Eduardo acompanhava apreensivo a repercussão de seu artigo no jornal. Leu blogs de outros jornalistas, comentários de cientistas políticos na TV e de outros palpiteiros famosos. Mas para ele o mais importante era como aquelas informações chegava ao povo, ao grande público, por isso checou também as redes sociais, para ver como andavam as hashtags sobre o escândalo da emissora que recebia dinheiro de um partido político de direita, que se fingia de centro, para veicular propaganda disfarçada. Além de publicidade escamoteada ser proibida no país, existem leis, regras e datas específicas para que os políticos possam divulgar na mídia suas campanhas.
Mas além de receber dinheiro de políticos para fazer propaganda clandestina, a emissora era paga para infiltrar em seu conteúdo de entretenimento, ou seja, em novelas, séries e filmes, uma vertente ideológica conservadora e contra minorias. Desse modo, tanto políticos quanto emissora praticavam crimes.
O material divulgado por Eduardo foi transmitido a ele por dois jovens hackiativistas antifascistas, Andrei e Erica, que, para o jornalista, identificaram-se como ZL e Maria, respectivamente, para manter em sigilo suas identidades, pois, afinal, eles estavam mexendo com gente grande e potencialmente perigosa. Não foi informado a Eduardo, no entanto, que o material que ele estava recebendo tinha sido obtido por meio do hackeamento do celular de um executivo da Emissora X, mas ele desconfiava. Mesmo assim, ele, como jornalista, estava amparado pela lei, que garante que qualquer jornalista tem o direito de manter o sigilo da sua fonte, independentemente de como essa fonte consiga a informação.
Sendo assim, Eduardo não cometia crime algum ao publicar o que lhe foi passado, mas os hackers haviam cometido um crime ao invadir um celular privado e por isso, mesmo que eles fossem realmente bons, não podiam cometer deslizes e precisavam se manter em total sigilo.
Eduardo os tinha encontrado apenas duas vezes. Na primeira, ele se encontrou com os dois em uma praça, na segunda, ele se encontrou apenas com o rapaz, em outra praça. E foi nessa segunda vez que ele teve certeza de que estava apaixonado. De cara ele já tinha se encantado pelo jovem, que parecia ter entre 23 e 26 anos, ele não conseguiria precisar, mas encontrá-lo pela segunda vez o atormentaria por dias. Ele não sabia como nem por que, já que não sabia absolutamente nada sobre ele, mas tinha uma vontade enorme de conhecê-lo, de conversar com ele, de sair com ele.
Havia uma aura de mistério a envolver Andrei, o jovem hacker, que se contrastava com sua aparência angelical de menino desleixadamente lindo. Sem que ele soubesse, essa aura atraía algumas pessoas, não muitas, já que no geral o achavam meio chato. Não foi o que aconteceu com seu namorado, Rodrigo, que, seduzido pelo mistério de Andrei, apaixonou-se, tal qual o jornalista, quase que de cara. Rodrigo gostava de Andrei de verdade.
Mas não se podia negar que Andrei tinha mais coisas em comum com Eduardo, ainda que ambos não soubessem o quanto essa afinidade era grande, mas ele estava louco de amor pelo namorado e nem um combo de coisas em comum o fariam deixar Rodrigo, que era igualmente perdido de paixão por ele. Mas disso Eduardo também não sabia, uma vez que de Andrei sabia tão pouco. Sabia que ele era gay. Isso ele tinha certeza, mesmo sem saber explicar. E sabia também que além de derrubar aqueles políticos e aquela emissora, ele queria ao menos um encontro com aquele hacker.
Além das duas vezes que se viram, ZL, como ele conhecia Andrei, tinha falado com ele uma única vez por mensagem e aquilo tinha sido o suficiente para que as mais loucas fantasias pudessem surgir. Tinha sido uma conversa simples, banal até, mas para quem não tinha nada, aquilo era bastante. E foi quando Eduardo assistia à transmissão de uma entrevista que tinha dado a um canal de TV, que recebeu mensagem dele.
Desconhecido: Estou te vendo na TV. Realmente incrível.
Jornalista: Quem é você?
Desconhecido: Sou sua fonte.
Jornalista: A mulher?
Desconhecido: Não. Sua outra fonte.
Jornalista: Nossa. Oi. É você mesmo?!
Desconhecido: Sim, sou eu. Você tocou minha mão quando te entreguei o arquivo. Lembra?
Jornalista: Claro que lembro! É vc mesmo. Me desculpa por aquilo... Que vergonha!
Desconhecido: Não precisa se desculpar.
Jornalista: Estou feliz que vc esteja falando comigo. Realmente feliz.
