capitulo 5

4832 Words
A a******a da clínica no dia seguinte manteve Samantha ocupada, impedindo que se deixasse dominar pela frustração e raiva depois daquele encontro com seu patrão. A visão da clínica com as portas abertas para os primeiros pacientes a alegrou um pouco. Felicity veio mais tarde e Samantha sorriu vendo sua assistente entrar, vestida com um conjunto de saia e blusa brancas, como uma enfermeira. Tudo levava a crer que a moça estava disposta a trabalhar: tinha chegado na hora combinada e estava vestida com discrição. No decorrer do dia, Felicity se mostrou muito entusiasmada com o novo emprego. Quando o primeiro paciente entrou, Samantha constatou que a utilidade de sua assistente não se resumia aos talentos de enfermeira. Felicity conhecia todos os moradores da ilha. E com muito orgulho de sua posição, apresentava cada paciente à Dra. Hall, enfatizando os títulos de Samantha como uma maneira de se valorizar também. Para quebrar o constrangimento dos pacientes naquela primeira consulta, Felicity perguntava sobre a família, comentava sobre os últimos acontecimentos dos jornais e sempre encontrava um modo sutil de introduzir o motivo do paciente ter procurado um médico. O primeiro paciente foi um velho de aparência frágil e seus olhos brilhavam quando falou no retorno do filho à ilha, voltando a ficar severo ao lembrar da partida que deveria acontecer em breve. A observação dessas reações contou mais a Samantha sobre a provável origem das dores de cabeça crônicas do homem, do que qualquer exame neurológico. — Como está o seu estômago, Sra. Johnston? — Felicity conversava com uma senhora obesa. — Tem conseguido comer direito? Através daquela conversa aparentemente trivial e da reação da paciente, Samantha teve o palpite de que a Sra. Johnston sofria, na verdade, de hipocondria. Parecia gostar de se vangloriar de suas doenças. É claro que Samantha não pretendia se basear apenas em diagnósticos intuitivos, mas sabia que a amizade de Felicity com os moradores poderia ser um trunfo. Seria um meio de se aproximar dos pacientes e ser vista como uma pessoa como qualquer outra na ilha e não como uma criatura onipotente, com poderes sobrenaturais. À primeira vista, o método parecia funcionar. Os pacientes chegavam ansiosos para a consulta, ao mesmo tempo orgulhosos porque a ilha tinha agora seu próprio médico, e curiosos para conhecer a moça de aparência frágil que ocupava esse cargo de prestígio e responsabilidade. Enquanto Felicity preparava o espírito dos pacientes, Samantha; os observava e sentia que também era observada. Quando a conversa entrava em sua área, tomava as rédeas de sua assistente e mostrava seus conhecimentos, questionando-os com calma. Nem todos os pacientes daquela primeira manhã de trabalho eram como o velho e a mulher obesa. Isto é, pessoas que procuravam no médico uma assistência mais psicológica do que propriamente física Alguns vinham com os joelhos esfolados, picadas de abelhas e dor de garganta. Enfim, dores superficiais tratadas em casa por anos a fio e que, uma vez passada a curiosidade pela nova médica, voltariam a ser curadas com receitas caseiras. Mas, sendo o primeiro dia de funcionamento da clínica, muitos arrumaram um pretexto para ter uma consulta. Afinal, era um acontecimento memorável na ilha. O movimento começou aos poucos, mas perto da hora do almoço era intenso. Eram duas horas e a sala de espera continuava cheia de gente, e quando Felicity foi fechar a porta às três teve que mandar muitos voltarem no dia seguinte. Embora não gostasse da idéia de recusar pacientes, Samantha sabia que precisava ditar as regras do jogo desde o início, Era óbvio que o fluxo de pacientes diminuiria com o tempo, mas não devia se esgotar logo nos primeiros dias. Precisava guardar energia para uma emergência de verdade. Assim, Samantha fechou a clínica e colocou um aviso na porta anunciando que atenderia a qualquer emergência vinte e quatro horas por dia. Apesar dessa precaução, ainda sentia um certo remorso por ter que desapontar aquelas pessoas simples. — Quantos casos de joelho esfolado atendemos hoje, Felicity? — perguntou, enquanto recostava na cadeira e esticava