MALI NARRANDO
Morar aqui no morro do Vidigal as vezes é bem intenso, sempre tem invasão e nesses dias acabamos ficando todos dentro de casa, e abaixados, porque nunca se sabe quando uma bala perdida vai atravessa sua porta ou até mesmo uma janela de sua casa. Mas enfim, hoje eu vinha passando lá na barreira, tentando o máximo não ser vista, mas sempre é bem impossível, eles sempre me veem e ficam cheios de graças, mas eu passo as pressas e acabo sempre escapando de todos eles. Como todos sabem morar em comunidade não é lá essas coisas, a gente precisa trabalhar pra poder se sustentar, meus pais sempre me ensinaram a ser honesta independente de onde nós morremos, as vezes é difícil arrumar trabalho, mas Deus tem nos abençoado e conseguimos empregos, o que eu uma boa. Eu trabalho em uma biblioteca no asfalto, apenas meio período. Mas tô pensando em começar a trabalhar um horário fixo mesmo, até porque eu já terminei o ensino médio. Eu só estava trabalhando meio período, por causa dos estudos, mas já terminei tem 1 mês então está bem tranquilo de querer pegar algo a mais, até porque é um bom dinheiro.
Meus pais nunca pegaram nenhum centavo meu, sempre insistir em dar o dinheiro que ganho a eles, para ajudar nas despesas, porém eles dizem que podem se virar e que o meu dinheiro serve para eu comprar minhas coisinhas, como roupas, maquiagens, produtos de higiene pessoal e tudo mais. Mas sempre sobra um pouquinho e quando vou dar para eles, eles dizem que posso ficar para tomar um sorvete, e assim sempre acontece aqui em casa, fui muito bem educada, podemos ser humildes, mas temos dignidade e respeito um pelo outro. Eu sou filha única, então por isso tenho bem mais atenção dos meus pais, bom meus pais se chamam José Fernando e Amanda Belloni, minha mãe é italiana, ela nasceu na Itália, foi criada lá até seus 12 anos e veio ao Brasil, e ficou, até que conheceu meu pai, e se casaram.
Mãe: Filha, meu amor? - fala me tirando dos meus pensamentos.
Mali: Oi mamãe, estou aqui no quarto. - falo um pouco alto para que ela possa me ouvir.
Mãe: Acabei de chegar meu amor, pode vim me ajudar a fazer o jantar? Seu pai está quase chegando também. - fala tranquila, então me levanto da cama e vou a seu encontro, assim que chego perto ela se aproxima e me dá um breve abraço e um beijo na bochecha.
Mali: Claro mamãe, com prazer posso lhe ajudar. - digo lhe retribuindo o beijo na bochecha.
Mãe: Você é o meu orgulho minha menina, a minha princesinha. - fala toda emotiva. Então a gente fica conversando como foi o dia dela, e ela pergunta como foi o meu dia, e acabo dizendo que foi bom e digo que também estou pensando em pegar o horário fixo para trabalhar, e ela fica tão feliz. Então ficamos fazendo o jantar, até que meu pai chegar.
Pai: Onde está os amores da minha vida? - fala assim que vai entrando na cozinha.
Mãe: Estamos aqui meu velho. - diz lhe abraçando e lhe dando um beijo.
Mali: Oi papai, como está? - falo lhe dando um beijo na bochecha e um abraço.
Pai: Que mania essa sua Amanda, de ficar me chamando de velho, estou bem novo ainda. - diz cruzando os braços. - Estou bem minha princesa, como foi seu dia? - pergunta enquanto se senta na cadeira da mesa.
Mali: Meu dia foi bem legal pai, falei pra mamãe que tô pensando em pegar um horário fixo para trabalhar sem ser apenas meio período. - digo e ele fica surpreso mais me apoia.
Pai: Estou tão orgulho de você minha menina, futuramente fazer uma faculdade e crescer na vida por mérito próprio. - diz e meus olhos marejam, meus pais sempre quiseram que eu faça faculdade, para que um dia eu possa me tornar alguém que eles não conseguiram ser. Então quando o jantar estava pronto, nós servimos o jantar a mesa e sentamos para jantar junto com meu pai, e foi um jantar tão animado e alegre, eu estava feliz por ter os melhores pais da minha vida, eles são um sonho que qualquer filho deseja. Sempre que dar aproveitamos bem meu pai, porque ele sair muito cedo de casa para ir trabalhar, então sempre que ele chega a gente aproveita cada segundo, ele trabalha em posto de gasolina como frentista, e minha mãe de doméstica na casa de uns ricaços no Leblon.
