Bienvenue à Paris

2272 Words
  Martin       Abro a porta e dou de cara com um cabeludo que me encara com um sorriso bem familiar no rosto. Juan. Ele também é argentino, jogamos juntos na seleção, e já passamos por alguns momentos intensos com a Albiceleste. Juan está em Paris há algumas temporadas, e além dele o time tem outro argentino/coreano, o Lee. Na verdade, o Paris Club Sportif possui alguns jogadores sul-americanos, tem brasileiros, paraguaios, mas também se concentra uma quantidade equivalente de europeus, italianos, franceses, alemães e suíços. Além de africanos e asiáticos. É bem diversificado, o meu novo time!  Juan não espera que eu o convide, entra assim mesmo. Eu coloco a mão no meu cavanhaque, o encaro. Ele sorri debochadamente. — Audacioso da sua parte, meu caro Juan! — Não posso entrar no quarto de um amigo? — Respeita o Rei da França, argentino! — Ele solta uma gargalhada debochada, faz uma breve reverência e me responde. — Desculpe Vossa Majestade, por invadir o seu quarto! Agora, vamos deixar de frescura... E aí, já te apresentaram Paris? — Ainda não!  — Então, vamos nessa! — Você é louco? Eu vou fazer os exames pela manhã, e à tarde serei apresentado à torcida no Parc des Princes! — Você pode ir, é só não beber nada que contenha álcool! Os caras do time vão estar lá, vai ser legal Martin... E ainda tem muitas gatas loucas para conhecer o Rei da França! — É impressão minha, ou você quer que eu vá para atrair essas gatas que estão querendo conhecer o Rei da França? O discurso de Juan só fez aumentar o meu ego. Ele precisa da minha presença para aumentar o fluxo de mulheres ao redor dele? Isso me faz rir.  — É claro que não! Você acha que eu preciso de sua presença para conquistar mulheres? Eu estou te convidando porque acho que você precisa comemorar sua vinda à Paris, cara! — Tudo bem, meu caro! Eu irei a esta boate, mas só espero que as mulheres que estejam por lá, não sejam garotas de programa, ou pior “Marias chuteiras”, porque ninguém merece! [...]   A boate estava uma loucura. Muita gente chata, uma música insuportável, e eu não podia beber álcool. Que saco! E Juan ainda chama isso de área VIP, por favor... Isso aqui é tudo, menos a área VIP, pensei que encontraria um lugar mais divertido, pessoas legais, mas o que encontrei foram grupos, eu sei que em alguns times os jogadores costumam se dividir em grupos de convivência por afinidades, ou nacionalidades. E aqui não é muito diferente, e o grupo de brasileiros parece que predomina entre os demais, eu não tenho nada contra brasileiros, mas a rivalidade entre nós é tão intrínseca, e eu espero que eu consiga me enturmar com eles, pois tive alguns problemas no Clube Atlético da Catalunha quando voltei da Copa de 2014, pois mesmo depois do famoso 7 x 1, eles faziam questão de me irritar com memes porque eu perdi a partida final contra a Alemanha. Eu não consigo entender como conseguem brincar com a própria derrota, é algo que eu admiro neles, mas é sempre bom evitar problemas ou brincadeiras com eles, pois a zoeira deles é infinita.  Eu já não aguentava esta área VIP, desci as escadas acompanhado por dois caras muito maiores que eu, e me misturei a multidão que era embalada por “Muse”, e a melancólica “Plug in baby”. Eu gosto dessa banda, e essa música é uma das minhas preferidas, ela me leva a refletir sobre o meu passado mais recente, ela se refere a um falso amor, na verdade alguém que te faz acreditar no amor, mas só queria te apunhalar pelas costas. É preciso exorcizar o passado, no meu caso eu já o exorcizei, e quero viver o presente sem me iludir, não me apaixonar novamente. Eu olho ao meu redor e percebo que pessoas me reconheceram, mas os seguranças estavam ali para me ajudar se algo desse errado. Caminho com pressa em direção ao bar. Tento driblar as pessoas, mas esbarro em alguém que parece não olhar para frente, eu a encaro com muita raiva, e noto o estrago que ela fez na minha roupa. — ¿Estás ciega? — Eu me esqueço de falar em francês, e acabo perguntado em minha língua materna. — Não estou cega, mas não tenho culpa se você aparece na minha frente para atrapalhar a minha passagem! — Ela fala em bom francês, mas entendeu o que falei em espanhol, seu sotaque é diferente, ela não é