Narrador narrando
Matheus teve uma infância muito difícil, sua mãe o deixou quando ele tinha apenas três anos e ele ficou com o seu pai, que o tratava com frieza, pois era um homem que não tinha muitos sentimentos. Ele via demonstrações de afeto como se fossem uma fraqueza e Matheus foi crescendo desamparado.
Ele fazia de tudo para chamar a atenção de seu pai com surpresas, o abraçando, segurando a sua cauda, mordendo o rosto dele e até uivava ao ver a lua cheia. Não importava o que ele fizesse, Leonardo raramente demonstra afeto por ele. Matheus não seria um filho ideal para Leonardo, o filho ideal tinha partido quatro meses antes de sua esposa os deixar. Era um lobinho que nasceu prematuro, ele estava destinado a não viver muito.
A indiferença de Leonardo por Matheus era tanta que alguns de seus amigos nem sabiam que ele era seu filho. Por que desta rejeição? Seria por ele parecer uma hiena ou mágoa pela esposa que os deixou? Eram perguntas que talvez Matheus nunca saberia a resposta.
Uma das vezes que Leonardo demonstrou algum afeto por ele foi em uma noite de lua cheia em que os dois estavam próximos a um bosque. Leonardo começou a uivar para a lua e Matheus uivou tão bem quanto ele.
Leonardo deu uma risada e passou a mão na sua cabeça, aquela foi uma das melhores lembranças que Matheus guardou para si, outra vez o pai discutiu com sua família por rejeitar o seu filho, aquela foi umas das únicas vezes que ele viu o seu pai triste até chorando.
Nesse dia, Matheus tentou abraçá-lo, mas dessa vez foi diferente. Leonardo o pegou como seu filho e Matheus o abraçou, chorando e desejando que aquele momento durasse para sempre. Escondidinho em seu quarto, Matheus chorava enquanto se lembrava do dia em que seu pai se orgulhou dele e gostaria que aquilo se repetisse novamente.
Matheus foi crescendo sozinho, inseguro e na sombra de seu pai, que era a pessoa pela qual buscava imitar e mendigava por sua atenção, amor e carinho.
Ele não conhecia os parentes, por parte de mãe, e não tinha muito contato com seus parentes por parte de pai. Existiam raras ocasiões em que se viam, mas eles somente demonstravam indiferença por sua aparência de hiena. Ele não era aceito, ficava lá sem falar com eles diversas vezes por ele ser rejeitado. Era comum quando seus primos faziam aniversário ou quando saíam para se divertir, não o convidarem.
Uma das lembranças que mais doía em Matheus foi em um natal em 2007. Naquele dia, Leonardo estava viajando e Matheus ficou na casa de sua avó, lá todos os seus primos ganharam presentes, exceto ele, ainda foram para uma festinha, porém ele não tinha sido convidado. No Réveillon, a mesma coisa, ele escutava todos comemorando enquanto ele ficava trancado no quarto, chorando no escuro, sem ninguém se lembrar que ele não estava junto. Quando completou sete anos, fez uma festa de aniversário e convidou seus amigos e primos, mas ninguém apareceu e ele ficou chorando na porta de casa.
[Foto do Matheus quando criança]
Matheus queria ter nascido lobo igual a seu pai e odiava parecer uma hiena. Ele fazia de tudo para ser aceito, mas falhava miseravelmente.
Quando Matheus começou a frequentar a escola, ele tinha dificuldades de aprendizado na área de Humanas, mas Leonardo não queria entender. Ele sofreu muito para aprender a ler e escrever, mas conseguiu aprender a tabuada e fazer as quatro operações com muita facilidade. Ele sofreu muito bullying por estar em um ambiente rodeado de lobos e por ser retraído, era atacado. A professora pedia que ele fosse na frente da turma para ler e ele se atrapalhava nas palavras, gaguejava e todos ficavam rindo dele.
Ele acabou ficando um pouco traumatizado com essas situações e não se sentia confortável ao perceber que estava sendo observado ou no meio de muitas pessoas.
Leonardo, vendo que seu filho tinha dificuldades, gritava com ele e ficava irado, o encarando nos olhos. Matheus baixava a cabeça e ficava retraído. O pai o chamava de burro com frequência e quando Matheus adoecia, Leonardo dizia para ele ser forte enquanto dava os remédios, já que ele não tinha muita paciência para cuidar de crianças.
