ARCO 01: O Reencontro | Capítulo 1
... Quarta-feira ...
POV SARADA
"Quanto relatório... por que eu tinha que ficar responsável por organizar os relatórios da ANBU para passar ao Nanadaime? Isso é entediante", penso separando os papéis. Eu não devia reclamar, sou capitã de um time há mais de um ano, tenho uma posição de confiança dentro do esquadrão e recebo muito bem. Apesar da birra da minha mãe quando o Nanadaime decidiu me colocar aqui, eu me saí bem e só não saí de casa ainda para não a deixar sozinha, também não sinto essa necessidade hoje.
Bem, numa coisa ela tinha razão, isso aqui exige mesmo um alto controle e uma frieza que eu não achei que seria capaz de ter, eu já não posso mais contar nos dedos quantos matei ou torturei até o limite de suas forças, mesmo em tempos tidos como de paz, mortes são necessárias. Com certeza hoje sou mais forte que antes, todas as horas de treinamento especializado renderam frutos e reconhecimento, mas também me levaram mais longe de quem eu era anos atrás, quando ELE foi embora.
FLASHBACK ON – 4 anos antes
Eu estava voltando do meu treinamento com Mitsuki, a caminho de casa, quando ouço aquela voz conhecida chamar meu nome e antes que eu pudesse me virar, sinto sua mão segurar meu braço direito me fazendo parar e encará-lo de frente, em meio à pequena multidão que circulava naquele horário.
- Sarada! – repetiu, com o olhar confuso, vendo meu olhar de surpresa.
- Oi, Boruto – falei com um tom calmo e um olhar mais receptivo, ele soltou meu braço – o que houve? – ele sorriu sem graça.
- Eu vou embora amanhã - falou com um sorriso torto, coçando a nuca, ergui uma sobrancelha para ele.
- Como assim "embora"? - perguntei confusa.
- Os velhos me querem fora da Vila, Sasuke acha que alguns anos fora vai ser bom para esfriar as coisas com o resto do mundo – ele disparou como uma metralhadora, parecia ter um misto de sentimentos, entre a empolgação pela aventura que estaria por vir e a tristeza de deixar Konoha para trás, seus olhos azuis tinham um brilho diferente do normal.
- Anos é? – questionei lentamente, claramente sem ânimo, ele concordou com a cabeça – Meu pai vai com você? – continuei no mesmo tom, ele concordou mais uma vez, sem nenhum traço de sorriso, pôs uma mão no meu ombro e me olhou de forma compreensiva
- Sarada? Você vai ficar bem?
- Claro! – forcei o meu melhor sorriso, daqueles que deviam contaminar os olhos – Se eles acham que será bom, então devem ter razão – dei de ombros e ele sorriu minimamente - e quando vocês vão?
- Amanhã – o sorriso dele não desmanchou, mas se reduziu a um riso de canto de boca. Me parece que a decisão da partida repentina realmente não lhe agradou.
- Já? – não consegui disfarçar meu descontentamento com a notícia.
- É... é meio rápido, eu sei, mas precisam que isso seja feito... – ele ajeitou uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha e tocou meu rosto por um instante com sua mão direita, me fazendo encará-lo e corar ao encontrar seus olhos que fitavam os meus como se vissem minha alma. Eu juro que àquela altura lágrimas já queriam descer de meus olhos, teimosamente, mas seu toque me acalmou - eu prometo voltar pra você, Sarada – ele falou confiante, com aquele seu sorriso brilhante e eu senti meus olhos arregalarem – tenho que ir pra casa agora – disse se virando, mas parou por um instante e virou a cabeça para me olhar – Sayōnara, Sarada!
- Sayōnara, Boruto... – falei vagamente, vendo-o partir - dê o seu melhor! - falei o mais alto que pude, ele ergueu a mão em um legal, sem voltar a me encarar e nunca mais o vi.
FLASHBACK OFF
Logo depois Mitsuki também deixou a Aldeia, para o esconderijo do Orochimaru, eu sei que ele ainda faz missões para a Vila, mas não falam muito sobre isso, o encontrei poucas vezes nesse meio tempo. Há umas semanas recebemos uma carta do meu pai – coisa rara - avisando que estavam retornando, desde então eu não tenho dormido nada bem, minha ansiedade está no máximo, as últimas palavras do Boruto ficam martelando na minha cabeça sempre que estou desocupada: "Eu prometo voltar pra você". Aquele tom de promessa de quem esperava algo de mim quando voltasse, hoje me faz tremer, foi uma promessa feita a uma garotinha que não existe mais, pois não sou a mesma garota para quem ele prometeu que voltaria, "o que será que ele espera de mim? O que será que ele vai pensar quando ver quem me tornei?", penso sentindo o frio correr a espinha, por isso tenho procurado qualquer coisa para me ocupar, mas está tudo estranhamente parado.
