O PO55UÍDO

2253 Words
Saíram aos poucos, cada um com suas particularidades, foram se somando durante a viagem e chegaram todos a Vila de Yatton, em 1778, na casa do reverendo Joseph Easterbrook. Era início de junho. Mas as pessoas ali presentes, não foram para festejar ou só descansar. Eram seis religiosos de confiança do reverendo, que moravam em Mendip e não estavam ali para um retiro espiritual. Eles estavam ali para exorcizar George Lukins, um alfaiate de boa índole, cujo diagnóstico incompreendido pelos médicos, era mais apontado por ele e pelo reverendo como único: possessão. E os religiosos, amigos de Joseph vindos de várias comunidades atenderam ao chamado, se tornando os sete samurais da fé. O dia foi bastante agitado, pois o reverendo contou tudo o que de sons estranhos vinham da casa do vizinho, principalmente os cantos estranhos que eram cantados pelo alfaiate, cujo som não se assemelhava com nenhuma voz humana. Bíblias nas mãos rumaram para a casa do alfaiate. Era ainda manhã. Assim que entraram, tentaram entrar em um clima espiritual e nada! Todos estavam na maior algazarra. Até mesmo durante a noite foi complicado para se concentrarem. De repente, um silêncio fúnebre tomou conta do lugar. Parecia uma depressão coletiva. E mesmo depois de algumas orações, todos continuavam com a mesma expressão. Enquanto todos os demais estavam no momento de reflexão uma mulher chamada Sarah Barber, estava na cozinha, fazendo orações, mas uma névoa escura adentrou por sua boca e narinas. Assim que se acalmou, foi se encontrar com o reverendo Joseph e os demais que estavam no momento de reflexão. Bastou apenas que ela adentrasse na sala para que todos se desconcentrassem e simplesmente se dispersassem, não prestando mais atenção em nada. Quando a mulher viu aquilo, saiu rindo com um pouco de sarcasmo e escárnio, dizendo: “Gente, quebrei o clima!” Demorou um bocado para o pessoal voltar para a sintonia em que estavam. Ninguém havia notado nela as pupilas de seus olhos expandidas, como se fossem duas grandes bolas de vidro marrons. Pela noite, logo após o jantar, todos estavam conversando e relaxando um pouco. Sarah, a mulher que havia dispersado o pessoal durante o momento de reflexão, estava conversando com um seminarista que tinha vindo se somar aos outros seis, chamado Jack Stevens: um estrangeiro que tinha chegado recentemente à Mendip, que veio atender ao chamado do reverendo Joseph, por insistência de um dos sacerdotes, que não pode ir, mas era amigo do mesmo. O que ela não contava é que dentro desse jovem estrangeiro, existe um subconsciente animal, que será despertado através dessa experiência sobrenatural, que vai mudar o seu modo de ver o mundo para sempre. Em determinado momento, Sarah Barber sentiu uma falta de ar e começou a ficar agoniada. Os reverendos e pastores se aproximaram dela e tentaram ver o que estava acontecendo. Nada mais podiam fazer, pois a menina tinha desmaiado. Eles tentaram reanimá-la. Ela acordou. O estranho era que, Sarah olhava para as pessoas ao seu redor como se fosse outra pessoa. Era fato: ela não estava mais lá.  Jack Stevens ficou olhando a situação e notou algo fora do comum: as pupilas da mulher estavam maiores, pareciam os olhos de um gato quando enxergava no escuro. Os reverendos e pastores mandaram que Jack fosse com Sarah para a sala onde faziam os momentos de reflexão e meditação. Era uma sala pequena, que m*l cabiam dez pessoas. Começaram orações intensas e quase sem parar. Todos estavam com medo, pois ninguém estava preparado para enfrentar esse tipo de situação, mas nada podiam fazer. Os reverendos ficaram na sala com Sarah, enquanto Jack e os outros dois pastores que estavam com ele, permaneciam na sala da frente, junto com George Lukins, fazendo orações. Na outra sala, a mulher não se mexia: apenas olhava para eles e emitia um sorriso macabro, que amedrontava até o mais fiel de todos os devotos. Nesse instante, objetos começavam a voar, tais como se estivessem sendo arremessados: livros, xícaras e abajures. Na sala da frente da casa de George, Jack está junto com os demais, fazendo também suas orações, quando o alfaiate, que estava sentado ao seu lado, começou a passar m*l, devido ao forte abalo emocional que todos estavam tendo. O alfaiate sentiu um forte enjoo e colocou tudo para fora, até mesmo a bílis. Não havia sobrado nada em seu estômago. Um pouco tonto, George Lukins pediu para Jack que o ajudasse a deitar no sofá. O jovem o ajudou. Deitado, ele