as pernas. — Não se preocupe. Ainda terá muitos joelhos para examinar — a moça brincou, dando um de seus raros sorrisos, enquanto servia o chá gelado. Não tiveram tempo para almoçar, nem mesmo para tomar um copo de água entre um paciente e outro. Samantha estava exausta, mas agradecida pela ajuda de Felicity. — Você fez um bom trabalho hoje. Não sei o que faria sem a sua ajuda. Felicity não disse nada, mas sua fisionomia, sempre tão impassível, mostrava satisfação pelo elogio. Enquanto tomava o chá gelado, descansando um pouco antes de examinar as fichas, Samantha admitiu para si mesma que a ajuda de Felicity era providencial. Tinha se empenhado em acalmar os pacientes mais nervosos e encorajar os mais reservados a falar. Restava saber por quanto tempo mais continuaria a se empenhar com tamanha eficiência. Como iria agir quando o trabalho se tornasse uma rotina? Felicity ainda estaria tão interessada? E quando perdesse o interesse, ainda seria capaz de cumprir suas obrigações? Samantha tinha sérias dúvidas e, para ser honesta, tinha que admitir que também estava um pouco desapontada. Será que tinham estudado tanto sobre doenças tropicais apenas para tratar de joelhos esfolados e gripes comuns? De qualquer maneira, era muito cedo para fazer previsões. E também não poderia querer que uma epidemia de malária se alastrasse pela população! Não, não era isso que queria. Mas tinha certeza de que não suportaria passar seus dias tratando de dores de garganta. Enquanto examinava as fichas para fazer um levantamento, uma idéia martelava em sua cabeça: talvez tivesse mais em comum com sua assistente do que quisesse admitir. Ambas tinham jeito para cuidar de enfermos e acalmar uma criança com medo de injeção. Eram jovens, agitadas e tinham espírito aventureiro. Depois de lavar a louça do jantar, foi para o pequeno escritório. A casa estava silenciosa e as luzes do consultório apagadas. Felicity tinha ido embora antes do jantar, prometendo voltar no horário marcado, pois com certeza teriam outro dia movimentado. O perfume da moça continuava no ar, misturado ao cheiro de antissépticos e polidor de móveis. Samantha levantou da cadeira e foi até a janela. Tinha pensado várias vezes em Chris durante o dia, mas não tanto como agora que estava sozinha. Assim como o perfume de Felicity, a presença de Christopher Girard parecia estar impregnada nas paredes e na mobília da casa. Até a comida que tinha preparado para o jantar fora providenciada por ele. Mesmo sem todas essas lembranças concretas seria impossível esquecer Christopher Girard. Era verdade que havia conseguido evitar uma i********e maior na praia, mas era difícil apagar as impressões que esse homem deixara no corpo e na alma de Samantha.     Nas semanas seguintes, a vida de Samantha entrou na rotina. O movimento dos primeiros dias diminuiu, pois a maioria das pessoas já tinha saciado a curiosidade sobre a nova médica. Ainda assim, não podia reclamar de falta de trabalho, fosse de dia ou de noite. O horário normal de funcionamento da clínica era ocupado por exames com hora marcada, vacinação de rotina e assistência pré-natal para mulheres que sempre tiveram seus bebês em casa. Embora os moradores da ilha tivessem recebido assistência médica de Halekai, a maioria não fazia exames regulares e não dava a menor importância para a medicina preventiva. Alegavam que dava muito trabalho ir até a ilha vizinha só para consultar um médico. Por isso, era comum receber pacientes sofrendo de moléstias crônicas e também constatar um grande número de doenças tratadas inadequadamente. Samantha enfatizava sempre a importância de fazer exames regulares, tanto em crianças quanto em adultos. Para maior controle, tinha um fichário individual para cada família da ilha, onde eram registradas as doenças, com os respectivos tratamentos e resultados. Além disso, uma parte do dia era reservada para consultas sem hora marcada, em que o paciente aparecia para reclamar de coisas simples, como dor de estômago, ou então esclarecer alguma dúvida. Estava determinada a encorajar os moradores da ilha a não deixar para procurar o médico só em caso de emergência, mas ficava frustrada