Querida Irmã
Estou deitado em minha cama, olhando para a foto que você mandou, melhor presente de aniversário do mundo, sinto tanto atua falta!
Por que você não escreve as cartas para mim quando estiver na escola? Você não deve ficar sozinha na praça, não gosto nada daquela patota que circula por lá.
Tentei fugir daqui ontem, mas os inspetores me pegaram e fiquei de castigo sem poder comer nem sair do cubículo. Disseram que se eu tentar fugir de novo não vou mais poder receber cartas. Me perdoe, maninha, eu queria te buscar, não tem como, eles sempre me pegam e não quero ficar sem suas cartas...
Quando finalmente sair daqui ,nós seremos uma família de novo. Eu e você; e ninguém vai mais te machucar ou gritar com você, eu prometo! Por enquanto, fique perto do Ti. Diga a ele que eu pedi para ele cuidar de você até eu voltar. Ele é meu amigo e você pode ficar na casa dele quando Antônio estiver em casa. Peça também para ele te ajudar na escola, lembra que mamãe sempre dizia para estudarmos muito?
Ontem transferiram um menino para meu alojamento. Pelo que ouvi pelos corredores, ele não se adaptou ao alojamento anterior, onde ficam os garotos mais ricos. Ele chorou a noite inteira e não me deixou dormir. A cama dele é logo embaixo da minha e o choro enjoado dele me irritou.
Os outros garotos também o ouviram chorar e hoje estão provocando ele o tempo todo. Estão chamando de nomes feios e até o empurraram no refeitório. Ele caiu por cima da bandeja com todo o café da manhã dele. Além de ficar sem comer, os inspetores ainda o colocaram de castigo.
Pior é que eles viram que Cristóvão o empurrou e não fizeram nada e ainda riram do garoto chorão.
Quem mandou ele ser fraco e chorar?
Aqui os inspetores não gostam de meninos fracos. Os homens que trabalham aqui são piores do que os garotos que estão provocando o menino. Se um inspetor o vir chorando à toa, vai fazer da estadia dele aqui um inferno.
Eu prometo à você, Júlia, que eu nunca vou chorar nesse lugar! Nunca vou ser fraco e eles nunca vão me machucar! Quando cheguei aqui, eu quase chorei, mas não fui fraco!
Quando Cristóvão tentou pegar minha comida, eu peguei de volta e bati nele o mais forte que consegui. Nós dois ficamos de castigo o dia inteiro debaixo do sol. Ele saiu mais machucado do que eu, com nariz sangrando e um olho roxo! Se o inspetor não tivesse interrompido, seria pior ainda para ele, mesmo sendo maior que eu! Ele é o valentão daqui, mas agora me respeita, porque sabe que não sou fraco! Os amigos dele também me respeitam.
Eu não tenho amigos aqui, depois que bati no Cristóvão os meninos não chegam perto de mim com medo, é assim que eu prefiro!
Pode ficar com meu baralho para você! Um dia vou ter dinheiro e vou te dar um presente de verdade!
PS: Agora que você mandou a foto, como vai se lembrar de mim?
Te amo irmã
Saudades
Bruno
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Bruno dobrou a carta, que acabara de escrever, com muito cuidado e carinho. O inspetor responsável pelas correspondências estava parado na porta do alojamento e outros meninos escreviam várias cartas apressados, menos dois: Cristóvão e o menino novo. Cristóvão estava carrancudo jogando uma bolinha de borracha na parede em frente a ele, sentado na cama. Já o menino novo, estava deitado lendo um livro que, para o gosto de Bruno, era grosso demais para ser lido com tanto interesse.
Bruno era um jovem inteligente, tirava sempre boas notas, mas lia por obrigação, não encontrando na leitura nenhum prazer.
Bruno saltou da cama e seguiu na direção do inspetor para entregar sua carta, já devidamente envelopada, colada e selada.
— Mais uma carta para sua irmã? — Perguntou o único inspetor que parecia humano naquele internato
Bruno entregou o envelope sem responder, mas antes de dar as costas ao inspetor, se lembrou da pergunta que desejava fazer.
— Senhor Batista, tem alguma maneira de ganhar dinheiro enquanto estou aqui?
— O que foi, está querendo comprar algo?
— Hm... Na verdade não. Mas preciso juntar dinheiro para quando sair daqui e também queria mandar algo para minha irmã.
— Olha, se está mesmo interessado em fazer algum ganho por aqui, posso ver para você com o diretor. Se souber de algo, te aviso.
— Fico muito agradecido, senhor.
Bruno se afastou esperançoso e saiu para o corredor, sem notar que o menino novo havia parado de ler, tão logo Bruno havia saltado da cama e tinha gostado muito do que tinha acabado de escutar.