tremia os lábios, pois dizia que estava com frio e ficou em posição fetal. O que surpreendeu Jack e os pastores nesse momento em que George Lukins estava no sofá foram seus pés. Estavam tão dobrados e retorcidos que pareciam dois ganchos. Aquilo poderia fazer uma pessoa ter um ataque cardíaco de tanto medo. Mas para Jack Stevens, foi como se algo dentro dele abafasse o medo, não permitindo que ele se manifestasse e nem o dominasse. Ele não temia o que estava presenciando, pois para ele aquilo parecia algo bastante comum. Ele pode não ter percebido, mas aquele era o primeiro sinal do despertar de uma criatura milenar dentro dele: a extinção do medo. Joseph Easterbooks e os outros reverendos chegaram até eles, e mandaram-nos, junto com mais três pessoas, levar o alfaiate para a Igreja e o colocassem na sacristia, pois Sarah já estava melhor e aquilo tinha sido apenas só o começo. E assim que a segurou, o inesperado: George Lukins estava com o corpo em estado catatônico. Era como se ele tivesse petrificado em posição fetal. Sons como se fossem milhares de ratos passando por dentro das paredes, assim como sons de arranhões, puderam ser ouvidos por toda a casa. O reverendo Joseph viu que seria impossível realizar o exorcismo ali, e resolveu levar George para a igreja, o que não foi uma tarefa fácil. Mas impulsionados pela fé, eles o colocaram numa carruagem e o levaram para a igreja. Com bastante esforço, entraram na igreja e levaram-no para a sacristia. Lá chegando, trataram de esticar os braços e as pernas de George. Para espanto de todos, a força exercida era fora do comum: algo sobre-humano. Com muito esforço, conseguiram esticar as pernas e os braços do alfaiate. Mas a força era enorme e às vezes os braços dele escapavam. Quando isso acontecia, ele batia fortemente no peito, como se estivesse sendo golpeado por uma marreta. Só que a força descomunal do alfaiate não era o que mais assustava, e sim a sua voz: era grave, e o som era uma mistura da voz dele com outra voz por baixo, sendo que essa voz lembrava o som de um animal, como um porco ou uma hiena. Era o pior som que alguém podia ouvir. Falava injúrias, cantava o TE DEUM ao contrário, ameaçava as pessoas que estavam tentando segurá-lo, gritava e ria. Mas o que fazia os reverendos e pastores temerem e tremerem diante daqueles monstros manifestados, era o fato de que eles conheciam a vida íntima de todos que estavam ali naquele momento, revelando coisas que muitos guardavam apenas para si. Até mesmo com Jack Stevens não foi diferente. Mas a maioria não se intimidava. Muito menos Stevens, que ria sarcasticamente daquilo tudo, como se sua alma fosse inabalável. Em um determinado momento, George Lukins se acalma e começa a falar que já estava tudo bem. Um detalhe que não deixaram passar batido foi o fato de que ele não abria os olhos enquanto falava isso. Pediram então para que ele falasse o seu próprio nome, ele não falava. Uma nova gargalhada grotesca, gutural e na luta continuaram. Tentavam segurar as pernas dele, mas a força parecia ter aumentado. Foi quando Jack Stevens, tomado de uma coragem além da sua própria, sentou-se em suas pernas. Nesse momento, acontecia o segundo sinal do despertar da criatura milenar dentro dele: o conhecimento da sua própria força. Com as pernas do alfaiate bastante seguras, ficou mais fácil segurar os braços e controlá-los. Mas mesmo assim ainda não era fácil controlar a língua dele, pois as injúrias e as coisas que ele pronunciava eram cada vez piores. Os sons dentro da sacristia também não cessaram, e os mesmos barulhos de arranhões e de milhares de ratos caminhando pelas paredes, tomavam conta do lugar. Aqueles barulhos iam enlouquecendo os pastores e sacerdotes presentes, mas eles se mantinham inabaláveis através da fé e das orações, que não cessavam. Somente meia-noite foi que a situação estava sob controle, porque foi com orações intensas que conseguiram libertar a alma do alfaiate da dominação dos sete demônios que estavam dentro do corpo dele, e todos puderam respirar aliviados. Notava-se um cansaço no ar, mas não um cansaço físico e sim mental, psicológico e espiritual. As almas dos reverendos e pastores tinham se esgotado de tantas orações e súplicas. Estavam todos limpos por dentro, menos o seminarista Jack Stevens. Alguma coisa dentro dele estava diferente. Ele estava com uma sensação de que, uma força inexplicável tinha aberto a mente e a alma dele. Não se sentia somente dentro do plano