Capítulo 4

2977 Words
Malú está sentada olhando para a televisão, assistindo ao noticiário enquanto algumas mechas de seu cabelo caem em seu rosto, pescoço, braços e pernas. Seus cabelos cortados a incomodam como se fosse grama. "Já terminou, tia Aline?" pergunta Malú através do aplicativo em seu tablet que seu pai havia lhe comprado. Mesmo fazendo cara f**a, ele tinha acertado em ter feito aquilo.  — Pensa que é fácil consertar seu cabelo? – pergunta Aline depois de ler o que está escrito — Você praticamente deu perda total nele.  “Meu cabelo não é um carro" retruca Malú.  — Mas o estrago foi o mesmo – rebate Aline cortando mais uma mecha — Se ficar paradinha em dez minutos eu consigo te deixar... Razoável.  — Malú – chama Thiago entrando no quarto. Em seu rosto tinha um grande sorriso — Tenho uma surpresa para você. Ele vai até a porta e a abre, colocando no rosto de Malú um sorriso que ela não esperava surgir tão cedo. Elas vieram, pensa a jovem feliz. Renata é a primeira entrar, com sua pele morena e seus cabelos cacheados, no quarto esbanjando sua simpatia. Letícia vem logo em seguida ajeitando seu cabelo Chanel loiro e seu jeito tímido. Aquelas eram as duas melhores e únicas amigas de Malú.  — Olá estranha – cumprimenta Renata, sentando na cama — Quer dizer que veio filar bóia aqui no hospital?  “ahahaha, engraçadinha" responde Malú pelo tablet.  — Oi, Malú – cumprimenta Letícia abraçando a amiga — Como você está?  “Sem voz" responde Malú ”Fora isso, eu estou bem apesar de tudo".  — Bom, para mim, nada mudou. As nossas melhores conversas sempre foram escritas – comenta Renata sorrindo — Agora a Tia Aline não vai mais pegar no nosso pé se continuarmos nos falando pelo celular.  — Infelizmente – resmunga Aline revirando os olhos — Mas em breve isso acabará e ela não vai ter essa desculpa.  “Veio mais alguém com vocês?" pergunta Malú.  — Veio quase todo mundo da escola, mas o hospital não liberou a entrada – responde Letícia.  — E quando ela diz todo mundo, É TODO MUNDO – reforça Renata, piscando para Malú que fica vermelha imediatamente.  — Thiago de Almeida? – pergunta a enfermeira entrando no quarto. Thiago se vira encarando a mulher que se aproxima — Os resultados já saíram e chamaram o senhor para dar o diagnóstico.  — Eu também vou – responde Aline largando a tesoura e parando ao lado de Thiago.  — Desde que não faça escândalo – alfineta Thiago saindo.  — EU não faço escândalo – argumenta Aline indo atrás dele irritada — Já você... Pega o bonde andando e quer sentar na janela.  — Desculpe–me, mas você só está indo porque eu autorizei – responde Thiago já fora do quarto, mas ainda sendo ouvido pelas meninas.  — Nossa quanta generosidade – ironiza Aline.  — Nossa... Eles estão bem bravos um com o outro – comenta Letícia sorrindo. "Feito cão e gato" explica Malú "Tem dias que é pior”.  — É como dizem: Os opostos se atraem –comenta Renata maliciosa — Toda essa carga de ódio pode se transformar no amor mais ardente. “Ah tá, você só esqueceu que a minha tia ama o Ícaro e que o Thiago está noivo”.  — Não há barreiras para quem se ama – retruca Renata deitando na cama, com as mãos no peito como se tivesse sido atingida por uma flecha do cúpido.  — E por falar em amor... – começa Letícia — O Pedro veio te ver, mas não deixaram entrar.  — “Ainda bem. Não quero que ele me veja assim” confessa Malú tocando em seus cabelos.  — Mas você ficou até bonitinha assim. – responde Renata mexendo no cabelo da amiga — lembrou o cachorro da minha mãe quando foi tosado em casa. “Cala a boca, Re" responde Malú jogando o travesseiro na amiga.  — Eu concordo com a Renata – admite Letícia — Não a parte do cachorro, mas seu cabelo ficou legal assim. “Você diz isso porque adora cabelo curto, Lele” retruca Malú, mostrando a língua em seguida "Obrigada por estarem aqui".  — Amiga é para essas coisas – responde Letícia abraçando a amiga.  — E também para começar guerra de travesseiros – responde Renata segurando o travesseiro — Guerra de travesseiros! *** Aline respira fundo, enquanto espera, ao lado de Thiago, algum médico entrar na sala.  — Você é impaciente demais – reclama Thiago, sério.  — E você não me parece preocupado com a situação da Malú – retruca Aline.  — EU não estou preocupado? – questiona Thiago apontando para si — Eu quero levá–la para Curitiba o quanto antes para resolver essa situação e não estou preocupado? Faça–me rir.  — Você quer levar sim, mas por pensar apenas em si mesmo– acusa Aline.  — Pense o que quiser, não estou nem aí para você. – retruca Thiago se ajeitando na cadeira.  — Se você pensa que vai levar a Malú para Curitiba, está enganando. Eu vou até a delegacia acusar você por seqüestro– ameaça Aline com dedo próximo do rosto de Thiago.  — Acha mesmo que eles vão te escutar? Eu sou o pai dela, isso não é seqüestro – responde Thiago, sarcástico.  — Eles vão me escutar quando eu contar que você era um pai ausente... Que nunca se importou com ela – rebate Aline, nervosa.  — Ela recebe uma pensão mensal, a casa em que você mora tem dinheiro que eu dei a ela, bem como a escola, as roupas que ela veste o tablet com o aplicativo para que possa interagir conosco... Não sou pai um negligente – retruca Thiago.  — Mas não era você quem dava – revida Aline que logo em seguida o encara surpresa — E como sabe a respeito de tudo isso?  — Quando declarou guerra contra mim, fui atrás de tudo. Eu sei do acordo da Anna com a minha mãe. Sei que posso tirar a Malú quando quiser daqui, pois está autorizado pela Anna – responde Thiago — Acredite essa você não irá vencer.  — Bom dia – cumprimenta a médica, interrompendo o diálogo ao entrar na sala. Ela estende a mão em direção a Aline e depois ao Thiago e se apresente — Meu nome é Adriana, sou fonoaudióloga e estou acompanhando o caso da Maria Luísa.  — Bom dia – respondem os dois.  — Os resultados dos exames saíram e as cordas vocais de Maria estão perfeitas sem nenhum trauma. O otorrinolaringologista também não encontrou nada que justifique a afonia da jovem.  — Isso se significa...? – pergunta Aline confusa.  — Que eles não têm a menor idéia do que a Malú tem – responde Thiago irritado no lugar da médica.  — Bom, não é bem assim, senhor Thiago. – intervém Adriana– Nossa equipe está fazendo de todo o possível para encontrar a causa desse problema.   — Pelo tempo que ela está aqui já deveriam ter encontrado – resmunga Thiago.  — Vocês não possuem nenhuma idéia do que possa ser? – pergunta Aline, ignorando Thiago.  — Eu acredito que seja um trauma psicológico. Ela teve alguma mudança na rotina, algo que possa ter abalado seu estado emocional? – questiona Adriana para os dois.  — A mãe dela morreu recentemente – responde Aline cabisbaixa.  — Entendo. – fala Adriana respirando fundo. Coloca os exames de Malú sobre a mesa e com a expressão séria comenta — Eu não sou psicóloga, mas existem casos de pessoas que sofreram traumas psicológicos que interferiram no corpo fisicamente. Ninguém reage da mesma forma a perdas como essa. E eu acredito que possa ter acontecido isso com a Maria Luísa também. Se ela possuir aversão a mudanças, a situação dela poderá se complicar ainda mais.  — O que a senhora recomenda? – pergunta Aline curiosa.  — Que ela comece a fazer terapia. – responde Adriana.  — E se isso não resolver? – questiona Thiago.  — O que se pode fazer é tentar tudo o que for possível. Para que as cordas vocais não se atrofiem, seria interessante que ela também realizasse um tratamento preventivo.  — Recomenda algum psicólogo aqui em Minas? – pergunta Aline.  — Existem excelentes psicólogos aqui – garante Adriana.  — Não será necessário, ela fará esses tratamentos em Curitiba. – explica Thiago — Quando ela terá alta?  — Só estava esperando conversar com vocês para assinar à alta.  — Ótimo – responde Thiago se levantando. Ele ajeita seu terno cinza – Já pode fazê–lo.  — Obrigada por tudo – agradece Aline se levantando. Ela sai da sala apressada, caminha até Thiago e para em sua frente.  — Você não pode levar a Malú de BH. – alega Aline segurando o braço de Thiago que para — Você escutou o que a doutora disse, ela tem aversão a mudanças.  — Ela disse que pode ter não que tem. – corrige Thiago soltando seu braço. — Sem contar que ela não é psicóloga, então tenho de desconsiderar seu diagnóstico. Além disso, a Malú irá para Curitiba comigo e está decidido.  — Vamos ver o que ela acha quando descobrir o crápula que você é – ameaça Aline caminhando em direção ao quarto.  — Aproveita e conta para ela que vocês a vendaram para a minha família por dinheiro – dispara Thiago andando tranquilamente.  — O quê? – pergunta Aline se virando — O que foi que você disse?  — Isso mesmo que você ouviu... Conte para a Malú que você e a Anna a venderam... Ou acha mesmo que a minha filha vai aceitar que o acordo em que a minha família fica detentora da guarda foi somente pensando no que é melhor para ela? Ela ficará com raiva de você... E muito mais da Anna. Ela vai sentir tanta raiva por saber que sua própria mãe foi capaz de fazer isso com ela que vai desejar ter ficado com a minha família desde o início. Aliás, você já teve coragem de contar para ela que o Ícaro é meu irmão?  — Acha que pode me chantagear? – questiona Aline irritada — Você não teria coragem de colocar a Malú contra a Anna...  — Isso só depende de você. – comenta Thiago se aproximando de Aline. Ele toca na mecha dos cabelos castanhos da mulher e continua — Eu disse que sou capaz de tudo para ter a minha filha de volta, mesmo que para isso eu tenha de ir contra aos meus princípios.  — Eu achei que você fosse igual à sua família, mas você... Você é pior que eles. – acusa Aline se afastando de Thiago.  — Pela Malú eu sou capaz de tudo – grita Thiago sem ter certeza que Aline o escutou. *** Malú trocava a roupa de hospital, quando Aline entrou em seu quarto. Ela está nervosa, preocupando a jovem. Maria Luísa vai até a cama, pega seu tablet e escreve: “Está tudo bem?"  — Eu tenho uma coisa para te contar – começa Aline chorando. Ela abraça Malú e continua — Eu sei que prometi a sua mãe nunca fazer isso, mas preciso que saiba sobre as pessoas com quem você irá morar. “Com quem vou morar? Pensei que fosse morar com você" escreve Malú.  — Não será possível... Ainda. Confie em mim, não desistirei de você. Agora mais que nunca, sei que preciso te proteger – responde Aline, nervosa. “O que tem para me dizer?" pergunta Malú curiosa. Conte para ela que vocês a vendaram para a minha família por dinheiro...  — A sua família paterna... – começa Aline tentando ignorar seus pensamentos — A sua mãe me fez prometer nunca fazer nada que prejudique seu julgamento com relação a eles. Acha mesmo que a minha filha vai aceitar que o acordo em que a minha família fica detentora da guarda foi somente pensando no que é melhor para ela?...  — Eu preciso que saiba... Ela vai ficar com raiva de você... E muito mais da Anna. “Sim?" pergunta Malú confusa. Ela vai sentir tanta raiva por saber que a mãe foi capaz de fazer isso com ela que vai desejar ter ficado com a minha família desde o início.  — Eu quero que tome cuidado – pede Aline — Fique sempre com o pé atrás. Eles não são... Quando estiver lá vai perceber que nada é o que parece. Todas nós fomos enganada.  “Tudo bem" concorda Malú abraçando a tia em seguida.  — E saiba que eu e sua mãe sempre te amamos. Mesmo que em algum momento as nossas ações pareçam ser ruins, saiba que foi tudo por você. Sua mãe fez tudo por você. “Eu não estou entendendo..." Malú confusa.  — Um dia eu irei contar tudo, mas hoje não posso. “A senhora irá comigo para Curitiba?" pergunta Malú.  — Ainda não Malú. Mas quando eu for, será para buscar você. Farei de tudo para buscar você – promete Aline.  — Está pronta, Malú? – pergunta Thiago da porta. As duas o encaram assustadas, pois não tinham notado sua presença. Maria Luísa balança a cabeça afirmando, enquanto Aline se afasta da jovem. Ele entra no quarto e pega a mala da filha e sai, sendo seguido pelas duas. Os três entram no carro estacionado no hospital e vão para a casa de Aline. Assim que ele estaciona, tenta dar um beijo na bochecha de Malú que se esquiva, ainda sente raiva de Thiago e de toda a situação. Aline desce rapidamente, deixando os dois sozinhos no carro.  — Venho te buscar amanhã cedo para irmos embora. – avisa Thiago. Ele olha para a filha e continua tentando encorajá–la — Tenho certeza que sua mãe gostaria que você fosse para Curitiba. Malú o encara com mais raiva do que já estava por ele citar sua mãe. Ela sai do carro e bate a porta com toda sua força. *** Malú desperta e olha para sua janela, por onde entram os primeiros raios de sol o que faz levantar ir para o quintal. Lá estão todos os lírios que sua mãe cultivava um belo jardim. Ela senta no meio deles, tocando nas flores e sentindo seus perfumes. Lembram o cheiro de sua mãe. Ergue o rosto em direção à luz do sol e deixa suas lágrimas escorrerem. De repente a luz que tocava seu rosto desaparece e uma sombra toma seu lugar, fazendo Malú abrir seus olhos.   — Sabia que era você – diz Malú sorrindo.  Anna senta na frente da filha com um sorriso nos lábios e toca seu rosto. Pega um de seus lírios e coloca na orelha de Malú, ajeitando seu cabelo.   — Estou sem sono – explica Malú.  — Por que perdeu o sono? – pergunta Anna.  — Estou indo embora – responde Malú entristecida — Não vou conseguir mais te ver. Sinto tanta sua falta.  — Eu também sinto a sua, meu anjo – responde Anna abraçando a filha — Mas não se preocupe, sempre poderemos nos ver.  — Como? – pergunta Malú limpando o rosto — Eu não vou mais poder ver o seu jardim... E nem seu túmulo.  — Eu estarei aqui – responde Anna tocando no peito da filha — Dentro do seu coração e quando quiser falar comigo é só me chamar. Nunca abandonarei você... Nunca. Você sempre poderá me encontrar em seus sonhos.  — Eu te amo, mamãe –declara Malú deitando no colo de sua mãe — Te amo muito.  — Eu te amo minha filha, além da vida – responde Anna tocando nos cabelos da filha — Agora tente dormir.  — Não quero que você desapareça – fala Malú lutando contra o sono.  — Não irei. Malú sente alguém tocar em seu ombro, sacudindo levemente. Ela abre seus olhos e levanta do gramado, sendo ajudada por Aline.   — Insônia... – deduz Aline segurando a jovem pelos ombros — Venha não se preocupe tudo ficará bem. Malú caminha em direção à casa ao lado da tia, queria poder responder algo para ela, mas naquele momento era impossível. Passa a mão perto da orelha sentindo o lírio o que lhe faz abrir um sorriso tímido. *** A viagem de Belo Horizonte à Curitiba não foi muito demorada, mas para Malú foi um martírio. Thiago fazia de tudo para conversar com ela que evitou ao máximo até o ponto de fingir que estava dormindo.  Assim que chegam ao aeroporto são recepcionados por um grande número de fotógrafos e repórteres, todos querendo saber onde tinha ido o candidato ao senado e quem era a jovem que está ao lado dele. Se não fossem os seguranças, a situação poderia ter sido pior. Eles os conduzem ao estacionamento, onde um motorista já os aguarda. Ele dirige rapidamente pelas ruas até chegar a uma parte nobre da cidade, entrando em uma das mansões que é uma verdadeira obra de arte. Sua fachada creme com pilares gregos chama atenção de Malú que remetem a casa branca. Logo na frente uma enorme fonte em mármore os recepciona. Thiago leva Malú até o hall da casa, onde se deparam três pessoas: Maria Luísa, avó da jovem. Vera Lúcia, uma bela mulher de cabelos loiros soltos, era a relações publicas de Thiago e cunhada. E Graziela, noiva, se parece um pouco com sua irmã, os encara curiosa.   — Bem vindo, meu filho – recepciona Maria recebendo um olhar gélido do filho.  — Quem é vivo sempre aparece – alfineta Vera, séria. Ela olha Malú de cima a baixo, curiosa — Pelo visto com uma surpresa...  — Quem é essa jovem? – pergunta Graziela, curiosa.  — Grazi, Vera e mamãe, essa é a Maria Luísa Braga de Almeida – apresenta Thiago. Ele segura os ombros de Malú e continua — Minha filha.
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