— Acho melhor vocês tomarem um banho – sugere Maria Luísa diante do silêncio que reinou no hall — O Almoço será servido logo e não vamos deixar a comida esfriar. Adelaide! – chama a matriarca que é atendida prontamente — Leve minha neta até os seus aposentos.
— Sim, senhora – responde a empregada que parece ter quase a mesma idade da patroa, apesar de seu rosto ter mais marcas de expressão, indicando o trabalho duro eu realizo há anos. Ela segura no braço de Malú e a conduz — Vamos querida.
— Eu também irei tomar um banho e trocar essa roupa – informa Thiago indo em direção à escada de mármore da mansão.
— Não, você não vai – recusa Graziela parando na frente do noivo. Ela cruza os braços mostrando toda sua irritação — Não, até você me explicar tudo isso.
— Será que você não pode esperar até depois do almoço? – pergunta Thiago passando a mão na cabeça — Eu realmente preciso de um banho.
— Eu não posso esperar mais. – responde Grazi irritada — Será que você não percebe a gravidade da situação?
— Qual a gravidade da situação? – questiona Thiago confuso.
— Você desapareceu de um dia para o outro e nem sequer me disse para onde e nem se estava bem! Eu fiquei dias sem saber onde você estava e quando volta: uma filha adolescente!– exalta Grazi — Essa é a gravidade da situação!
— Achei que a minha mãe tivesse te contado – comenta Thiago olhando para a mãe — Pelo visto ela não aprendeu nada sobre contar a verdade para as pessoas.
— Não, ela não contou sobre nada disso e nem você – responde Grazi apontando o dedo — como pôde esconder isso de mim?
— Para esconder, eu precisava saber a respeito do assunto... – retruca Thiago — Porém, minha mãe escondeu isso de mim também. O que importa agora é que eu tenho uma filha que precisa de mim. O passado ficou para trás.
— Onde está a mãe dela? –pergunta Grazi desconfiada — Quem é a mãe da menina e por que essa garota não está com a mãe dela?
— A mãe da Malú é a Anna, ou melhor, era. Anna está morta e eu não quero mais falar sobre isso. –responde Thiago subindo as escadas.
— Mas... – começa a falar a noiva de Thiago.
— Deixe-o – pede a sogra segurando em seu braço — Meu filho precisa descansar. Depois você fala com ele.
— Mas eu preciso de respostas e as quero agora — retruca Grazi tentando soltar seu braço — Pode me soltar, por favor?
— Para o seu bem, Graziela, é melhor não ir atrás do meu filho nesse momento. A menos que deseja sair dessa casa como ex–noiva dele. E vai por mim, você não vai querer isso.
***
Malú tenta não olhar admirada para o quarto de paredes beges. Seu novo quarto é maior que a cozinha e a sala de estar da antiga casa, juntas. O quarto está decorado com quadros alegres e bem juvenis. Um deles chama a atenção da jovem: Uma pintura a óleo sua, mas com roupas de outra época. Como conseguiram fazer um quadro meu?
— Esse é o quadro de sua avó, quando mais jovem – explica a empregada com um sorriso nos lábios — Vocês são muito parecidas... Fisicamente. Esse era o quarto de sua avó antes... – Malú a encara perguntando com os olhos como ela sabia de tudo aquilo. A empregada sorri e continua — A minha família sempre trabalhou para os Assunção. Esse é o sobrenome de solteira da sua avó. Agora ela é uma Almeida , assim como você é, pelo menos até achar um marido...
Impressionante, pensa Malú segurando para não tocar na tela. Ela joga sua mochila na enorme cama e continua sua vistoria pelo quarto, ignorando o monólogo da empregada. A primeira porta que abre dá para o closet que é do tamanho de seu antigo quarto. Ela liga a luz e observa a delicadeza da pintura que havia sido realizada.
Na parede de frente para a porta tinha um majestoso espelho refletindo Malú. Ela ajeita sua camiseta preta de sua série favorita por dentro do casaco que está amarrado por cima de sua calça jeans surrada. Tenta arrumar seu cabelo, mas o corte está irregular.