por não poder dedicar tanto tempo quanto queria a cada paciente. No fim do dia, a fila de pacientes ainda parecia interminável. Aos poucos, conseguiu vencer a demanda e, no final da terceira semana, começava a estabelecer um ritmo moderado, que permitiria sua sobrevivência. Durante todo o tempo era surpreendente a disposição de Felicity em ajudar. Embora ficasse contrariada quando era obrigada a adiar um programa à noite ou passar uma tarde de sábado colocando o fichário em ordem, na maior parte do tempo estava sempre atenta para suprir as necessidades de Samantha. Às vezes, seus modos eram arrogantes, mas nunca faltava ou chegava atrasada ao serviço. Pelo menos, até então. Afinal, era compreensível que uma moça na idade de Felicity quisesse também se divertir. Mesmo Samantha sentia falta de algumas horas de lazer. Fazia muito tempo, por exemplo, que não ia à praia. A Sra. Tarai aparecia com freqüência, sempre lembrando de trazer alguma coisa, como seu delicioso pão caseiro. Samantha sentia-se muito à vontade com a viúva, que também parecia apreciar suas conversas. O reverendo Ilima também a visitava de vez em quando, geralmente no final da tarde, para uma rápida troca de idéias. Era bom manter um bate-papo agradável para espairecer um pouco depois de um dia árduo de trabalho. Ed Bates vinha com menos freqüência, mas era também muito bem-vindo. Conhecia bem as pessoas da ilha e até trazia informações sobre um ou outro aluno doente, alertando para certas particularidades sobre as famílias, que pudessem estar influenciando no estado físico ou emocional da criança. Além de ser uma companhia divertida, era estimulante ouvir suas reflexões filosóficas sobre a vida. De todos os conhecidos especiais da ilha, só um não tinha o hábito de visitá-la, e era a pessoa que Samantha mais queria, e temia, ver. Sabia que Christopher Girard estava acompanhando seu trabalho, pois ouvira através de terceiros que aprovava seus projetos. Também recebia mantimentos e cestas cheias de frutas do pomar da Casa Grande, embora não tivessem nenhum contato pessoal. Mesmo que quisesse, Samantha não teria conseguido esquecer esse homem. Os pacientes falavam muito em sua generosidade, enquanto Ed Bates e o reverendo Ilima sempre contavam histórias sobre sua família. Assim, vivia sendo lembrada da importância de Christopher Girard para a ilha e, quanto mais histórias ouvia, mais respeito e admiração sentia por ele. Aprendeu através da experiência que as previsões de Chris sobre seus futuros pacientes eram verdadeiras e ajudaram muito. Como Felicity, Chris conhecia os habitantes de ilha e tinha muita sensibilidade para analisar o comportamento deles. Sabia quais pessoas a procurariam com freqüência e quais os que oporiam mais resistência em se consultar. Nesse ponto, Ed Bates também trazia muitas informações e sugeria estratégias para lidar com os pais mais teimosos e as crianças mais medrosas. Chris conseguiu até adivinhar quem se fingiria de doente para tentar burlar as leis que obrigavam todos a trabalhar, se quisessem ficar na ilha, e também para se aproveitar do fundo de previdência aos incapacitados. Samantha examinava com cuidado redobrado aqueles que a procuravam alegando alguma incapacidade física. A advertência de Chris abriu seus olhos e todos os julgamentos dele provaram estar corretos! Era difícil conciliar as várias imagens que tinha de seu patrão. De um lado, existia o sensível, inteligente e ativo Sr. Girard, que administrava a ilha com generosidade, mas com o pulso firme da determinação. De outro, estava o anfitrião espirituoso e polido, respeitado por pelo menos duas pessoas que Samantha tinha aprendido a admirar: Ed Bates e o reverendo Ilima. Finalmente, era impossível esquecer do sedutor arrogante e ousado que conhecera numa tarde de sol na praia. Samantha estava tão fascinada quanto amedrontada e sabia que, bem no íntimo, ansiava por conhecer mais sobre esse lado de Chris. Outra de suas fontes de informação era Felicity, que tomava cuidado para chamar Chris de “Sr. Girard” na presença da mãe. Às vezes, os comentários de Felicity surgiam naturalmente no meio de uma conversa, e era comum a moça começar