NATHALIE
DEZ ANOS DEPOIS
Acordei sentindo a luz do sol batendo no meu rosto. Levantei-me preguiçosamente e olhei diretamente para a janela, percebendo que acabei a deixando aberta. Pego meu celular que está sobre o criado-mudo ao lado da minha cama king size e vejo que já são 08h45 da manhã. Acordei um pouco mais tarde que o normal; começo no trabalho às 9 horas e já sei que irei me atrasar uns minutos. Esta é uma das vantagens de ser dona do próprio negócio, mas que também tem suas desvantagens. Lembrando-me disso, visualizo o calendário do meu celular e noto que é a última semana de outubro; eu praticamente começo a pular como uma louca pelo quarto.
Finalmente!
Esta é a minha última semana de trabalho, depois é só férias. Realmente eu estava precisando disso; ser presidente de uma das revistas de notícias mais famosas do mundo, a The World, não é fácil, ainda mais quando você também é dona da melhor editora de Los Angeles, a Editora Hoffman. Esses últimos anos só tenho me dedicado a conquistar o mundo e ser reconhecida pelo meu trabalho e esforço e, graças a Deus, tudo na minha vida deu certo. Formei-me em jornalismo com vinte anos; depois disso, iniciei a faculdade de Letras e terminei com 24 anos. Durante esse tempo de estudo eu também trabalhei muito. Como eu morava no campus, não tive tantas despesas assim, então boa parte do meu dinheiro foi usado para abrir a minha empresa. No começo era bem pequena, mas tive algumas ajudas, é claro, e a primeira foi de Abbey.
Além de uma grande amiga, ela também é vice-presidente da The World. Eu a conheci assim que cheguei em Los Angeles; ela fez faculdade de Administração, por isso é quem cuida de todas as finanças da empresa. Também não posso esquecer-me do Teddy, que conheci um pouco depois de Abbey. Ele é superengraçado e muito lindo, chama a atenção de várias mulheres. Contudo, nunca consegui enxergá-lo de outra forma, assim como Abbey, que pensa como eu. Teddy fez faculdade de Letras comigo, então ele me ajuda com a editora. Quando estou ausente é ele quem comanda tudo. Teddy é meu sócio, tem 30%, mas isso não faz diferença, ele e eu amamos aquela editora e para nós, ambos somos igualmente donos.
Levanto e vou até o banheiro fazer minha higiene matinal e tomar um banho; meu banheiro é grande, mas não exagerado. Depois de terminar, saio do banheiro e vou até meu closet. Escolho um vestido branco que vai até a metade das minhas coxas, com um decote quadrado e alças grossas; é um pouco justo, contudo não em demasia. Opto por deixar meus cabelos soltos e usar um salto preto.
Saio do meu quarto em direção à cozinha e logo dou de cara com Nona. Ela é minha governanta, melhor dizendo, ela é minha segunda mãe. Quando terminei a faculdade de Letras e comecei a trabalhar em meu próprio negócio, vi que precisava de alguém para tomar conta da casa. Como um anjo que caiu do céu, Nona apareceu. Eu ia colocar um anúncio em um jornal, mas num determinado dia, esbarrei com ela que veio me pedir uma informação. Queria saber se eu sabia de alguma oportunidade de emprego, pois estava desesperada atrás de uma. Eu disse que estava à procura de uma empregada e na mesma hora ela se ofereceu, anotei meu endereço em um papel para que ela no outro dia fosse até minha residência para conversarmos melhor. Desde então, Nona está aqui. Sei que é até estranho o modo como ela me abordou, mas me parecia uma boa pessoa e dava para ver em seus olhos o desespero em que se encontrava; ela realmente precisava desse emprego.
Nona tem uma filha de dezenove anos, que no momento está estudando na Rússia. Consegui essa bolsa para ela em uma das melhores universidades de lá, na qual o meu pai tem muita influência. Nona é uma mulher de 40 anos, muito bonita e sem nenhum fio de cabelo branco; ela sempre se veste de modo simples, e é essa simplicidade que a torna mais bonita ainda. Ela trabalha comigo há exatamente três anos, e para mim sempre será como parte da minha família. Durante esse tempo ela foi como uma mãe para mim, eu a amo demais. Muitas vezes via a minha mãe nela, claro que a minha mãe é um pouco mais maluquinha e sem papas na língua, fora isso, ela tem o instinto protetor, os melhores conselhos, o amor e o carinho que a minha mãe tem comigo. Nona se tornou parte da minha vida.
– Nath querida, bom dia. O café já está pronto. – Diz ela ao ver-me parada na entrada da cozinha.
– Não vai dar tempo, estou atra…
– Não adianta, mocinha. A senhorita vai tomar café da manhã sim e fim de papo. Onde já se viu deixar minha menina sair sem um café no estômago?
– Nona, mas eu estou superatrasada. – Insisto.