Eu ainda sinto algo por ele, que não sei explicar, penso que seja algo bom, de certa forma, é como se essa parte específica do meu coração tivesse congelado no tempo, assim como minha mãe conta de seu amor de infância pelo meu pai, "mas ela o esperou todo o tempo, diferente de mim", penso me condenando.
... 12h ...
Pego meus papéis, saio do centro ANBU e sigo para a rua principal de Konoha procurando algum restaurante para almoçar, um pouco distraída com as opções, vestindo meu uniforme ANBU sem máscara, os cabelos longos presos em um r**o de cavalo, até que um letreiro detém minha atenção por dois segundos antes de esbarrar em algo que me faz perder o equilíbrio, olho para frente e vejo um peitoral largo coberto por uma camisa e uma jaqueta pretas, antes que eu caísse, uma mão grande e rápida segura meu braço esquerdo e me puxa com força me fazendo me manter de pé.
- Baka! Não olha por onde anda? – resmungo baixo, para mim mesma e me recomponho, me preparando para seguir caminho - gomena...
POV BORUTO
FLASHBACK ON – 1 semana antes
Levantei muito cedo, sentindo a necessidade de gastar energia, então fui correr um pouco e fazer treinos físicos, antes do sol nascer, já que o Sasuke estabeleceu logo no início dessa viagem interminável, de objetivo questionável, que eu deveria fortalecer meu corpo para aguentar melhor meu poder.
Já se passaram quatro anos desde o dia em que deixei Konoha, é lógico que muita coisa mudou, eu mudei, fisicamente com certeza, o espelho me mostra todos os dias, mas internamente também. Uma das coisas mais difíceis nesse período foi lidar com a saudade, a falta dos meus pais, da minha irmãzinha, da minha Sarada, dizer adeus sem ao menos ter coragem de dizer o que sentia por ela, é um arrependimento que carrego. Mas viver com alguém como Sasuke tem lá suas vantagens, ele não é de tocar nas suas feridas, não lhe questiona sobre muita coisa, e tem alguns métodos não muito ortodoxos de lhe fazer render o seu máximo.
Eu havia voltado para a cabana e tomado banho, era cedo, eu não havia conseguido dormir direito desde que ele anunciou que estaria perto o dia de voltar para casa, a noite passada minha cabeça era um turbilhão de pensamentos, dormi por menos de 3 horas e já estava de pé. Estava mexendo vagarosamente meu café na xícara quando o ouvi abrir a porta atrás de mim.
- Acordando antes do sol de novo, Boruto? – questionou com seu ar debochado de sempre.
- Não consegui dormir direito – falei direto, sem humor.
- Essa sua saudade de casa ainda vai te matar – falou irônico, já estamos a tanto tempo nessa convivência constante que parece que ele pode ler a minha mente, nunca falo sobre isso, mas ele parece saber o que, ou quem, prende meus pensamentos àquela vila.
- Você não a sente, não é? – ironizei com uma cara de poucos amigos, não estou afim dos seus jogos mentais hoje.
- Você que pensa... – ele murmurou para si mesmo, mas devido ao pouco espaço entre nós eu o ouvi – arrume suas coisas Boruto, vamos começar o caminho de volta pra casa hoje – eu me virei para encará-lo de olhos cerrados, procurando qualquer sinal de brincadeira em seu rosto, mas como de costume não achei, ele estava irritantemente indiferente como sempre, até dar o seu comum, mas não frquente, sorriso de lado – o que está esperando, dobe? – eu sorri largamente e corri para o quarto arrumando minha mochila o mais rápido que pude. Conferimos e acertamos tudo em algumas horas, deixando para trás aquela pacata vila do País do Chá.
FLASHBACK OFF
... 11h ...
- Pode entrar – ouço a voz baixa e rouca do meu pai, "deve estar cansado", penso.
- Chegamos, Naruto – Sasuke entra na frente, meu pai levanta o olhar, rindo.
- Ora se não é o teme e meu filho ingrato – ele se levanta, saindo de trás da mesa e vindo até nós, me abraçando forte.
- Oto-san! – exclamo o abraçando em resposta, nos separamos e ele me olha nos olhos, com seu sorriso largo, depois olha da cabeça aos pés e volta a me encarar.
- Parece bem filho, está crescido... bonito como o pai, dattebayo! – eu rio – Como se sente?
- Me sinto ótimo agora que estou em casa pai, mas você parece cansado – o olho apoiando a mão direita em seu ombro esquerdo.
- O de sempre... – fala com pesar – você deve ir até sua mãe, ela só fala no quanto sente sua falta, Himawari também, você vai levar um susto quando a vir – ele fala com um sorriso largo.
