Ícaro, a liberdade e a razão.

1587 Words
— E agora? O que faremos? — Edson questinou olhando Rubi parada na porta brava, olhando para Cláudio sem hesitar. — Melhor deixar as coisas como estão. — Márcio me soltou, eu queria rir, mas achei melhor não comemorar demais a vitória. — Ahhhh! Que complicação. Vou informar isso ao senhor Hades, Rubi. Ele não vai gostar de saber que você está apoiando e atrapalhando o nosso trabalho. Edson, leva essa outra para o galpão e deixamos Estér presa no quarto com Rubi. Ela não tem autorização de sair, apenas a menina. — Cláudio decidiu balançando a cabeça. — A senhorita agora me permite passar? Devo trazer algo para que coma. E o médico indicou que ficasse na cama de repouso. Rubi fez careta para Cláudio, antes de correr e abraçar as suas pernas. Acredito que ela sabe usar muito bem o charme infantil. Como pode alguém ficar com raiva de uma fofura dessa? No final, Cláudio realmente não resistiu, logo colocou a menina nos braços e levou até a cama. Onde deitou ela e enrolou. — Seja uma boa menina e descanse. Vamos trazer algo para você comer. Não se esforce demais ou vai acabar piorando. — Cláudio deu um beijo na testa da menina antes de se afastar. Cláudio foi em direção da porta, abriu acenando para os outros dois acompanharem ele. Edson levou com ele a babá que não parava de chorar, não sei se pelo trauma de ter o seu cabelo picotado ou o medo de se transformar em picadinho por Hades mais tarde quando ele chegar. Com todos fora do quarto, resto apenas eu e Rubi, pensei que ouviria a porta sendo trancada, já que eu não tinha permissão de sair, mas não aconteceu. Talvez por causa da menina, evitaram fazer isso, não parece certo, não faz muito sentido trancar uma criança, mas sei que acontece, fico feliz que esse não seja o caso. Rubi é livre até demais, a ponto de manipular até mesmo os três patetas. — Como se sente? — Perguntei colocando a mão na testa dela. A febre já estava passando. Acho que toda agitação com o drama a pouco, ajudou ela a relaxar e quando o estresse saiu do quarto, a febre foi junto. — Muito feliz. Foi tão divertido ver a cara da babá ao ser descoberta. Quando o cabelo dela estava sendo cortado então. — Rubi gargalhava. Se ela for filha do chefe da máfia ou algo assim, está indo pelo caminho certo. Já tem uma personalidade assustadora. — Pensei que estava chateada, mas fico feliz que está animada, ainda aparenta estar um pouco doente ainda. Está pálida. É bom comer e descansar um pouco. Assim vai se recuperar mais rápido. — Expliquei para Rubi que já estava coçando os olhos. — Espere a comida chegar antes de dormir. Tá? Cláudio logo chegou com uma papa sem graça de aveia para Rubi, para mim, vieram algumas torradas exatamente como as de ontem. Tenho certeza que Hades passou para a cozinha a dica. O que não deixa de ser absurdamente estranho. Que tipo de sequestrador mima a refém a ponto de oferecer uma alimentação que ela goste? Acredito que terei que investigar um pouco mais a casa. Talvez encontre uma pista de quem são essas pessoas e onde eu estou. Rubi comeu bem devagar, deixou metade da papa, não parecia ter apetite, mas como a comida era leve, ela conseguiu comer um pouco antes de cair no sono completamente. Depois de algumas horas assistindo ela dormir, me levantei e fui até a janela do seu quarto. Tinha grades. O que era esperado. Já que estávamos no primeiro andar e era o quarto de uma criança bem teimosa. Ao olhar o cenário visto através da janela, me deparei com muitas árvores ao redor da casa. Será que estávamos em uma floresta? Havia vários caminhão levando para algumas casas que estava tão distante que m*l eu podia enxergar. Não conseguia reconhecer de forma alguma onde eu estava. Será que ainda estou no Brasil? Mergulhei tão fundo nessas perguntas, que esqueci completamente da hora. Quando me dei conta, já era tarde demais. Alguém já ia entrado no quarto com a cara de poucos amigos. — Me siga. Vamos conversar no escritório. — Hades disse de forma fria, parecia completamente chateado. — Sim, senhor. — Concordei na mesma hora. Primeiro, não queria acordar a menina. Segundo, o escritório poderia ter alguma pista que me ajudasse a resolver todo o mistério. O escritório de Hades era em um cômodo mais afastado dos outros. Pegamos um corredor estreito e longo para chegar até lá. Era obviamente escondido do resto da casa. Duvido que alguém consiga ouvir o que acontece aqui e muito menos que consiga chegar aqui sem ser notado. Entrando me surpreendi ainda mais com o que encontrei. O lugar era totalmente inesperado, com móveis em tom escuro e rebuscado. Tinha a aparência conservadora, lembrava o escritório do meu avô, que eu visitei algumas vezes enquanto criança, mas diferente da minha lembrança, esse aqui não havia fotos de família, o que me fez notar que na realidade, na casa toda, não há fotos em família ou de criança. Tinha sensação que todos os pais gostavam de expor as fotos em família e dos filhos na casa para que todos possam ver e eles se gabarem. — Quer mais tempo para olhar tudo ou podemos iniciar a conversa? Temos muito o que conversar, não é? Hoje você parece ter síndrome de herói ou de Icaro. O que de fato é i****a. — Hades perguntou ao se sentar e colocar os pés na mesa. — Ícaro? Vai dizer que você nunca sonhou em voar bem alto, com os pássaros? Aquela busca por liberdade. Ícaro... ele realizou esse sonho ousado, mas pagou um preço muito alto, mas será que ele tinha outra opção? — retruquei enquanto sentava na cadeira de frente para Hades. — Você quer dizer que ele não tinha nenhuma opção além de ir além das suas limitações e acabar morto? — Hades parecia confuso com a minha afirmação. — Não sei se você sabe da história completa, mas Ícaro era filho de Dédalo, um genial arquiteto, foi ele quem projetou o labirinto onde vivia o Minotauro, e foi também quem ensinou a Princesa Ariadne como ajudar Teseu a entrar e sair do labirinto sem se perder nos seus corredores. Depois que Teseu derrotou o Minotauro, Dédalo foi preso no labirinto, junto com seu filho, Ícaro. Para fugir, ele construiu asas feitas com penas de gaivotas coladas com cera de abelhas. E, como era um inventor excepcional, as suas asas realmente funcionaram, pai e filho saíram voando do labirinto e fugiram. Porém, ao sentir-se livre como um pássaro, voando pelos céus, Ícaro desejou um pouco mais, quis ir além, gostando da liberdade que o céu lhe dava e voou cada vez mais alto, sem ouvir os conselhos do seu pai, que alertava para o perigo de um voo tão ousado. O castigo não demorou, o calor do sol foi derretendo a cera pouco a pouco e descolando as penas, desfazendo as asas. Sem poder ajudar o filho, Dédalo assistiu horrorizado enquanto Ícaro despencava das alturas até cair no mar Egeu, onde acabou se afogando. O sonho de ir além não morreu com Ícaro, viveu em várias pessoas, entre eles Leonardo da Vinci e o Santos-Dumont, o inventor do avião. E vai muito além disso. — Tentei resumir a história para ele. — Ok. Ao menos os outros foram mais cautelosos e sabiam o perigo. Ícaro foi um i****a que preferiu a morte por ser impulsivo, irresponsável e não saber o seu lugar. — Hades me olhava sem entender o que eu queria dizer. — Não, apenas quem teve a sua liberdade retirada, que se sufocou em seus próprios sonhos sem saber se um dia poderia realizar sabe o quão corajoso e feliz foi Ícaro. Ele não era i****a, sabia que possivelmente poderia morrer com aquela atitude, porque a única coisa que ele queria era sua liberdade e tomar as suas próprias decisões até o fim, mas já pensou que ninguém sabe exatamente quando iremos morrer? Quantas vezes tomamos decisões ruins com medo do futuro e esquecemos do presente? Se não sabemos o dia da nossa morte ou o fim que não espera, não deveremos aproveitar a nossa vida intensamente? Aproveitando cada segundo dela, em vez de gastar com a ansiedade que o futuro espera? — Eu que um dia já fui alguém presa no labirinto que os meus pais fizeram para mim, sabia exatamente a sensação de correr para o sol, buscando liberdade na primeira chance de escapar daquilo que nos sufocava. — Então, para você, se fosse necessário colocar a sua vida em risco para buscar liberdade, você faria isso? — Hades levantou vindo na minha direção — Colocaria realmente a sua vida em jogo por alguns segundos de liberdade? — Melhor, eu pergunto a você, é melhor uma vida onde outras pessoas tomam todas as suas decisões e você não tem direito a fazer nada que deseja ou alguns minutos que te façam sorrir e se sentir realmente viva. Ao meu ver é uma escolha simples viver ou sobreviver, qual delas duas você escolheria? — Perguntei de volta. Não sei onde Hades queria chegar naquela conversa, mas havia algo que ele não tinha ideia, eu não precisava colocar a minha vida em jogo para ter a minha liberdade, o que eu fiz protegendo Rubi foi por uma razão totalmente diferente.
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