A luz somada ao susto o trouxe para o próximo dia com uma grande uma ironia de vida. Tudo continuava igual. Acordou no mesmo lugar, não havia voltado e aquilo não era um sonho. Sentou se na cama e olhou para as mãos na coberta rosa. Seu pulso estava mais fino do que o comum. A fome era ignorada, mas naquele momento roncou lembrando os almoços caseiros dos pais. O arroz. Strogonoff. Suco de laranja. Batata frita.
-Se eu não te visse acharia que foi um terremoto – Brincou Brumália sentando se no pé da cama e deixando as pernas de lado.
Sua camisola era branca e simples. Sem gola e quadrada. Plissada e perolada, o tecido era solto pelo corpo. Brumália pareceu perceber seu olhar em sua roupa e fechou com o fino casaco escondendo o que o próprio Tristan não viu e nem queria. Abaixou o olhar suspirando e com fome.
-Vamos comer, você precisa ganhar algum peso, está muito magro – Anunciou Calídece vendo uma mulher trazer uma bandeja de comida e deixar na mesa – obrigada, venham antes que eu coma tudo.
Brumália se levantou rapidamente oferecendo a mão ao jovem que aceitou para se levantar. Foram até as almofadas que rondavam a mesa e sentaram se lado a lado. Por algum motivo havia gostado mais de Brumália que já pegava um figo na mesa e levava a boca degustando o adocicado da fruta.
-Não seja tímido – Falou Alethea partindo uma romã em dois e pegando uma metade – coma, ajudará com a cicatrização nas suas costas.
-Mesmo? Não sinto mais dor – Lembrou Tristan surpreso – deveria estar mais dolorido.
-Os médicos do Senador devem ter cuidado de você, eles são sempre os melhores em qualquer território que o exército conquiste, pelo menos eles tem a inteligência de consumir o conhecimento de outros povos – Falou Calídece pegando uma uva.
Tristan concordou e pegou uma pera na mesa. Donatília bebia leite calmamente observando o jovem que comia perdido em pensamentos. Abaixou a taça colocando a na mesa. Limpou a boca com lenço na mesa. Virou o rosto em sua direção.
-Tristan eu acho que deveria comer a papa de cereais – Aconselhou Donatília – vai te dar mais corpo, coma com a fruta para ter um gosto mais doce.
-Verdade, a Senhora nos orientou para te engordar, os convidados não gostam de corpos muito magros – Completou Agatha entrando na conversa e carregando um prato que o mostrou a Tristan – isto é nossa receita secreta, vai te dar mais corpo em alguns dias, é rico em gordura, acho que você comeu ontem.
-Verdade, mas é feito de que? – Perguntou Tristan analisando os cubos cortados em coloração amarelo alaranjado.
-Feito de damasco – Respondeu Alethea salivando – mas é muito gorduroso, por isso só comemos as vezes, se a Senhora quer que você coma então ela realmente está investindo em você, acho que você vai ficar por um bom tempo.
-Ela me disse que vai me libertar – Falou Tristan pegando um cubo e cheirando.
-Você é tão facilmente manipulado – Grunhiu Agatha colocando o prato na mesa e sentando se do outro lado na mesa.
-Tem um gosto bom – Comentou Tristan mordendo o cubo e sentindo o frescor e acidez da fruta.
Colocou o cubo inteiro na boca deixando o sentir todo o sabor único daquele prato. Engoliu com certa tristeza, sabendo que não poderia comer outro. Focou se na papa de trigo a sua frente. Pegou a colher e começou a comê-lo.
As mulheres viam o jovem comer a papa alternando com a pera. Ele realmente estava com muita fome. Terminou de comer completamente satisfeito. Seu estomago estava feliz e seu sorriso veio mais fácil.
-Tristan você precisa entender algumas coisas antes de aparecer amanhã de madrugada, algumas coisas importantes para não desagradar ninguém – Disse Brumália olhando para as mulheres que concordaram – por exemplo, pelo que deu a entender você será apenas um dançarino então ninguém poderá toca-lo...
-Mas não quer dizer que a Senhora não vá simplesmente mudar de ideia e deixar qualquer um toca-lo sob um preço de seu agrado – Avisou Brumália mordendo uma pera com gosto e com a boca ainda cheia repensou – mas será que vai ser hoje? Ela quer que você ganhe peso e seria muito descarado, além do que ninguém sabe sobre sua existência...
-Ela tem seus métodos para avisar, lembra quando Ciro chegou? Havia apenas dois dias e ela já era conhecida, todos sabiam da novata, se levarmos em conta a reputação criada em cima dele então, possivelmente já tem pessoas separando o dinheiro para vir aqui esta noite, perder tempo não é com ela, para ela tempo é dinheiro – Interrompeu Donatília bebericando sua taça de leite – mas seria i****a dizer que ele é o dançarino, acho que ela vai apenas dizer que tem um novo dançarino, deixando claro que nada tem a ver com o Senador, uma briga com ele é impensável.
-Então terei que dançar como se minha vida dependesse disso – Brincou Tristan limpando a boca com o tecido.
As mulheres voltaram a concordar entre si. Comeram em silencio quando a mesma mulher que trouxera levou a comida restante. Tristan a viu ir embora e desejou ir também. Precisava achar uma maneira de sair, segundo Epires, o dia da Primavera era o ideal.
-Hã... então por que será que a Senhora quer minha presença hoje? Por que não esperar eu ganhar... hã... corpo? Será que tem algum dia especial? – Questionou Tristan como quem não queria nada.
-Agora que falou, tem um feriado em celebração a Primavera – Contou Alethea sentando se na almofada e arrumando as vestias em azul claro–é um dia especial, senão me engano é daqui a alguns dias.
-Interessante – Exclamou Tristan segurando o sorriso de satisfação.
-Não saímos nesse dia, o único dia que vale a pena não podemos dar as caras – Resmungou Brumália sem notar o sorriso do jovem morrer de repente – a Senhora diz que é o dia em que mais teremos clientes e precisamos estar aqui para recebe-los.
Tristan queria gritar, sua única chance de ir embora havia sido frustrada. Mas ele iria voltar para Epires? Por que ele deveria voltar? Poria muito bem ser tratado igual foi com o Senador... não voltaria, fugiria, precisava encontrar um modo de fugir e quem seria mais indicado que um oraculo? Segundo as aulas de história eram usadas para ver o futuro e a verdade. Só ela saberia como fazê-lo voltar. Precisava sair, mas como? Epires dissera que Heleno estava resolvendo, então esperaria o jovem faze-lo e fugiria...