— A sua avó fez de tudo para que a senhorita fique confortável – continua à senhora de cabelos loiros, demonstrando uma leve ansiedade pela aprovação de Malú.
A jovem esboça um leve sorriso e vai até a outra porta, onde é o banheiro. Todos os acessórios eram dourados, a banheira e os móveis eram brancos e tinha um enorme espelho emoldurado de dourado.
— Como pode ver é banhado a ouro – explica a empregada atrás da Malú.
A jovem fecha a porta do banheiro e fica parada encarando a empregada. Gostaria de dizer que deseja de ficar sozinha, mas o tablet estava descarregado.
— Tem mais uma coisa nesse quarto que talvez você goste – comenta a empregada empolgada.
Apesar de Malú não ter esboçado nenhuma curiosidade, a empregada se direciona a parede vazia do outro lado do quarto e puxa o castiçal fazendo com que a parede se mexesse.
— Essa é uma porta secreta – responde a empregada — Gostaria de ver aonde ela vai?
Malú olha curiosa, não acredita que aquilo possa ser real. Uma porta secreta em seu quarto. Ela entra na porta logo atrás de Adelaide, fazendo um trajeto curto pelas paredes de pedra da casa. Nelas, havia alguns desenhos de crianças. Logo surgiu outra porta branca. Assim que a empregada abre, surge uma luz forte.
A jovem entra no cômodo e sorri: dentro há imensas estantes repletas de livros rodeando o lugar. No centro, poltronas vermelhas e uma mesa de centro de cor cereja complementam o lugar. Próximo à janela há uma escrivaninha a convidando para sentar.
— Aqui é a sua biblioteca particular – explica Adelaide. Ela tira de seu bolso uma chave dourada e continua — Essa é a chave da porta que dá acesso ao resto da casa. Espero que goste de ler...
Malú passa os dedos pelas capas dos livros enquanto caminha em direção à escrivaninha. A jovem toca a madeira bem talhada da mesa de escrever, poderia ficar ali por horas a fio sem se cansar. Minha mãe iria adorar esse lugar, pensa com uma pontada de tristeza.
— Senhorita, devemos ir. Sua avó não gosta de atrasos nas refeições. E a senhorita precisa tomar banho ainda.
Maria Luísa apenas acena com a cabeça e segue a funcionária. Adelaide fecha a porta secreta e sai do quarto quase fazendo uma reverência para a jovem. Malú vai até a sua mochila e vai tirando algumas roupas que usará para o almoço. Quando tira a blusa, algo cai no chão. Era o livro que Ícaro havia lhe dado de presente. Ela o segura forte em seu peito e vai em direção ao castiçal, abrindo novamente a porta.
Abre a outra porta da biblioteca com um leve sorriso nos lábios, caminha até as enormes prateleiras em busca de um lugar para seu livro, quando nota que um deles está ressaltado. Ela se aproxima curiosa, então tira o livro de seu lugar olhando a capa do livro e sorri: Diva, de José de Alencar. Ele é um de seus livros favoritos e estava coincidentemente ali, destacado na frente de todos os outros. Ou não, pensa Malú ao notar que dentro da capa tinha um papel dobrado. Ela o abre e lê, pausadamente:
“Emília teria então dezessete anos. Sentia–se, olhando–a, a influência misteriosa que um espírito superior tinha exercido na revolução operada em sua pessoa. O traje, ainda nimiamente avaro dos encantos que ocultava, era de um molde severo; mas havia, no gracioso da forma e na combinação do enfeite, uns toques artísticos, que se revelavam também no basto trançado do luxuoso cabelo negro.”
Ela escreve algo no papel e coloca dentro da capa. Pega seu livro e coloca na estante e sai para o banho.
***
Malú é a última a sentar–se à mesa repleta de comida junto com Thiago, Graziela, Vera Lucia que se delicia com uma taça de vinho e a avó, contrariada com o atraso da neta.