- Vou até elas agora mesmo, dattebasa! – falo apressado e deixo a sala sem cerimônia. Sigo andando a passos largos em direção à minha casa, até que em meio a uma pequena multidão que circulava pela rua principal eu esbarro em um corpo esguio e pequeno, de longos cabelos negros, a garota parecia distraída pois demorou a perceber o que aconteceu antes que eu a pegasse pelo braço para que não caísse no chão.
- Baka! Não olha por onde anda? – a ouço resmungar baixo, enquanto se recompõe, o que me faz olhá-la com atenção, eu reconheço esse tom briguento, a fito da cabeça aos pés, não parece muito com a garota que deixei aqui, reconheço o uniforme discreto da ANBU, mas nem ele é capaz de suprimir suas curvas atraente, pernas bem definidas, quadris mais largos, a cintura ainda fina e bem marcada, os cabelos negros mesmo presos estão bem maiores - gomena... - e esses olhos incrivelmente negros como os dele, "tem que ser ela", penso notando a falta dos óculos que me confundem agora.
- Sarada? - questiono ainda incerto, ela me encara com seus olhos incrivelmente negros, "tem que ser ela", penso notando a falta dos óculos que me confundem agora.
POV SARADA
- Sarada? – paro por um instante ao ouvir meu nome sob uma voz que me parece vagamente familiar, rouca e confusa. Subo o olhar lentamente em direção ao rosto do meu interlocutor, e paro em seus olhos, reconhecendo de imediato o dono dos olhos mais azuis que já vi na vida.
- Boruto? – questiono em choque. Ele sorri largamente para mim como se confirmasse uma dúvida.
- Você está muito... diferente, dattebasa! – fala sorrindo.
- Eu? E você, baka? Olha só pra você! – falo fazendo um movimento com as mãos como se lhe apresentasse a si mesmo. Ele ri – quando chegaram? Onde está meu pai? - pergunto estranhamente eufórica.
- Acabamos de chegar. Sasuke ficou no escritório do meu pai, eu estava a caminho de casa para rever minha mãe e minha irmã – fala ainda com seu sorriso grandioso no rosto, sem tirar os olhos dos meus.
- Elas vão ficar muito felizes em te ver – falo simpática, ele concorda - eu tenho que ir, preciso almoçar antes de ir ao escritório do Nanadaime – falo dando um passo para seguir em frente.
- Então você tem algum tempo? Eu estou faminto, podíamos ir ao Ichiraku, já faz anos... – ele me olha com cara de pidão.
- É... - pondero se essa é uma boa ideia - tudo bem, eu não tinha decidido o que almoçar mesmo – dou de ombros.
Nós comemos enquanto conversamos sobre como está a vila, a vida de nossos amigos mais próximos, ele questiona sobre a ANBU, provavelmente pelo meu uniforme e eu respondo de forma vaga, dizendo apenas que vai bem. Tudo vai bem, até que acabamos de comer e começamos a nos encarar sem falar nada, passamos alguns segundos nisso, o que parece uma hora.
- Então, Sarada... – ele começa como se escolhesse as palavras – você... – meu celular toca alto me lembrando da hora da minha reunião semanal com o Nanadaime.
– Desculpa, tenho que ir, ou vou me atrasar, nos vemos depois – digo abrindo a carteira, mas ele n**a me mandando guardar.
- É por minha conta – eu rio.
- Você que está chegando agora, considere minhas "boas vindas" - falo colocando o valor da conta sobre a mesa e saindo rápido em direção ao prédio do Hokage.
... 13h ...
Subo de elevador e sigo pelo corredor até a grande porta do escritório do Hokage, olho o relógio na parede apenas para confirmar que estava no horário e bato à porta esperando permissão para entrar, mas ao invés disso, alguém abre a porta.
- Sarada? – meu pai me encara surpreso.
- Oto-san! – cumprimento com um sorriso sincero – é bom tê-lo de volta – digo de forma gentil, ele me analisa de cima a baixo e sorri pequeno, parece feliz em me ver.
- Você está diferente – comenta, depois olha para o Nanadaime como se estivesse mandando uma mensagem com o olhar e ele sorri sem graça – nos vemos em casa – fala passando por mim, assinto.
- Com licença, Nanadaime-sama – peço ainda da porta.
- Entre, Rinkusu* – fala com um aceno de mão, eu adentro o espaço amplo da sala do Hokage e fecho a porta atrás de mim - relatórios? – assinto – algo de extraordinário? – pergunta sem expressão, "queria eu... há dois meses não mato ninguém", penso.
*Rinkusu = Lince. Codinome Anbu da Sarada, usado por opção dela.
- Não senhor – ele assente e volta o olhar para os papéis - se me permite fazer uma observação... – ele ergue o olhar acena positivamente – tem semanas que não temos nenhuma missão além das regulares de reconhecimento, nenhuma ocorrência nas vilas vizinhas, nenhum incidente realmente grave... essa tranquilidade está me deixando inquieta.