material, pois alguns de seus bloqueios mentais, que prendiam sua alma a este plano físico, tinham sido derrubados com essa experiência sobrenatural. Esse era o terceiro sinal do despertar da criatura milenar dentro dele: o desprendimento das coisas mundanas, ainda no plano físico. Tudo calmo, foram dados alguns avisos e alguns reverendos foram ouvidos sobre o que sentiram durante esse exorcismo, que parecia nunca terminar. Depois disso todos voltaram para a casa do reverendo Joseph e foram dormir. Nessa mesma noite, Jack Stevens teve um sonho. Nesse sonho, ele tinha pulado o muro dos fundos da casa do reverendo Joseph, saído dos arredores da vila e corrido velozmente até uma clareira no meio da mata onde a lua estava brilhando fortemente. Ao longe, estavam os mesmos sete demônios, que tinha enfrentado junto aos demais, na forma de nuvens escuras. Eles estavam entrando nos corpos dos reverendos e pastores que tinham participado do exorcismo de George Lukins e falando através destes, ameaças contra o jovem seminarista. Aflito, ele ordenou que os demônios entrassem dentro dele, já que era ele quem os demônios estavam querendo destruir. Quando os demônios vieram em forma de sombras e entraram dentro dele, Jack Stevens sentiu o seu corpo inteiro se arrepiar. Mas os demônios não permaneceram dentro dele: eles apenas passaram por dentro dele e se dispersaram, saindo por suas costas, na forma de um vapor. E assim que saíram, os demônios falaram, injúrias sobre ele, chamando-o de “maldito monstro de corpo fechado!”, e sumiram. O jovem seminarista tentou gritar alguma coisa para os demônios, enquanto os mesmos se dispersavam. Mas sua boca apenas rosnava e não saía nenhum tipo de palavra de sua garganta. Jack Stevens estava com a sensação de que alguma coisa estava presa em sua garganta. Uma sensação de m*l-estar se apossou de seu corpo, como se começasse em seus pulmões e travasse bem na sua boca. Ele não conseguia entender o que estava acontecendo. Então ele respirou fundo, olhou fixamente para a lua, abriu a boca e deixou que aquela sensação estranha se libertasse de seus pulmões. Para seu espanto, ele emitiu um forte uivo intimidador, como se estivesse anunciando que era ele quem mandava naquele território. O uivo não era muito alto, mas conseguiu amedrontar os animais que estavam ao redor, principalmente os cães de guarda. Aquela sensação após o uivo era de êxtase, pois um prazer de alma tomou conta do corpo do seminarista, como se aquilo estivesse incomodando-o há muito tempo. Com a mesma velocidade e ainda dentro do sonho, Jack Stevens retornou À casa do reverendo Joseph, pulando o mesmo muro com extrema agilidade, entrou na casa, dirigiu-se até o quarto onde estava hospedado e deitou-se na cama. Sua mente escureceu e ele acordou assustado, com o corpo arrepiado, pelos eriçados, e com a sensação de que aquilo não tinha sido um sonho, pois estava sentindo um cansaço físico enorme. Era como se seu corpo tivesse ficado em plena atividade a madrugada toda. Lembrou-se do que os demônios tinham dito nesse sonho e sentiu que dentro dele, um animal havia sido acordado, pois ainda ouvia o uivo dentro de si, e já não conseguia ver o mundo com os mesmos olhos de antes. Acontecia nesse momento, e após essas experiências com o sobrenatural, o despertar definitivo da criatura. Dois dias depois, os reverendos e pastores retornaram às suas vidas normais por todo o condado de Somerset, mantendo segredo do que tinha ocorrido, pois temiam que leigos descrentes ou fanáticos demais fizessem represálias e críticas. Mas mesmo com tanto sigilo, esse segredo foi revelado meses depois, por um jornal local. Os demônios não cumpriram suas promessas, mas conseguiu dispersar quase todos os que estiveram naquele exorcismo, fazendo com que suas vidas ficassem cada vez mais corridas, e eles não tivessem mais tempo para se dedicar para as suas crenças religiosas. Jack Stevens foi um dos únicos que estão lá firmes até hoje. George Lukins voltou à sua vida normal de alfaiate, continuando seu dia-a-dia como o homem íntegro e bondoso que sempre foi. Sarah Barber foi embora da vila de Yatton e nunca mais apareceu por lá. E o reverendo Joseph pode finalmente dormir sem ser incomodado por aquela música estranha que vinha da casa de seu vizinho. Música esta que todos da vila escutavam quando passavam na frente da casa de George, menos o reverendo Joseph. Era o TE DEUM, cantado ao contrário.  
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