— Finalmente estão todos a mesa – alfineta a matriarca acenando para Adelaide vir servi–los.
— Nem todos, Maria – intervém Vera encarando a mãe de Thiago — Falta o filho andarilho. Tenho certeza que ele ficará surpreso ao saber que tem uma sobrinha, tanto quanto nós.
— Vera – chama Thiago, colocando seus talheres no prato. Ele a encara enquanto a repreende dizendo — Por favor, não estrague o almoço falando dele.
— Vejo que há muita história por trás da Maria Luísa – comenta Vera sendo observada pela avó e neta. Ela quase engasga com o vinho quando percebe o olhar de ambas em sua direção — Desculpe–me, eu esqueci que as duas possuem o mesmo nome... Teremos de achar um apelido para você – a mulher aponta para Malú — Se bem que acho que você já deve ter um...
— Nós a chamamos de Malú – responde Thiago rispidamente.
— "Nós"? – questiona Vera, olhando para o cunhado com um sorriso sarcástico — Quem seria "nós"?
— Acho melhor você deixar essas perguntas para depois do almoço, Vera – intervém Maria Luísa — Aproveite o maravilhoso pato que a Adelaide preparou.
O silêncio surge na mesa enquanto todos provam o pato feito pela empregada, mas ele não dura muito.
— De fato o pato está divino – elogia Vera Lúcia, limpando os lábios. Ela encara Malú e continua — Sabe, não pude deixar de notar que ainda não tivemos a honra de escutar as doces palavras da herdeira, chega ser uma ofensa. Parece até que ela é muda...
— O termo correto é afônica. – corrige Thiago cortando o pedaço de pato, irritado — Vocês não escutaram a Malú falar, pois ela está afônica temporariamente. Algo mais, ou já posso comer sem passar por um interrogatório?
— Eu sinto muito, não sabia que ela estava... Assim – retruca Vera, apontando para a jovem.
— Bom você... Pode... Ter... Certeza... Que não é a única... A não saber... De nada dessa história – resmunga entre os dentes Graziela, tentando cortar a salada.
— Eu já disse que esclareço tudo isso após o almoço. Será que podemos ter uma refeição tranqüila? – pergunta Thiago batendo na mesa.
— Desculpe–me se eu não consigo fingir que está tudo bem!–reage Graziela se levantando — Com licença, mas não estou me sentindo muito bem agora.
Ela sai da sala de jantar praticamente correndo e chorando.
— Licença – pede Vera se levantando também e saindo atrás da irmã.
Maria Luísa encara o filho que continua comendo apressado, enquanto Malú m*l toca na comida, está de cabeça baixa tentando esquecer a cena anterior.
— Vá atrás de sua noiva – ordena Maria — Ela precisa de você nesse momento.
— Ela quem desejou sair – reage Thiago.
— Ela merece saber da história toda, Thiago – explica Maria Luísa.
— E eu passei 16 anos sem merecer? É isso? – questiona Thiago irritado.
— Eu não disse isso. Ela é inocente no meio dessa história toda, meu filho. – explica Maria, serena.
— Tudo bem, mas saiba que a culpa de tudo isso é sua – acusa Thiago se levantando. — E dele.
Malú fecha os olhos e respira fundo. Ela afasta o prato e se levanta da mesa sob o olhar da avó.
— Maria Luísa – chama a avó, fazendo com que Malú pare de costas para a matriarca que hesita um pouco — Pode ir para o seu quarto.
Antes mesmo que a avó pudesse falar algo, Malú já corre pelo corredor em direção ao seu quarto, quando escuta vozes alteradas vindo de uma porta próxima a escada. Ela se aproxima da porta tentando escutar e ver o que era falado lá dentro.
— Você me deve explicações, Thiago – diz Graziela com os braços cruzados e sentada no sofá de couro marrom — Ou você acha mesmo que só aquela explicação fajuta é o suficiente?
— Eu estou disposto a dar as devidas explicações que você precisa – afirma Thiago se joelhando na frente da noiva — Lembra–se da primeira vez que terminamos?