Quando terminamos o jantar eu ajudei minha mãe a lavar a louça e quando acabamos cada uma foi para seus quarto, eu fui para o meu e peguei o meu diário, sim eu tenho um diário, lá eu posso escrever tudo o que eu quero, e todos meus pensamentos, sentimentos e tudo mais. Eu costumo escrever basicamente tudo sobre mim, de como eu gostaria de arrumar um namorado que me der valor, que seja o homem que qualquer garota da minha idade sonha. Posso ser um pouco infantil em ainda escrever os meus pensamentos e sentimentos em um pedaço de folha, mas para mim, é algo sem explicação, é algo surreal. Minha amiga Lore, faz questão de dizer que eu sou muito aliada, muito ingênua, e que qualquer um poderia pisar no meu coração ou até mesmo brincar e eu nunca saberia a malícia deles. E isso é uma verdade, eu não entendo nada dessa vida, eu só sei o que ela me conta ou o que meus pais me ensinaram e ensinam diariamente. Eu nunca sair com homens, e nunca me permitir ter amigos homens, não sei porque exatamente, acho que não estava preparada para lidar com os pensamentos de homens sem ser o do meu pai. Até porque ele diz que a mente masculina pode fazer coisas que jamais podemos imaginar. Depois de escrever no meu diário, eu o guardo em cima do guarda roupa, e me deito na cama, fico embolando de um lado para o outro até que pego no sono.
Acordei no dia seguinte, assim que me levantei, escolhi minha roupa do dia, sair do meu quarto em direção ao banheiro, entrei e fechei a porta, coloquei minha roupa pendurada junto com a toalha, então fui para baixo do chuveiro e comecei a tomar um banho bem relaxante. Hoje como estou de folga, vou passar o dia arrumando a casa, e até mesmo mandar uma mensagem para a Lore vim aqui para nós curtir o dia juntas, já que eu não gosto de sair, então ela sempre vem pra cá. Ela diz que eu tenho medo de bater com um dos chefes, e a realidade é que eu nunca vi eles e nem quero, até porque o que eu escuto por aí, que eles são uma monstros e não tem coração, que mata sorrindo, isso me assusta e me dá um tremendo medo, que me sobe uns arrepios pela espinha e se espalha por todo o meu corpo, eles são assassinos sanguinários e eu não gosto muito disso. Mas a Lore faz questão de dizer que eles só fazem isso para se defender, o que não acredito muito. O único que eu já vi por aí, e mesmo assim foi de longe foi o tal do JP, a Lore disse que ele é um dos subdonos aqui do morro, o que não faço tanta questão de conhecer. Enfim, até onde fiquei sabendo foi que o real e verdadeiro dono disso aqui, está em um presídio de força máxima, e que vai passar muito tempo lá, não sei porque eu acho que isso não é verdade. A Lore é aquela amiga de infância que sabe de tudo, agora é tudo mesmo, mas assim como ela diz pra mim “amiga, você desse jeito vai morrer com telha de aranhas na pepeca”, e eu disse que eu não sinto nenhum tipo de vontade de fazer coisas indecentes, eu estou muito bem como estou.
Lorena: p*****a mais gostosa dessa favela? - grita me assustando.
Mali: Aí amiga, vai matar outro com seus sustos. - digo e ela da risada.
Lorena: Ta devendo é? - fala rindo.
Mali: Não devo nem a calcinha que visto. - digo e rimos juntas.
Lorena: Vaca gostosa. - diz me abraçando. - Vamos na praça tomar um sorvete? - fala e eu a olho estranha.
Mali: Você sabe que eu não gosto de sair de casa, e acho melhor nem sair mesmo, não tô afim se trombar com ninguém do alto escalão. - falo olhando seria pra ela.
Lorena: Eles são bem gatinhos, eu sentava linda para eles. - diz mordendo o lábio.
Mali: Meu Deus, quanta indecência, Lorena! - repreendo ela, que dá risada.
Lorena: Amiga, assim como você eu também sou virgem, nunca dei pra ninguém, mas vontade não me falta. - diz se jogando no sofá.
Mali: Me ajudar não quer né? Mas desarrumar tudo que acabei de arrumar faz linda. - digo e ela gargalha.
