MESES ANTES DO ACIDENTE COM O FOGO
Tobias
Mais um dia atarefado da minha vida começou. E para piorar, a minha secretária sumiu do mapa. Aquela i*****l. Já estou providenciando a justa causa. Quem ela pensa que é? Sumir assim sem dar satisfação? Agora preciso correr atrás de alguém competente e isso é tão difícil. Parece que ninguém quer trabalhar!
— Tenho uma pessoa para indicar.
— De confiança, Renata?
— Sim. É uma pessoa reservada, calada e obediente. Do jeito que o senhor gosta.
— Ótimo! Diga a ela para me encontrar hoje mesmo na empresa às 14 horas.
— Falarei com ela.
Tomei o meu café da manhã e segui para a empresa. Já ia começar o dia com uma reunião com um empresário insuportável, só para completar o meu estresse.
***
Olhei o relógio e faltavam cinco minutos para as 14 horas. Como estou sem secretária, pedi ao porteiro para me ligar quando a mulher chegasse. Espero que venha e tenha mesmo vontade de trabalhar. Já me apareceu duas cansadas aqui. Uma veio no primeiro dia e nunca mais. A outra só uma semana e já estava fora. Não sei o que acontece, parece que hoje em dia as pessoas querem receber, mas não querem fazer o que tem que ser feito para poder receber.
O telefone tocou e o porteiro avisou da chegada da moça. Autorizei a entrada e fui até a recepção. O elevador chegou e as portas se abriram. Observei a pessoa que chegou com cautela. Usava uma blusa branca de manga comprida, saia florida até os joelhos e rasteirinha nos pés. O cabelo estava preso em r**o de cavalo.
Parecia mais que ela ia à missa e não a uma entrevista de trabalho. Mas eu pouco me importo. Se ela for competente, pode vir de biquíni. Até porque não ia ser nada m*l…
— Me acompanhe, por favor.
Segui de volta à minha sala e ela me acompanhou.
— Sente-se. A Renata me contou que você está precisando de um emprego e que é de confiança.
— Sim, senhor.
— Qual o seu nome?
— Maíra.
— Tem experiência?
Ela demorou a responder e isso foi uma resposta. p***a!
— Não, mas posso aprender de tudo e aprendo rápido.
Boa resposta.
— Certo. Não é tão difícil. Basicamente você vai atender o telefone, agendar as minhas reuniões, despachar determinadas pessoas que ligarem falando que estou ocupado, organizar uns documentos e essas coisas.
Ela me encarava sem piscar. Parecia querer absorver tudo que dizia e isso é um ótimo sinal. Começo a acreditar que vai aprender rápido.
Geralmente eu não aceito pessoas sem experiência, mas gostei dela. Fora que ninguém quer trabalhar e a Renata disse ser de confiança.
Não custa tentar, não é? E se não der certo, procuro outra. Fora que vai ser um colírio para os olhos tê-la por aqui. Ela parece ser do tipo tímida, ou talvez esteja se sentindo intimidada, não tenho certeza. Tem os cabelos loiros e olhos claros, o rosto é delicado. Parece uma bonequinha de porcelana e não sei porque, mas acho que é frágil como uma.
— Pode começar agora mesmo?
Ela sorriu e tem um sorriso lindo. Sorrindo, parece um anjo.
— Com certeza.
— Certo. Vou te passar os horários e explicar tudo detalhadamente. Hoje não tenho mais reuniões e posso fazer isso, mas a partir de amanhã, não poderei ajudar tanto. Entendeu?
— Sim. Sem problemas.
— Ótimo.
Fiquei um bom tempo explicando tudo o que ela tinha que fazer e pareceu entender bem. E quando falei que iríamos nos ver todos os dias a partir daquele dia e que achava que íamos nos dar muito bem, ela pareceu ficar envergonhada com algo e me fez sorrir.
Tomara que ela consiga ficar.