— Sim, você terminou comigo porque tinha conhecido outra pessoa – recorda Graziela friamente — Anna, a mulher com quem você iria se casar e que estava grávida. Mas ela havia perdido o bebê, foi o que você me disse. E que ela tinha ido para outro lugar. A sua mãe e seu irmão tinham absoluta certeza disso, assim como você.
— Sim – concorda Thiago — Até a algumas semanas, quando eles me contaram toda a verdade. Anna estava em Belo Horizonte, doente, a Malú estava viva e com dezesseis anos... A minha vida sofreu uma reviravolta que eu não esperava. – Ele beija as mãos da noiva — Eu não pensei e fui até lá... Tive tempo de me despedir da Anna... E agora tenho a Malú. Mas eu confesso que me sinto perdido e que preciso de você mais do que nunca. Eu compreendo que você tem todo o direito de sair por aquela porta e nunca mais querer voltar. Eu tenho um peso grande para carregar e você não é obrigada a carregá–lo comigo. Mas eu ainda quero compartilhar uma vida com você, apesar da minha vida estar um pouco confusa.
— Essa é uma boa história –comenta Vera pensativa — Será ótimo para esclarecer como você tem uma filha de dezesseis anos aos seus eleitores...
— Não vamos expor a Malú – determina Thiago olhando para a cunhada. Ele se levanta — Ela ficará fora de tudo isso, tudo bem?
— Impossível – recusa Vera, mostrando a tela de seu celular. Nela aparece uma foto de Thiago segurando Malú e tentando se esconder. O que estava escrito no título tornava a situação polêmica: CANDIDATO A SENADOR E SEU AFFAIR – p*******a? — Vocês foram colocados em uma situação bem constrangedora.
— Como eles podem ser tão nojentos! – exclama Thiago nauseado. — Marque uma entrevista, somente comigo, vou esclarecer isso, evitando ao máximo expor a minha filha.
— Como quiser – responde Vera anotando o pedido de Thiago. — Mas saibam que isso vai apagar o casamento de vocês.
— Não tenho mais certeza de que vamos nos casar – alega Thiago olhando para a noiva.
— Eu preciso processar tudo isso – comenta Grazi, colocando as mãos na cabeça — E eu achando que a ameaça era o maior dos nossos problemas...
— Ameaça? – pergunta Thiago franzindo a testa — Que ameaça?
— Nós recebemos uma carta direcionada a você lá no comitê – revela Vera, indo em direção a sua bolsa. Dentro dela sai um papel branco que ela entrega para Thiago — Essa é a cópia, pois a verdadeira se tornou evidência e foi recolhida. Nós já acionamos a polícia, porém eles precisam falar com você.
Thiago pega a carta surpreso. As palavras eram recortes que pareciam ter vindo de jornais e revistas. Ele lê atentamente e depois a entrega para Vera. Senta ao lado de Graziela, atônito:
— Já descobriram alguma pista? – pergunta Thiago.
— Nada – responde Vera — Tomei cuidado para a história não vazar, mas os policiais disseram que é mais fácil e seguro você se afastar da campanha.
— Eu acho que você não deve fazer isso – alega Graziela segurando na mão de Thiago — Não chegamos tão longe para morrer na praia...
— Bom, eu pensarei a respeito... – admite Thiago.
— Temos de falar do casamento – comenta Vera — Preciso confirmar se ele irá acontecer ou não.
— Só depende da sua irmã – alega Thiago olhando para Graziela.
— Bom... Eu acho que... – começa Grazi.
— O que está fazendo aí?
Ela se vira e seus olhos arregalam sem acreditar em quem está vendo. Malú sorri e abraça Ícaro, finalmente alguém que ela conhece no meio de toda essa situação, até que a porta do escritório se abre:
— O bom filho a casa torna – comenta Vera — Malú, quer dizer então que você Já conhece o seu tio?
Malú se afasta rapidamente, encarando Ícaro. Não acredita no que acabara de ouvir. Ícaro é meu tio?