– Nem pensar. Imagina se você passa m*l na rua? Ou acaba desmaiando quando estiver ao volante e bate o carro ou se...
– Eu já entendi, vou tomar café para te deixar mais tranquila. Não precisa exagerar, mamãe. – Ela sorri.
– É só preocupação, sabe que a tenho como uma filha, então as preocupações que tenho com Milena são as mesmas para com você. – Falou me chamando à atenção.
– Eu sei e me desculpe, amo você, minha Nona. – Dou um beijo em sua testa, demonstrando meu afeto.
– Também amo você, minha menina. – Retribuí com um sorriso. Vou em direção à mesa que está posta com tudo o que se tem direito em um café da manhã. Tudo bem que eu amo comer, mas esta mesa está um exagero. Há comida suficiente aqui para um batalhão que não se alimenta há três dias. Não é exagero! É verdade, é muita comida.
– Nona, para que tanta comida?
– Para você, Nath. Sei que ama comer e fiz tudo que você gosta em um café da manhã.
– Você vai me acompanhar no café, não é? – A intimei a partilhar tudo aquilo comigo.
– Sim, eu vou. – Concordou, sentando-se ao meu lado.
– Isto está uma delícia. – Digo provando um pedaço de bolo de baunilha, meu segundo preferido, pois o primeiro é de chocolate com bastante calda.
– Que bom que gostou. A propósito, sua mãe ligou um pouco antes de você aparecer aqui na cozinha. – Paro de comer na mesma hora.
– Por que não me avisou? – Desde que saí do Kansas não voltei mais lá. Meus pais chegaram a vir algumas vezes aqui, mas por conta da fazenda e dos negócios foram pouquíssimas visitas.
– Não queria te acordar. Você chegou tarde ontem, suponho que seja por causa da empresa, não é? – Ela me questiona com um olhar reprovador.
– Não tenho culpa, reconheço que tenho trabalhado mais do que de costume. É que ser presidente de uma empresa de porte como a minha, não é fácil. São muitas reuniões, entrevistas e notícias para procurar, aprovar, relatar e revisar da melhor forma possível. – Falo cansada.
– O certo é você trabalhar de segunda à sexta-feira e não aos finais de semana e feriados como tem feito. Deve cumprir seu horário e não passar dele, quase virando a noite. – Repreendeu-me.
– Desculpe, prometo que isso não vai mais se repetir. Esta é minha última semana de trabalho, depois tirarei férias.
– Isso é bom. Por que não aproveita essas férias e vai visitar seus pais? – Às vezes sinto vontade de ir lá, mas o trabalho, e principalmente a humilhação que passei naquele lugar, não me deixam.
– Eu já te expliquei tudo, Nona. – Fiz menção a todo o ocorrido do passado.
– São seus pais, Nathalie, isso não deveria interferir com a sua família. Dê valor a eles enquanto estão vivos, porque depois não adianta falar que ama. Sei que você sente muita falta deles e que os ama muito. Seus olhos brilham de uma forma tão linda ao falar deles... Então por que esperar mais?
Nona tem razão, meus pais não têm culpa do que aconteceu comigo. Eu os amo e sinto tanta falta... Não só deles, mas do pessoal do Kansas, da tranquilidade de Lawrence, dos passeios a cavalo, dos rodeios, de tudo, incluindo ele, mas isso é o que menos importa agora. Importa é que já tomei a minha decisão.
– Você tem razão, Nona. – Concluo.
– Ainda bem, porque sua mãe pediu para ligar para ela assim que você acordasse. Urgentemente. – Falou Nona, bebericando o seu café. A olho desconfiada e digo:
– Por que eu tenho a impressão de que este urgentemente tem a ver com o que você falou para mamãe quando ela ligou? – Ela olha para os lados e depois me retorna o olhar, como se não soubesse de nada.
– Claro que não, minha menina. – Finge inocência.
– Eu vou trabalhar e no caminho ligo para ela. – Saio da mesa e procuro o meu telefone celular dentro da bolsa.
– Tchau, Nathalie. – Ela grita se despedindo. Chego no elevador, aperto o botão para o térreo e assim que entro, digito o número da minha mãe, que atende no segundo toque.
– Oi, mãe.
– Nathalie Domiscky Hoffman! Eu exijo saber o motivo de se sobrecarregar no trabalho! – Eu sabia.
– Estou bem, mãe, e a senhora, como está? – Ironizo.
– Sem brincadeiras, mocinha! Anda, pode ir falando.
– Mãe, você sabe como a The World é bem conhecida. Manter aquela empresa no patamar que está dá um pouco de trabalho.
– Não me interessa! Você vai arrumar suas malas o quanto antes e virá passar uns tempos aqui no Kansas e não aceito um não como resposta.
– Tudo bem.
– Não me interessa, você vai... Espera, você disse tudo bem? Sem hesitar, nem nada? – pergunta surpresa.