francesa. É também, muito irritante. — Eu atrapalhei a sua passagem? Olha para minha roupa, está encharcada! Você vai pagar por ela? — Eu prefiro muito irritado, estou molhado e esta garota abusada ainda quer me irritar. — Eu não vou pagar, não fiz absolutamente nada! Você é que me fez perder o meu mojito... Eu não acredito que ela tem coragem de me peitar desse jeito, eu acho que ela não sabe quem eu sou, não deve entender nada de futebol. E antes que eu responda, ela simplesmente passa por mim como se nada tivesse acontecido. Faz tempo que eu não conheço alguém que consiga me irritar desse jeito, a única garota que me irritava desse jeito, hoje não fala mais comigo.  [...]   Minha noite não foi muito agradável, muita gente querendo estar junto de mim, a boate lotada, não pude beber, e para piorar aquela garota com sotaque diferente, um rosto familiar, e um jeito abusado para cima de mim. Eu não poderia ficar molhado, então sai de lá sem falar com ninguém. Resumindo: Martin 0 x 1 Vida. Minha apresentação no Parc des Princes será agora pela manhã, e eu não vou perder meu tempo pensando na noite desastrosa que tive, preciso estar apresentável, procuro na mala algo que me deixe bonito, nada mais prático que uma camisa branca, calça jeans, e um paletó preto, o cabelo solto... Pronto. Meu coração está acelerado, hoje eu não chego à Paris como uma promessa, mas uma realidade, não sou um atleta em ascensão, já conquistei muitos títulos, só tem algo que eu não conquistei, preciso de um título pela Seleção Argentina, mas o foco, agora é o Paris Club Sportif e a sua obsessão pela orelhuda, e no que depender de mim esse time será campeão da Champions League.   Depois de ter passado por uma bateria de exames, avaliações médicas de todos os tipos, eu finalmente sou levado ao estádio. Sair do CT e chegar até lá foi outra loucura, as ruas estavam tomadas por torcedores, e aqueles que não conseguiram ingresso pareciam querer de alguma forma me saudar. Antes da recepção aos torcedores, fui levado à Torre Eiffel para uma cerimônia oficial, o recebimento da camisa pelas mãos do presidente do clube, nada mais simbólico do que recebê-la aos pés de um monumento incrível, e que é a marca registrada da capital francesa, do próprio time. Eu estava muito emocionado com toda esta recepção, e quando finalmente coloco meus pés na grama do estádio, uma emoção maior percorre todo o meu corpo, muita coisa passa minha cabeça, todo o caminho que eu tive que trilhar para estar neste patamar não foi fácil, aquelas pessoas me aplaudindo, isso é maravilhoso, e não é apenas futebol, é mais do que isso.  Hannah   Café é algo que eu adoro, sentir seu cheiro logo pela manhã, depois de uma noite tão divertida, é algo sublime. Eu me diverti muito, dancei, e consegui tomar o mojito... E por falar em mojito, nada foi mais divertido do que ver Martin todo molhado, e com uma vontade de me m***r, sua arrogância sendo levada junto com a minha bebida. Martin González é um cara extremamente i****a. Encontrá-lo naquela boate foi péssimo. Mas, vê-lo por aquele ângulo é algo que não tem preço, e eu realmente me sinto realizada, como se diz em francês... C'était divin, merveilleux... Claro que não é o mesmo que vingar o “El Clásico”, mas me deixou feliz, então está ótimo! Resumindo: Hannah 1 x 0 Martin. Pego minha caneca de café, ligo a TV... E por falar no d***o, lá está ele diante da torcida do Paris Club Sportif, sendo ovacionado, beijando o escudo... Ai, que tédio! — Já sei, está admirando seu futuro namorado? — Olho na direção da voz que vem do corredor. Amélie e suas brincadeiras. — Deus me livre de tal castigo! — Respondo, e ela senta ao meu lado. — E por que está aí de frente para a TV, acompanhando a recepção do argentino no time parisiense?   — E por acaso, está passando outra coisa na TV, além disso? — Eu sei que você não gosta dele, mas o cara é um gato! — Eu não vejo nada demais nele! — Nada disso, ele é gato! Os olhos dele são lindos, a boca, ele tem corpo incrível, bem definido... E as coxas? Tudo bem que os jogadores de futebol costumam ter um corpo maravilhoso, o seu irmão que o diga, não é mesmo? — Amélie do céu, está de olho no meu irmão? Ele é uma criança! — Não sua louca... Só estou dizendo que depois de se profissionalizar no futebol, está com um corpo lindo, só isso! E ele não é tão criança assim, Hannah! — Para mim, ele continua sendo uma criança, ele não completou 18 anos ainda! — Uma criança... Sei! É uma criança bem interessante de se ver, assim como o Martin... Olha ele está discursando para a torcida! Que homem! E até que fala francês muito bem.... — Amélie, me poupe! — Exclamo, e desligo a TV. Definitivamente, não dá para ficar prestigiando esse homem.  [...]   Algumas semanas se passaram desde minha chegada a Paris. Meus dias ficaram um pouco cheios de atividades, resolvi algumas questões burocráticas, entrega de documentos em embaixada, matrícula na faculdade, procurar emprego... E claro, eu tirei alguns dias para conhecer a Cidade Luz, afinal de contas, não dá para passar os dias por esse lugar e não ter a mínima vontade de conhecer a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, e outros pontos turísticos. Mas, nem tudo nessa vida se constrói apenas passeando ou resolvendo problemas, eu olho da varanda do meu quarto, e penso nas palavras de Amélie, “Seus irmãos podem te ajudar, sua irmã é uma estrela do rock brasileiro, vem conquistando espaço internacional. Seu irmão é um jogador em ascensão, vem se destacando e provavelmente será convocado para as olimpíadas, então não tem lógica você procurar um emprego!” Ela está errada, meus irmãos, ou melhor, a Allanis já está me ajudando pagando meus estudos, e este apartamento. Então preciso arrumar um emprego para me manter, não posso ficar contando com os irmãos, isso é uma exploração, eu sei que eles não fariam questão, mas eu faço e não me sinto bem. Eu preciso, e tenho que arcar com as minhas despesas, antes que meu dinheiro acabe, preciso de um emprego. Hoje é segunda-feira, e sinto que arrumarei um emprego.   Saí da agência com uma carta de recomendação em mãos. Não é exatamente o que eu pretendia... Uma vaga de garçonete, mas não tenho experiência em nada, apenas me dediquei aos estudos, me formei em Letras, fiz uma especialização na área da Linguística, estagiei em editoras, e a minha paixão pela escrita só aumentou. Eu poderia pedir ajuda aos meus irmãos, mas fazendo isso vou me sentir como a fracassada da família Garcez, e todas as minhas conquistas devem ser pelo meu próprio esforço e dedicação, espero ficar realmente com essa vaga de garçonete. Diante do lugar eu respiro fundo, sua fachada me lembra aquelas confeitarias antigas, muitas janelas, um terraço coberto, mesas pela área, e um muro baixo que mais parece um canteiro de flores. É um pouco antiga. 1922 me soa bem velha, pelo menos é o que tem escrito na placa, abaixo do nome, “Le café Burnett”.  Puxo a porta, entro e observo ainda mais o local. É muito diferente da fachada, mais atual, eles conservaram apenas a fachada com aquele aspecto... Um pouco vintage. Passo pelas mesas. Há um balcão à frente, um expositor repleto de pães, bolos, e uma variedade de doces, uma moça sorridente atende os clientes, eu pergunto sobre o responsável do lugar e explico sobre a carta de recomendação. Ela me indica um corredor ao lado do expositor, subo uma escada, viro à direita e sigo o corredor, paro diante da segunda porta que está escrito “Gerência”.  [...]   Eu saí do café praticamente empregada. A gerente, uma senhora bem simpática e muito sorridente, me mandou voltar no dia seguinte, com meus documentos, e eu ficarei em experiência por dois meses, se eu obtiver bom desempenho o emprego será meu. Saí tão feliz, pois não precisarei incomodar meus irmãos, ou meu pai. Caminho até o ponto de ônibus mais próximo. Observo os prédios do centro de Paris... São bem parecidos, todos têm a mesma cor, um tom nude ou bege, não sei bem, mas acho todos idênticos, a própria arquitetura é igual, e percebi ao longo desses dias, que você pode se perder se não ficar atento.  Meu pensamento está tão focado nos prédios, distraída, eu não percebo ao atravessar que um carro se aproxima, e noto sua presença quando um som irritante e estridente invade meus ouvidos, o motorista freia praticamente em cima de mim. Um medo intenso percorre meu corpo. Logo se desfaz quando o motorista abre a porta do carro, sai, e eu o encaro.
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