Desconhecido: Que bom... Você se sai muito bem nas entrevistas. Ficamos felizes tb.
Jornalista: Obrigado. Vocês não precisam se preocupar...
Desconhecido: Vc checou mesmo o lance das câmeras ou foi blefe?
Jornalista: Chequei. Um amigo me ajudou.
Desconhecido: Sensacional!! Então vc tem outras fontes.
Jornalista: Tenho... Mas vc é minha fonte preferida.
Desconhecido: Vc nem me conhece.
Jornalista: Eu sei... Mas eu queria muito.
Desconhecido: Foi mesmo incrível a checagem.
Jornalista: Que bom que acha... Estou tentando fazer minha parte direitinho. Aí, quem sabe, eu recebo até uma mensagem, olha só...
Desconhecido: Tá fazendo mais que direitinho, eu diria. Obrigado.
Jornalista: Eu que agradeço por terem confiado em mim.
Desconhecido: Logo receberá mais material.
Jornalista: Então vamos trabalhar juntos mesmo? Que maravilha!
Desconhecido: Acho que vamos.
Jornalista: Vc que vai me entregar?
Desconhecido: Não. Não será entregue pessoalmente dessa vez.
Jornalista: Entendi. Que pena... Achei que eu fosse te ver de novo.
Desconhecido: Por segurança é melhor ninguém ser visto com vc.
Jornalista: Mas é vc que vai me enviar pelo menos?
Desconhecido: Não. Tb não sou eu.
Jornalista: Poxa. Que pena. Logo você que é minha fonte preferida.
Desconhecido: A outra fonte é muito boa tb. Vc vai gostar dela tb.
Jornalista: Espero que não se sinta constrangido com essas brincadeiras. Ou que se sinta assediado. Porque juro que não é minha intenção. É que... Eu realmente gostei de você.
Desconhecido: Não me senti constrangido.
Jornalista: Que bom.... Você é sempre tão sério?
Desconhecido: Vc me acha mesmo sério?
Jornalista: Acho. Muito. Mas acho charmoso...
Desconhecido: Acho que sou sério só às vezes.
Jornalista: Você também não deve poder me dar seu nome, né?
Desconhecido: Não... kk
Jornalista: A coisas não estão nada fáceis pra mim, poxa...
Desconhecido: Eu já vou indo.
Jornalista: Ei, espera só um pouquinho. Por favor... Vou poder me comunicar com você por aqui?
Desconhecido: Esse canal de comunicação é temporário. Quando a conversa terminar eu fecho. É mais seguro. Sinto muito. Mas gostei muito da sua entrevista. E da checagem. Vc foi incrível! Muito obrigado!
Jornalista: Nossa. Peço desculpas pela insistência e se eu estiver sendo inconveniente vc pode dizer que eu paro. Normalmente eu não sou assim. Mas eu gostaria muito de ver você de novo. Gostei de verdade de você. (Mensagem Não Enviada)
— Droga! — foi o que ele gritou ao perceber que sua última mensagem já não tinha sido entregue. No dia em que a entrevista era transmitida Andrei e Rodrigo estavam brigados e o hacker achou que nunca mais veria o namorado, então e por isso, permitiu-se o leve flerte com o jornalista.
Apesar do flerte, havia ficado claro que eles não poderiam se encontrar, mas Eduardo queria e estava decidido a conseguir desvendar aquele delicioso enigma. Logo em seguida, Andrei e o namorado se entenderam e Eduardo não teria a menor chance. No entanto, como lhe faltavam informações para desistir àquela altura e, ainda que faltassem, estava cego pelo desejo, grande senhor traiçoeiro dos erros humanos, ele tinha esperança.
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Articulista freelancer. Era isso que Eduardo fazia para o jornal no qual seu artigo fora publicado. Ele também tinha um blog em um grande portal online de notícias, mas entre todas as suas ocupações, a que ele mais gostava era trabalhar no Brazilian Watch, uma agência de notícias com publicações exclusivamente online dedicada a vigiar e responsabilizar autoridades e governantes sobre questões como meio ambiente, liberdade de expressão, direitos humanos, respeito à diversidade, entre outros assuntos. Era onde ele ganha menos, e também era seu único local de trabalho que ele frequentava presencialmente.
Atuava como Executivo Sênior, mas como a estrutura hierárquica do jornal era aberta, todos escreviam artigos dentro das suas áreas de aprofundamento de estudo e interesse. Eduardo geralmente escrevia sobre política, já que era um jornalista investigativo, especializado em política nacional e internacional.