a contar, sem mais nem menos, sobre algum lugar especial que tinha visitado com Chris, uma festa ou um passeio em Halekai. Às vezes, tinha a impressão de que Felicity fazia aqueles comentários de propósito. Embora fosse apenas uma intuição, Samantha achava que Felicity exagerava um pouco quando falava sobre os programas que fazia com Chris. Imaginava, por exemplo, se Chris tinha levado Felicity para a festa ou se os dois tinham se encontrado por acaso. De qualquer maneira, um fato era inegável: representava um relacionamento especial para Felicity. O pior de tudo, por estar ligado às responsabilidades profissionais de Samantha e também por agredir diretamente os seus sentimentos, era o fato de Felicity lembrar sutilmente, mas a toda hora, que era Chris quem tinha lhe arrumado o emprego. Por mais atenciosa que fosse com os pacientes e cuidadosa com o trabalho, Felicity tinha um temperamento muito difícil e era preguiçosa por natureza. Quando Samantha apontava alguma falha ou sugeria meios de melhorar o trabalho, recebia uma ameaça disfarçada. — Chris não me pediu para fazer isso — foi a resposta de Felicity na primeira vez que Samantha pediu que ficasse até mais tarde para arrumar o fichário. — Não? Bem, seja como for, tenho certeza de que esperava que você cumprisse suas obrigações, certo? — Acho que sim... mas tenho um compromisso esta noite. O fato de saber que Chris estava mais uma vez fora da ilha foi um grande alívio para Samantha. — Nesse caso, você poderia ficar até mais tarde amanhã. Está bem assim, Felicity? Não importa quando você faça o trabalho, contanto que o fichário esteja pronto até o fim da semana. Essa sugestão funcionou, já que satisfazia às duas, mas Samantha ficou ressentida com a ameaça de Felicity e sentia a tensão no ar. O significado implícito nas palavras da moça era de que Chris, e não Samantha, era seu patrão e, no que dependesse dele, jamais seria despedida. Samantha só via uma explicação para essa atitude; isto é, além da suspeita de um relacionamento mais íntimo com Chris. Não demorou muito para perceber que Felicity despertava duas reações diferentes nas pessoas. Uns a achavam simpática e outros não gostavam dela por causa de seu jeito pretencioso e da ousadia na maneira de vestir. A maioria, porém, a tratava com complacência, encantados com sua beleza, e essas pessoas não recriminavam seu porte de princesa. Se Felicity era tão arrogante, a culpa era do mimo com que tinha sido tratada desde criança. Era vaidosa e egoísta. Se era esse o caso, Chris e a Sra. Tarai estavam certos em querer que Felicity adquirisse mais senso de responsabilidade com o trabalho. Samantha sabia também que faria um grande progresso, se conseguisse motivá-la a superar a preguiça. Contudo, era difícil se concentrar em propósitos tão altruístas quando via a moça encostada no arquivo, de braços cruzados, como se não tivesse nenhum trabalho digno de sua atenção.     Já fazia quase um mês depois da a******a da clínica e era fim de tarde quando Samantha voltava de uma visita a um paciente que morava nas colinas. A caminho de casa, parou na praia para dar um mergulho rápido. Depois, tudo que queria era jantar tranqüilamente e passar o resto da noite lendo as revistas médicas que tinham chegado, semanas atrás dos Estados Unidos. Mas quando chegou na porta de casa, teve o estranho pressentimento de que alguma coisa estava errada. Ficou imóvel, olhando para o consultório. Os papéis que tinha deixado empilhado num canto da mesa estavam em desordem, como se alguém tivesse remexido tudo para procurar alguma coisa. Mais irritada do que assustada, entrou e examinou tudo à sua volta. Não era só a mesa que tinha sido remexida. As gavetas do arquivo estavam parcialmente abertas e, em cima do móvel, viu algumas fichas que tinha certeza de ter visto Felicity guardar. Era muito estranho. Fez uma rápida investigação pelo resto da casa, mas tudo parecia no lugar. Voltou ao consultório e ficou remoendo a raiva, com as mãos na cintura. O invasor tinha tomado um certo cuidado, pois não havia nenhum sinal de vandalismo. Só alguém que conhecia bem aquela sala, saberia que a cadeira e os papéis estavam