– Eu já tinha tomado essa decisão antes, mãe, mesmo se Nona não tivesse me dado o recado, eu iria te ligar para avisar que vou passar minhas férias com você e com o papai. – O silêncio toma conta da linha e logo depois ouço os gritos histéricos da minha mãe.
– ADÔNIS! NOSSA MENINA VEM NOS VISITAR, MEU AMOR, NOSSA PRINCESA VIRÁ NOS VER! – Ela grita no outro lado da linha e eu sorrio ao imaginar a cena. Saio do elevador e vou em direção ao meu SUV preto.
– Mãe, vou ter que desligar, vou dirigir agora e não posso falar ao celular. Prometo pegar um voo na sexta-feira de manhã para o Kansas e seguir de carro até Lawrence.
– Mas, por que só sexta-feira?
– Esta é minha última semana de trabalho e tenho certeza que estou com muito afazeres não só na revista, mas também na editora. Vou fazer o possível para despachar tudo até quinta-feira à noite.
– Tudo bem, meu amor. Beijos, amo você.
– Também amo você, mamãe. Mande um beijo para meu pai e diga que o amo.
– Está bem, tchau, filha.
– Tchau.
Quando chego à empresa, cumprimento a todos indo em direção ao elevador. Ao chegar no último andar, vou até a mesa de minha secretária.
– Bom dia, Domitila. Por favor, quero que você convoque uma reunião com a vice-presidente e o senhor Theodore para daqui a pouco e quero que esteja nesta reunião também. – Às vezes, eu acho engraçado agir como uma empresária, se as pessoas soubessem como sou...
– Sim, senhorita. Mais alguma coisa? – Domitila é uma das melhores funcionárias que tenho aqui, sempre prestativa e competente, sem falar que é muito linda. Não é à toa que Teddy vive dando em cima dela quando vem aqui... É até engraçado, pois Domitila só dá fora nele. Ela é um exemplo de mulher, já que é mãe solteira de um menino de treze anos. O pai dele morreu quando o filho tinha cinco anos e tanto ela quanto o marido não têm nenhum parente vivo.
– Sim, Domitila. Pare de me chamar de senhorita, já disse inúmeras vezes que pode me chamar de Nathalie ou Nath.
– Desculpe, força do hábito. – Diz envergonhada.
– Tudo bem. – Dirijo-me até a minha sala.
Minha sala é bem grande por dois motivos: o primeiro porque a Abbey insistiu demais; como ela diz, a “Chefona” deve ter uma sala maior que a de todos. O segundo motivo é porque a minha sala tem uma minibiblioteca. São três estantes enormes, cheias de livros, assim como na minha casa também tem uma. Sou amante da leitura e a maioria dos livros aqui eu já li. Além de tudo, minha sala tem uma porta que dá para um banheiro somente meu. Meu escritório tem duas paredes pretas e duas brancas. As de cor preta têm vários quadros de grandes artistas e as paredes da cor branca tem um toque “Nathalie Hoffman”, com desenhos coloridos de diversas flores. Que foi? Amo flores, elas são tão delicadas e belas, cada uma com uma beleza diferente. Sento-me em minha cadeira e começo a ler os textos que estão em minha mesa. Checo para ver se estão bem escritos e se retratam bem as notícias de cada tema em especial.
Paro por alguns segundos e do nada as lembranças do meu aniversário de dezesseis anos vêm como um turbilhão.
– Chris, o que houve?
– Isso não era para ter acontecido.
– Por quê?
– Sou um homem, você é uma criança. Isso é errado, nunca deveria ter acontecido.
– Não sou criança, Chris, há muito tempo...
– Terminar o colegial não te fez mais mulher, você é bem mais nova que eu e, cara, eu gosto de mulher. Mulher mesmo! Você é só uma criança.
– Você não sabe o que diz, eu amo você.
– Você não sabe o que é amor e eu não posso ficar com você. Sabe por quê? Não amo você. Eu gosto de pegar várias mulheres por aí. Quero ser livre para provar uma b****a diferente a cada noite. Não pretendo me prender a uma menina boba que diz que me ama, quando na verdade só sente vontade de t*****r comigo. Quando você for mais velha, vai ser igual a todas as outras que ficam comigo somente por uma noite.
Nunca me esquecerei desse dia. Nunca me senti tão magoada; eu o amava tanto e tudo que eu queria era uma chance de provar o meu amor. Mas, além de me rejeitar, ele me humilhou e hoje em dia a única coisa que sinto por Christian é mágoa, muita mágoa. Não sou mais aquela menina boba e apaixonada de dez anos atrás; eu mudei e mudei muito. Hoje sou uma mulher dona do seu próprio império, sou independente, decidida e sem medo de nada nem de ninguém; e, se um dia eu voltar a dar de cara com ele, vou fazer jus a minha promessa de anos atrás.
Vou fazê-lo se arrepender de ter me rejeitado e me humilhado. Vou fazê-lo comer na palma da minha mão ou eu não me chamo Nathalie Hoffman.