E era no Brazilian Watch que ele queria, no fundo, divulgar o material. Mas como suas fontes pediram um grande veículo de imprensa, ele escreveu o artigo para o jornal, no qual ele era articulista. Mas iria, no seu próximo contato, verificar com as fontes se poderia escrever também para o Brazilian Watch, porque era lá que ele tinha amigos, era lá que ele convivia com pessoas que compartilhavam dos mesmos ideais e era também lá que ele se divertia. Ainda que sentisse prazer escrevendo para qualquer um dos veículos em que trabalhava.
Houve uma pequena gritaria na sede do BW para Eduardo quando ele apareceu por lá depois da publicação do artigo, tinha ficado muitos dias sem dar as caras devido ao grande assédio da imprensa em cima dele. Assim que chegou foi recepcionado com gritos e abraços. Foi nesse dia que ele compartilhou com os colegas de trabalho a vontade de escrever sobre o tema para o BW.
— Cara, como você achou essa fonte? — perguntou Rafael, Editor do BW.
— A fonte que me achou... disseram que pesquisaram sobre mim...algo assim... — explicava, enquanto iam se aglomerando à sua volta. Naquele dia havia apenas cinco pessoas na sede, e estavam todos ali, parabenizando e o ouvindo contar.
— Então, eu queria publicar aqui, mas a fonte pediu que fosse na mídia convencional, então não teve jeito. Mas na próxima oportunidade vou ver se consigo ampliar pra cá. — ele dizia.
— Ia ser incrível... — disse Adriana, que era repórter e estava por ali.
– Ia mesmo. Vê se consegue, cara... vê se ela não quer fazer uma parceria com a gente, sei lá...porque quem vazou isso ou tem muito ódio dos caras ou é dos nossos e quer desmascarar os verdadeiros corruptos. — falava Rafael.
— Ah, certeza que é a segunda... a fonte é bem jovem... — afirmou Eduardo.
— Sério?! — espantou-se Henrique.
— Você acha que é material hackeado? — questionou, sagaz, Rafael.
— Acho que é possível. Mas eu realmente não sei... — Eduardo se esquivou levemente à esquerda, igualmente sagaz.
Os jornalistas conversaram por um bom tempo sobre o artigo e sobre a entrevista que ele havia dado, congratulando-o também por isso. Tinha sido tudo muito rápido e ele acabou ficando com trabalho acumulado, por isso avisou o pessoal que ficaria longe uns dias. A sede era um lugar tranquilo e gostoso de trabalhar, o que fazia com que Eduardo ficasse lá até mesmo quando estava trabalhando em texto para outros lugares. Embora, evidentemente, ele preferisse a tranquilidade quase total de seu apartamento.
Era bom ter um lugar físico para onde ir, no entanto. Era o que ele pensava. Pois acreditava que mesmo que escrevesse textos não-literários era preciso uma dose de criatividade para produzi-los também, e para ele não era possível ser criativo por muito tempo estando isolado do mundo. Assim, a interação social era uma aliada e no BW ele tinha encontrado as pessoas mais inspiradoras e inteligentes que poderia conhecer.
Assim, ainda que tivesse uma personalidade que pudesse ser vista como introvertida para muitos, Eduardo compreendia a necessidade de interagir com pessoas e com o mundo e ele gostava de conversar, afinal, comunicação era a sua área, ainda que não fosse tão bom em trocar ideias com desconhecidos. Ele não era inibido, tampouco. Era discreto, portava uma tranquilidade sóbria e aconchegante, já que não tinha uma personalidade combativa no dia a dia, o que fazia com que as pessoas se sentissem, no geral, confortáveis perto dele. Ele era combativo nos textos, e duro, forte, firme e preciso.
E foi essa suave contradição que conquistou Kauan, o estagiário, que suspirava ao vê-lo passar como garotinhas apaixonadas de novela, que ficam com os olhinhos brilhantes pelo galã. É evidente que seu rosto bonito colaborou para a paixonite do jovem aspirante a jornalista, que sabia que Eduardo era gay. Todos sabiam, estava na Wikipédia. Ele sabia também que ele estava interessado em alguém, pois o ouviu comentar com uma amiga, a Adriana.
Assim, além de aprender muito, trabalhar feito um louco, ser apaixonado por um dos chefes, Kauan ainda estabeleceu como meta descobrir quem era a criatura misteriosa por quem Eduardo se interessou. Porque Kauan era o tipo de pessoa que olha foto de ex nas redes sociais e sofre, o tipo que quando vê um sofrimento o persegue em vez de fugir. Por isso, ele estava empenhado em infligir a si mesmo mais uma tortura.