fora do lugar e mesmo as fichas poderiam ter sido esquecidas fora do arquivo, coisa que não havia acontecido. Furiosa, saiu e fechou a porta, tomando cuidado para ver se a fechadura tinha sido forçada. Não, estava intacta. Ou o invasor tinha a chave ou a porta não tinha sido trancada como deveria. Foi até a casa da Sra. Tarai e bateu na porta, descontrolada pela raiva. Torcia para encontrar Felicity sozinha. Não queria que sua mãe ouvisse o que tinha para dizer. — Dra. Hall! Veio visitar minha mãe? Infelizmente, ela não está em casa. — É melhor assim. É com você que quero falar. — Alguma coisa errada? — Você deve saber o que está errado. Talvez seja melhor me convidar para entrar. Não será nada agradável os vizinhos ouvirem nossa conversa. Felicity recuou para lhe dar passagem e conversaram em pé no hall mesmo. — A que horas você saiu da clínica? — Mais ou menos uma hora depois que você, assim que terminei a ficha da Sra. Maguro. Samantha ficou calada, consciente das poucas evidências que tinha. Tudo que sabia era que aquele não era o primeiro incidente ocorrido em sua ausência. Alguns remédios tinham desaparecido dos armários, reaparecendo mais tarde nos lugares mais disparatados ou sumido de vez, sem deixar vestígios. Certa vez, a vidraça foi quebrada, mas aparentemente nada sumiu. Em todos os casos, Samantha não estava em casa, contudo, Felicity poderia estar por perto. Aquela era a primeira vez que decidiu interrogar sua assistente. — Você trancou a porta quando saiu? — Isto soou mais como uma acusação do que uma pergunta. — Sim, tranquei. — Tem certeza? — Devo ter trancado. Por quê? Samantha procurava na fisionomia da moça a resposta que não estava conseguindo através de palavras. — Porque alguém entrou na clínica esta tarde. — Como sabe? — Felicity parecia realmente surpresa. — As cadeiras estavam fora do lugar, as gavetas dos arquivos; abertas e os papéis na minha mesa foram remexidos. — Nossa! Que horror! Era difícil interpretar a expressão naqueles olhos negros. A moça: parecia estar sendo sincera, mas Samantha ainda tinha suas dúvidas. — Sim, um horror... Você sabe que aquele arquivo é confidencial. Não é justo para os pacientes que qualquer um tenha acesso a essas fichas. É por isso que estou sempre pedindo que tranque a porta quando sai da sala, nem que seja por alguns minutos. — E tranquei. Tenho certeza que sim. — Não sei... — Não acredita em mim? Que motivos eu teria para saquear a clínica ou deixar alguém fazer isso? Samantha não sabia o que pensar. Não tinha nenhuma prova contra Felicity. Nada além de sua preguiça e má vontade ocasionais. Geralmente, era muito atenciosa com os pacientes. — Ouça, Felicity, não estou acusando ninguém. Estou muito perturbada e não consigo pensar com clareza. — Mesmo assim, não hesitou em vir aqui me interrogar. — Você foi a última a sair da clínica... — Sempre desconfiei que você não gostava de mim. — Não é isso. — Samantha estava confusa com a reação de Felicity e insegura com a própria falta de informações. — Bem, o que mais posso pensar? — Felicity, você não pode dizer que não foi avisada para trancar a porta. Além disso, acho que tenho motivos suficientes para me preocupar. — Tem motivos para reclamar de mim para Chris? A discussão foi interrompida pelo som de passos na varanda. Era a Sra. Tarai chegando e Samantha fez um último comentário antes que ela se aproximasse. — Não fiz nenhuma reclamação... ainda. Espero não precisar chegar a isso. A discussão teve que terminar bruscamente e tomara que isso acontecesse com os problemas. Nenhum dos incidentes era grave, se considerados isoladamente. Mas sua seqüência era, no mínimo, perturbadora. Os remédios continuavam a desaparecer das prateleiras ou colocados em lugar errado. Um texto médico desapareceu da estante e foi parar na biblioteca da escola, embora ninguém soubesse explicar como. O telefone tocava no meio da noite e era desligado quando Samantha atendia, alarmada com a hipótese de ser uma emergência. Pensou na possibilidade de serem atos de represália de alguém a quem tivesse negado o atestado de incapacidade física, por exemplo. Embora, nesse caso, fosse mais provável que a pessoa usasse um meio mais violento para extravasar a raiva em vez de uma série de pequenos atos misteriosos.     