Lorena: Desculpa sua gostosa. Mas sério, vamos tomar um sorvete. - ela insiste mais um pouco, e eu acho melhor não ir, não quero ver esses caras me olhando, eu sinto um medo quando vejo eles com aquelas armas enorme atravessada suas costas, sem contar as que eles andam na cintura, aquilo me faz arrepiar de medo só de olhar.
Mali: Não amiga, vou não, deixa para outro dia, e afinal de contas meus pais vão chegar daqui a pouco e eu quero deixar tudo pronto, porque aí de noite eu me jogo na cama e durmo. - falo e ela revira os olhos.
Lorena: Ai amiga, tudo bem, você venceu. Mas o que você fez de rango? Tô brocada de fome. - diz se levantando.
Mali: Bom para o almoço eu fiz um filé a Parmegiana, um macarrão ao molho, e arroz com batata frita. - falo e ela passa a mão na barriga.
Lorena: Então vou te ajudar para comermos juntas. - ela vem me ajudar a acabar de limpar a casa, e assim que acabamos, a gente almoça, conversamos bastante sobre todos os babados da comunidade, alguma delas eu dou risada, até porque é aquela coisa, eles adoram olhar a vida dos outros, mas quando é da vida deles, eles se escondem e não quer que ninguém fique sabendo.
Então quando acabamos de almoçar, lavamos os pratos e saímos da cozinha, caminhamos até a sala, e nós jogamos no sofá, ligamos a TV, em um filme legal que estava passando, e ficamos assistindo até a noite. Mas antes da minha mãe chegar em casa, ela se despediu e foi embora, ela disse que iria fazer uns corres ainda antes de ir pra casa, e as vezes eu nem entendo muito o que ela diz, mas enfim tudo acontece da forma que está predestinado a acontecer, ela foi embora e minutos depois a minha mãe apareceu ali, assim que ela entrou fomos para a cozinha e começamos a fazer a janta, eu mostrei o que sobrou do almoço, então esquentamos e ficamos esperando meu pai chegar, mas ele não chegava o que era estranho, meu pai nunca atrasou em casa, e sempre esteve ao nosso lado no horário certo, então foi ficando mais tarde até que um dos vapor da comunidade bateu na nossa porta.
Vapor: Boa noite senhora Amanda, eu vim lhe dar um comunicado. - fala e já o olho atenta, estava nervosa ou com medo que alguma coisa de r**m tinha acontecido com meu pai.
Mãe: Pode falar meu jovem. - fala olhando pra ele.
Vapor: O seu marido, ele acabou de ser preso, acusado de roubo. - diz isso e acabo sentindo meu rosto molhar.
Mali: Meu pai, isso não pode ser verdade, meu pai nunca pegou nada de ninguém. - falo chorando e minha mãe chora do outro lado.
Mãe: Você tem certeza disso? - ela pergunta e ele assente.
Mali: Mãe, vamos atrás do papai, isso só pode ser um engano. - digo enquanto choro.
Mãe: Vamos minha menina. Rapaz você sabe para qual delegacia ele foi levado? - pergunta nervosa.
Vapor: Para a do centro. - ele fala e sai dali, então eu e minha mãe pegamos os documentos dela e do meu pai e saímos de casa, descemos até a barreira e pegamos um táxi, pedimos para ele nos deixar na delegacia do centro e ele boa levou. Quando chegamos lá, tudo foi comprovado, falaram que ele roubou todo o dinheiro do gerente do posto, e que foi muito dinheiro, só que não podia ser verdade, porque meu pai me ensinou a nunca a pegar nenhum alfinete de ninguém, é porque ele faria isso? Isso não é verdade, alguém roubou e colocou a culpa nele, só por saberem onde nós moramos. Quando o advogado veio, ele falou que meu pai podia ir para o presídio por roubar, e se pegássemos um advogado público demoraria ainda mais para resolver a questão dele, e abrir um inquérito de investigação e ele pudesse sair sobre fiança e até mesmo inocentado. Mas para isso precisaríamos pagar seus serviços que custaria 5 mil reais com tudo incluso, e se ele conseguisse a fiança sairia em torno de 50 mil tudo. E a gente não sabia o que fazer a gente não tinha onde arrumar, e eu falei que daria um jeito com minha mãe, e que ele pudesse iniciar todo o processo e assim ele concordou.