Hadassa estava na janela de casa, ouvia o povo cigano dançar e cantar, desde criança o terreno ao lado de sua casa servia de palco a cada dois anos para aquele povo.
No fundo, ela era fascinada pelas roupas coloridas das mulheres, as saias longas, mas também tinha medo de tudo que a mãe dela dizia sobre os ciganos.
Aquele povo que não tinha raiz.
Sem chão, sem leis e sem religião.
Sem Deus?
Fechou a janela, porque aquele tipo de música era o que chamavam de música do mundo.
A expressão "música do mundo" era usada para se referir a músicas que não tinham conteúdo cristão.
O termo correto era música secular, Hadassa sabia.
Se ajoelhou no chão, porque cada vez que ouvia aquela música sentia vontade de ficar horas escutando, sabia que era o demônio a tentando, querendo corrompe-la, mas não deixaria.
A cada vez que o demônio se aproximasse, ela oraria até que só restasse a presença do senhor.
A mão a encontrou terminando a oração.
– O almoço está pronto, Hadassa. E coloque o cadeado na grade da janela, aquele povo barbáro chegou.
– Mamãe, não fale assim, tem crianças lá.
– Eu sinto muito pelas crianças, Hadassa, mas aquele povo não aceitava a salvação, vão arder todos no inferno. Aposto que todas aquelas crianças são roubadas.
Hadassa não respondeu, como filha o seu dever era ser obediente e não contradizer a mãe.
Mas não acreditava que todas aquelas crianças eram roubadas, não acreditava.
Eram boatos.
Porque se fosse verdade, a polícia agiria.
Sobre o roubo de crianças, ela sabia que durante períodos históricos, incluindo a Idade Média e a Renascença, surgiram mitos e boatos infundados sobre o povo cigano. Estereótipos associados a práticas como supostos roubos de crianças foram perpetuados, muitas vezes alimentados pelo desconhecimento e pela desconfiança em relação a culturas nômades.
Hadassa sabia que aquele povo não era para se admirar, não pela cultura, mas sim, porque viviam suas próprias leis, e ainda mais porque diziam que eram motoqueiros, e ela escutava o ronco do motor sempre que eles apareciam, a mãe chamava o som de ronco das profundezas do inferno.
Hadassa nunca tinha subido em uma motocicleta, porque só usava saias e vestidos e ficaria exposta.
Além do mais, o pai nunca permitiu que ela andasse, nem com o irmão que tinha uma moto.
Hadassa abriu a janela e colocou o cadeado na grade externa, e ao longe, sentado em uma moto, ela viu um homem, cabelos longos e lenço vermelho segurando os fios, mesmo que pela distância, não visse os olhos dele, sabia que estava sendo observada.
A cor vermelha.
Vermelho era a cor do pecado, por isso a mãe não a deixava usar batons ou esmaltes naquele tom, na verdade não usava esmalte nenhum.
Ela sentiu algo estranho ao olhar para o homem na moto.
Era o pecado a tentando, com a grade fechada, ela fechou a janela e fechou a cortina.. também.
O pecado a tentava.