Uma semana depois da discussão com Felicity, Samantha estava se preparando para dormir e fechava as cortinas quando viu um homem alto se aproximando da casa, fazendo seu coração disparar. Podia ser Chris. Ficou imóvel até o homem chegar mais perto e acabou com suas esperanças. Não era Chris. Desapontada e esperando que o estranho não batesse em sua porta aquela hora da noite, ia se afastar da janela, quando um gesto peculiar do homem chamou sua atenção. De trás da cortina, viu o sujeito olhar para os lados, como se quisesse se certificar de que ninguém estava por perto e desapareceu na ruazinha escura ao lado da casa. Samantha correu para o escritório, ansiosa para ver o que o homem estava tramando. Quando chegou na janela, tomando cuidado para não ser vista, o estranho já tinha desaparecido. Ficou na janela por algum tempo, nervosa demais para ir dormir. Era possível que o homem não estivesse com más intenções, mas sua atitude era muito suspeita. Além do mais, era um estranho — fato raro naquela pequena ilha — e Samantha estava intrigada demais com os últimos incidentes ocorridos na clínica. Rapidamente, tomou uma decisão e correu para o telefone. Ligou para Charlie Tuatara, o chefe de polícia, para comunicar o fato, mas isso não ajudou muito. — Ficaremos de olho nos estranhos, Dra. Hall, e vigiaremos melhor a sua casa. Tem certeza de que era um estranho? — Pelo menos, não o reconheci... — A esta altura já deve conhecer todos os moradores da ilha, pelo menos de vista. — Acho que sim. Isto é... — Sim? — O Sr. Tuatara ficou imediatamente alerta. — Oh, nada. — Samantha pensou melhor e decidiu não falar sobre a vaga intuição que tinha sobre o homem que rondava a casa. Na verdade, estava intrigada com uma pessoa de quem já tinha ouvido falar, mas não conhecia. Um homem que não parecia inspirar simpatia na Sra. Tarai ou em Ed Bates, nem mesmo no reverendo Ilima. Era Pete Thompson, o ex-administrador da propriedade da família Girard. Todas as informações levavam a crer que era um homem desleal, capaz de estar por trás daquela série de incidentes inexplicáveis. Mas isso não passava de uma suspeita vaga e não podia acusar alguém que nem sabia identificar. Por isso, apesar da insistência do Sr. Tuatara, Samantha não disse nada. Afinal, o policial desistiu. — Ligue para cá se vir o homem de novo. — Está bem. Desligou o telefone um pouco mais aliviada e deitou na cama, apagando as luzes. A sensação de solidão era imensa e o sono veio devagar, trazendo um pouco de paz.     A inquietante sensação de solidão foi amenizada por um telefonema na manhã seguinte. O insistente chamado do telefone ao lado da cama interrompeu o breve período de sono pesado que conseguira depois de uma noite muito agitada. Ainda sonolenta, atendeu o telefone: — Alô... aqui é a Dra. Hall. — Samantha, acordei você? A voz vibrante de Christopher Girard deixou todos os sentidos de Samantha alertas, fazendo-a sentar na cama. — Não... quer dizer, sim, mas não faz m*l. Já estava mesmo na hora de acordar. — Desculpe, mas precisava falar com você ainda hoje. Estou de partida para Guam. — Sei... Você tem viajado muito ultimamente. — É verdade. E pelo que ouvi falar, seu consultório anda bem movimentado. Cuidado para não ter uma estafa. — Não se preocupe. Sou médica, lembra? — Samantha, estou ligando porque fomos convidados para uma festa em Halekai, no sábado que vem, e achei que deveria avisar o quanto antes. — Fomos convidados? — Fui encarregado de convidar a nova médica. É você, não? Samantha não sabia o que dizer. Queria rever Chris, mas não sabia se devia viajar em sua companhia. — Samantha? Você está aí? — Sim, estou apenas pensando... Não sei se posso aceitar, Chris. — Já tem algum compromisso? — Não é isso... Bem, é que não sei se devo me ausentar da ilha... — Você precisa de uma folga de vez em quando, Samantha. A ilha sobreviverá sem você por uma noite. Samantha sabia que Chris estava certo. Aquela desculpa era muito fraca, mas não conseguia pensar em outra mais convincente. Chris parecia impaciente e interrompeu seus pensamentos: — Ouça, Samantha, você não tem muita escolha. A festa foi organizada pelo governador de Halekai e seria uma afronta não aceitar. Como vê, é quase um dever. — Entendo... Parecia que Chris não estava mais satisfeito do que Samantha com aquele convite, o que a deixou desolada. Combinaram tudo com as vozes tensas e desligaram rapidamente.     