***
Maíra pegou o jeito muito rápido e me agradou bastante. Mesmo sem experiência, fez tudo que ensinei direitinho.
Uns dias se passaram desde a contratação dela. Estava tudo indo muito bem. Maíra era organizada e deixava tudo em perfeito estado. Tinha acabado de terminar uma videoconferência quando ouvi um grito alterado na recepção. Era uma voz masculina.
— Achou mesmo que eu não ia te encontrar? — O homem estava berrando.
Que merda é essa?
Levantei e fui até a recepção. A minha sala ocupava um bom espaço da cobertura e a recepção tinha uma mesa grande com um computador para ela trabalhar e umas poltronas para as pessoas esperarem. Odeio atender pessoas, mas tem vezes que não tem jeito.
Tinha um homem barbudo parado em frente a mesa da Maíra. Estava com o rosto vermelho e os punhos fechados com tanta força, que os dedos estavam ficando brancos.
— Você tem merda na cabeça?
— O que está acontecendo aqui? — perguntei e só assim eles notaram a minha presença.
— Ah! Você é o chefe?
— Quem é você e o que caralhos está fazendo aqui?
O homem riu alto. Devo chamar a polícia? Ou o pessoal do manicômio? Porque normal ele não é!
Maíra se aproximou de mim com certa pressa. Olhei o seu rosto e estava chorando.
— Me perdoa, por favor!
— Quem é esse cara?
— Sou o marido dela!
Olhei o rosto da Maíra mais uma vez e ela chorava tanto que não conseguia nem falar.
— Porque está gritando aqui? Se não percebeu, não está na sua casa! — falei de forma arrogante.
Que babaca! Como ela se casou com um troglodita desses?
Observei o jeito de se vestir. Todo largado, com as roupas sujas. Parecia não se importar com esse tipo de coisa.
— Não estou, mas você está com algo que é meu!
— Nada seu me interessaria.
— É? Então por que ela está aqui? — Apontou para Maíra.
— Até onde eu sei, pessoas não são posses e não podem ser.
— Ela é minha mulher!
— Isso não faz de você o dono dela.
O homem me encarou com um olhar assassino. Acha que me assusta? Tadinho dele. Não sabe com quem está se metendo. Não gostei do tom de voz e do jeito que gritou com ela. Isso não se faz com ninguém. Só se merecer muito e a Maíra não merece.
— Você se acha porque tem dinheiro. Mas não pode mandar nas minhas coisas.
— Já disse que não me interesso por nada seu. Agora se não tem mais nada novo a dizer, peço que se retire, ou vou chamar os seguranças.
Ele me encarou de novo. Um típico olhar intimidador. Só que isso não funciona comigo. Não tenho medo dele ou do que possa vir a tentar fazer.
— A gente conversa em casa — falou com a Maíra e foi embora finalmente.
Assim que ele saiu, Maíra chorou pra valer. Parecia que antes estava segurando para não fazer barulho.
Segurei o seu braço e coloquei sentada no sofá.
— Beba isso. — Ofereci um copo de água com açúcar.
— Obrigada — murmurou.
— Por que ele estava tão irritado? Não sabe que você trabalha aqui?
Ela não respondeu. Olhava o chão e não parava de chorar. O jeito que ele estava, a forma que falou e o estado dela, estão me deixando em alerta.
— Não tinha contado ainda e ele sempre se irrita quando escondo coisas dele.
— E é violento com você?
Observei sua postura. Depois de anos lidando com gente falsa, aprendi a ler alguns sinais corporais. E isso me ajuda muito na vida e no trabalho.
Maíra estava trêmula, mas não acho que por estar nervosa, até porque começou a tremer mais depois da pergunta.
— Ele só fica nervoso às vezes…
— Não respondeu a pergunta.
Maíra levantou a cabeça e me olhou.
— Ele fica nervoso e é violento com você?
Ela demorou a responder, mas disse o que eu temia:
— Foi só uma vez.