As coisas foram só piorando enquanto ele crescia. Começou o ensino fundamental e teve os mesmos problemas que tinha na escola antiga, não conseguia explicar porque ficava admirando alguns garotos e começou a ser chamado de gay na frente de todos. Ele chegou até a se envolver em uma briga que, consequentemente, o fez ser transferido para outra escola.
Com o tempo, Matheus foi ficando frio, antissocial, mesquinho e egoísta. Às vezes, ele tinha a sensação de que ninguém se importava com ele, mas tudo isso mudou quando ele conheceu Lucas, que era uma pessoa que gostava dele e se importava com ele. Os dois passaram muitas tardes agradáveis juntos, a amizade deles foi crescendo, as tardes passaram a ser o melhor momento do dia e pela primeira vez ele sentiu o amor de verdade de outra pessoa. Ele mudou completamente, se interessou mais pelos estudos, conversava mais e estava até mais alegre quando Lucas estava por perto.
Leonardo ficava desconfiado, mas não dizia nada. Ele não conseguia entender o que estava acontecendo com o seu filho, ele via que Matheus parecia meio aéreo e pensativo às vezes.
Matheus fazia tudo com Lucas, os trabalhos, as atividades e até estudavam juntos para as provas. Matheus não conseguia tirar Lucas da cabeça. Até que um dia, por impulso, aconteceu o primeiro beijo dos dois. Lucas pareceu gostar do beijo, o que deixou Matheus animado. Matheus ficou meio confuso, pois nunca tinha visto ninguém beijar um homem e essa era uma atitude que o pai desaprovava, mas Lucas era tudo que ele tinha e a única pessoa que gostava dele de verdade. As garotas viravam a cara para ele.
[Quebra de tempo]
Matheus narrando
Eu estava sozinho, com os braços cruzados nos joelhos e chorando com a cabeça baixa até que eu ouço alguém se aproximando, quando olho para cima, vejo que era um gatinho cinza.
— Oi. — ele diz.
— Oi. — eu digo.
— Por que você estava chorando? — ele perguntou.
— Eu fiz aniversário hoje, mas ninguém veio. — eu digo e lágrimas escorrem de meus olhos.
— Não fica assim — ele diz — Quer vir ver minha casa nova? — ele pergunta para mim.
— Sim — digo a ele.
Ele me segura pela pata e vai me levando até dentro de sua casa nova. Os pais dele estavam desempacotando as coisas e ele passou por eles.
— Quem é este? — pergunta a mãe dele, que era uma gata, sorrindo.
— Meu novo amigo, mãe — diz o gatinho.
Ele me levou até o quintal da casa dele e lá, vi que tinha uma piscina rasa. Nós entramos na piscina e ficamos brincando por horas, depois, brincamos com uma bola. Já estava escurecendo e meu pai apareceu pra me buscar, com isso, eu me despeço dele.
— Qual o seu nome? — pergunto a ele.
— Júlio — disse ele.
— E o seu? — pergunta o gato.
— Matheus — eu respondo.
— Até, Matheus — disse ele, me dando tchau enquanto meu pai me levava.
Depois disso, nos tornamos grandes amigos e éramos inseparáveis, até o dia em que ele teve que se mudar com a família para Curitiba. Ele não queria ir e chorava muito por isso.
No último dia em que ele ficaria na cidade, nós decidimos aproveitar o máximo possível o nosso último dia juntos. Corremos para dentro da casa dele e jogamos videogame até o final do dia. No dia que ele partiu, ele ficou me vendo na parte de trás do carro e dando tchau.
Eu fiquei parado e chorando, dando tchau a ele enquanto Júlio se afastava cada vez mais e desaparecia no horizonte.
— Lá se vai meu único amigo — disse em lágrimas.
Na mesma hora, começou uma chuva bem forte e eu decidi ficar na chuva, olhando em direção a antiga casa do Júlio e imaginando os bons momentos que tivemos juntos.
Quando eu entro em casa, eu me enxugo, coloco uma roupa seca e vou para o quarto ainda triste. Assim que entro, eu vejo uma carta que Júlio havia escrito para mim e enquanto lia, comecei a chorar de novo.