Embora parecesse contrariado no telefone, Chris apareceu no horário combinado, na noite da festa. Estava usando um smoking branco que lhe acentuava o bronzeado e Samantha sentiu uma pontada no peito. Os dois estavam muito tensos, mas os olhos de Chris brilhavam de satisfação enquanto a observavam. Samantha tinha se vestido com um cuidado especial, mais para levantar o próprio ânimo do que para agradar aos outros. O olhar de Chris continuou a percorrer seu corpo, fazendo-a corar. As primeiras palavras que ele disse trouxeram conforto para seu coração solitário: — Vamos começar de novo? Comovida demais para falar, Samantha apenas concordou com a cabeça e Chris ofereceu o braço para irem até o carro. Na curta distância até a pista de decolagem, falaram sobre assuntos banais. Na i********e do avião, o clima voltou a ficar tenso. Chris ajudou a apertar o cinto de segurança e viajaram em silêncio, ouvindo apenas o ruído do motor. Chris não parecia incomodado com o silêncio. Exceto por alguns comentários sobre a duração da viagem, concentrou toda a atenção; no vôo, quase ignorando a presença da passageira. Em outras circunstâncias, Samantha poderia ter se sentido excluída, mas naquela noite ficou aliviada pela chance de ordenar seus pensamentos. Seria possível começar de novo, como Chris tinha sugerido? Esperava que sim, embora não soubesse qual o sentido exato daquelas palavras. A noite passou depressa e Samantha conheceu muitas pessoas de quem tinha ouvido falar através de Ed Bates e do reverendo Ilima. Todos a receberam com muito carinho, embora o governador fosse um homem formal, mais preocupado com o protocolo do que propriamente com os problemas da ilha. Agora que conhecia o homem, Samantha viu que era bem provável que tomasse como ofensa uma recusa ao seu convite. — É a esposa dele quem organiza tudo — Chris explicou, enquanto tomavam seus lugares na mesa. — Você quer dizer... este jantar? — Isto... e muito mais. É ela quem o informa sobre os acontecimentos da ilha e cuida de sua agenda oficial. Dizem as más línguas que o governador a chama quando tem um problema que não consegue resolver. Era irônico que aquele homem pomposo sentado na cabeceira da mesa, fosse, na realidade, tão fraco. Definitivamente, as mulheres estavam assumindo uma posição de destaque na política. O jantar transcorreu normalmente e os dois conversaram animadamente, dividindo a atenção com os outros convidados. O ambiente era alegre e os arranjos de flores sobre a mesa davam um toque tropical na decoração. Quando o jantar terminou, a festa passou a ser ao ar livre. Os jardins estavam iluminados e o perfume das flores impregnava o ar. Um conjunto se encarregava da música de fundo. — Vamos dançar? Samantha aceitou com prazer e deixou-se envolver por aqueles braços fortes. Trocaram alguns comentários sussurrados, mas ficaram calados a maior parte do tempo, movimentando o corpo ao sabor da música. A noite passava e Samantha sentia-se cada vez mais à vontade nos braços de Chris. Um dos convidados se aproximou e a tirou para dançar. Samantha relutou, mas não queria ser indelicada e ia aceitar quando Chris sacudiu a cabeça e continuaram a dançar. — Não pense que deixarei você ir tão facilmente. Esperei muito por este momento. O coração de Samantha parecia prestes a explodir de tanta emoção. Chris também estava feliz por estarem juntos! Mas era melhor não ter muitas ilusões baseadas naquelas simples palavras. Afinal, Chris poderia estar falando apenas de atração física, do desejo de ter uma mulher bonita nos braços. Para Samantha, era muito mais que atração física. Gostava daquele homem alto e forte com quem estava dançando, muito mais do que jamais gostou de alguém na vida. Samantha sabia que estava começando a se apaixonar.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD