investida de Bia.
Após o segundo teste Ian adiantou o passo, deixando Davi o os outros garotos para trás. Só queria fugir. Não podia transparecer seus sentimentos ali.
Bateu a porta do quarto e jogou-se na cama. As lágrimas chegaram. Ele não
entendia como seus sentimentos estavam consumindo todo seu corpo. Precisava lutar contra isso. Não podia viver uma ilusão. A porta do quarto se abriu. Logo viu Davi com uma expressão confusa no rosto.
“Você saiu correndo da escola, está tudo bem contigo?”, Ele se aproxima com cautela.
Ian enxuga suas lágrimas.
“Pode me responder?”
“Só quero ficar sozinho.”
“Por quê?”, insiste.
“Agora preciso dar satisfação de tudo?”, fala ríspido. Mas não foi o suficiente para o amigo ir embora. Então o jovem senta-se ao seu lado na cama.
“Precisamos conversar.”
O coração de Ian acelera mais.
“Você deveria falar com a Bia, não acha?”, diz ele fitando os olhos de Davi.
“Precisa dar uma resposta.”
“Eu já respondi.” Davi abaixa a cabeça encarando os pés trêmulos.
“E por que não está lá com ela?”, Ian tomou coragem de uma vez.
“Porque é com você que eu quero estar.”
Ian não respondeu. Davi se aproximou abrupto, como se não teria outra chance. Seus lábios se tocaram. E os jovens exploraram o beijo um do outro. Liberaram todo o sentimento que já sentiam um pelo o outro que o medo, a dúvida e insegurança impediam de falar. Mas o momento chegou. E aquele beijo tinha mais significados do que poderiam dizer. A certeza de que tudo estava mudando.
Seria difícil. Afinal, o que é fácil? Ainda mais quando decidem ir contra o que todos imaginam que é o certo. Mas uma coisa simples e ao mesmo tempo avassaladora como um amor inocente, verdadeiro. É capaz de quebrar todo o paradigma. Então eles se separaram. Sorriram um para o outro. Deixaram o sentimento dentro deles falasse mais alto.
“O que vamos fazer agora?”, pergunta Davi.
Trocaram um abraço, outro beijo.
“Eu continuarei admirando você dormir”, confessa Ian.