- Eu notei isso... – ele tosse - continuem a rotina de vigília para manter a segurança da Vila e as missões regulares, quero fazer um treinamento pessoalmente com todo o esquadrão na semana que vem, avise-os... estou com um pressentimento.
- Hai! – assinto.
- Marque isso para mim com Shikamaru, por favor... ele sabe melhor dos meus compromissos – fala apoiando a cabeça na mão, refletindo um grande cansaço físico.
- Irei procurá-lo agora mesmo, Nanadaime-sama – falo séria.
- Está dispensada, Rinkusu – fala baixo.
- Hai! – faço uma reverência e saio do seu escritório em busca de Shikamaru.
Penso por um instante em como minha vida será agora com a volta do Boruto, tudo é um turbilhão na minha cabeça, "se ele soubesse de tudo que aconteceu...", não consigo imaginar sua reação. Ignoro minha confusão para fazer meu trabalho, devo achar Shikamaru e voltar ao trabalho. Mais tarde terei que lidar com o casal de recém-casados de novo em casa.
- Shikamaru-sama! – chamo encontrando-o ao passar por um dos corredores e ele vira em minha direção.
- Em que posso lhe ser útil, Rinkusu? – pergunta sem emoção, como de costume.
- Nanadaime-sama pediu que reservasse um dia inteiro na agenda dele na semana que vem, para um treinamento pessoalmente com o esquadrão ANBU – falo breve.
- Isso vai ser complicado... – bufa e olha para o teto como se pensasse.
- Quando tiver uma data me comunique para que eu repasse aos demais – falo sem me sensibilizar com seu cansaço.
- Ok, enviarei alguém para avisá-la assim que tiver uma data e horário – fala com um sorriso meia boca.
- Basta uma mensagem, Shikamaru-sama – falo, ele acena com uma mão, sumindo.
... Sexta-feira ...
... 20h ...
- Cultivando velhos hábitos... - falo baixo, ao sentir seu jutsu das sombras me parar em frente a um beco, com um sorriso de canto – Shikadai? – ele solta um riso nasalado, olho em sua direção e vejo seus olhos verdes brilharem no escuro, enquanto sua silhueta se move em minha direção vindo para a luz - não cansa dessa brincadeira?
- Agora está começando a perder a graça – fala com falsa chateação e rimos – bem – assume sua postura normal e entendo que seu contato era por motivos profissionais - meu pai me mandou te avisar que o treinamento com o Nanadaime está marcado na quinta a partir do meio-dia – fala entediado.
- Obrigada - ele assente – ele te chamou só pra te mandar fazer isso, não foi? – ele sorri de canto.
- O que acha? – faz cara de "óbvio", eu n**o com a cabeça - meu pai é um velho cheio de manias, que gosta que as coisas sejam do jeito dele - fala com um tom mais sério, de reprovação aparente, seus olhos fitavam um horizonte inexistente enquanto andávamos lado a lado pela rua já não tão cheia.
- Eu bem sei disso – alfineto e sinto seu olhar analítico de canto de olho sobre mim - você já encontrou o Boruto? - indago, tentando parecer menos curiosa do que realmente estou.
- Brevemente, não tivemos tempo de conversar, mas ele me convidou para a festa de boas-vindas que tia Hina vai oferecer para comemorar sua volta, no sábado - fala na sua tranquilidade costumeira - imagino que você também vá.
- Sim, soube ontem pelo Kakashi-ojisan.
- Então nos vemos lá, tenho um encontro com meu travesseiro agora - acena saindo de perto de mim, quando percebo que já estava praticamente na porta de casa.
"Nara Shikadai... sempre o mesmo", penso encarando suas costas, um caminhar tranquilo, seguro, firme. Shikadai tem sido a âncora da minha sanidade por muito tempo, essa vida de assassina não foi tão bondosa comigo.
Eu e Shikadai nos aproximamos após a partida do Boruto, víamos um ao outro como uma parte dele que tinha ficado para cuidar do outro, nós conversávamos quase todos os dias. Logo que entrei na Anbu, um ano após a partida do Boruto, o tempo ficou escasso e meu humor pouco amigável. Meses se passaram e eu não era mais eu mesma, tudo que eu buscava era anular qualquer sentimento que viesse à tona, me mantinha distante até mesmo da minha mãe, mas ele percebeu, me estendeu a mão e me trouxe de volta de certa forma, me fez entender que eu não precisava controlar tudo o tempo todo, por vezes eu voltei de missões onde o sangue encrustado em minhas unhas não me deixava dormir e ele foi meu consolo, me permitindo chorar e me convencendo que ia passar, que eu não era o monstro que via.