Kate
Eu e Daniel temos nos visto há mais de quinze dias, e, para ser sincera, m*l consigo ficar longe dele. Toda vez que tenho uma brecha, corro para encontrá-lo. Ele tem andado cabisbaixo, frustrado por não conseguir um emprego melhor. É difícil vê-lo assim, então tento de todas as formas animá-lo. Passo confiança, segurando suas mãos, olhando em seus olhos, e repetindo que ele é capaz de conseguir o que deseja. Quero que ele sinta o quanto acredito nele.
O que sei com certeza é que, desde que começamos a nos ver, nosso mundinho se tornou colorido, vibrante e viciante. Estamos completamente loucos um pelo outro. Para mim, não importa se estar com ele significa enfrentar dificuldades financeiras. Eu o amo, e o amor é suficiente.
Rose, minha irmã, graças a Deus, tem ficado na dela ultimamente. Acho que, no fundo, ela reconhece que Daniel é uma ótima pessoa, mesmo que ainda não diga isso em voz alta. Hoje é sábado, e eu estou ansiosa para vê-lo. Nunca conseguimos combinar nossos encontros com antecedência, porque sempre tenho que inventar uma desculpa para sair de casa sem levantar suspeitas.
Estamos almoçando, e meu pai está imerso na leitura do jornal, como sempre faz. Ele termina de ler e o estende na minha direção.
— Você viu quem morreu? — pergunta, sem desviar os olhos da página.
Saio do meu devaneio com o pensamento em Daniel e pego o jornal.
— Quem?
— Henrico Salvatore Bertizzollo. O maior chefão da máfia italiana aqui nos Estados Unidos — responde meu pai.
Meus olhos se arregalam enquanto percorro a matéria no Day News. Uma notícia de meia página detalha a morte de Henrico Salvatore Bertizzollo, encontrado sem vida na sua mansão, aparentemente vítima de um infarto fulminante. Na foto, um caixão em um salão luxuoso, rodeado por homens de óculos escuros e sobretudos, com mulheres em vestidos negros, chorando silenciosamente ao lado deles. O texto menciona Vincent Bertizzollo como o novo líder, insinuando seu envolvimento com crimes brutais, mas nunca provados.
— Esses chefões sabem se esquivar da lei — comenta meu pai, soltando um suspiro. — Os mais espertos geralmente morrem de causas naturais. Quase nunca são pegos.
Franzo o cenho, sentindo uma onda de repulsa.
— Mas a morte chega para todos. Eles terão que prestar contas a Deus um dia — digo, devolvendo o jornal, já enjoada de tanto sensacionalismo.
— Sim, justiça divina — concorda ele, voltando a ler.
Daniel
Estou no cemitério Caballero Rivero Woodlawn North, caminhando com o coração pesado. Hoje fazem cinco anos que meu irmão Jonathan morreu. A saudade dele nunca diminuiu, parece que só aumenta. Ajoelho-me diante de sua lápide e deposito uma rosa vermelha sobre o mármore frio. Com a ponta dos dedos, toco o nome gravado ali: Jonathan Stefan Lawrence.
— Jonathan... — minha voz sai embargada. — Eu sinto tanto a sua falta, cara. Eu estou tentando seguir em frente, mas é difícil sem você. Sei o quanto você sonhava em me ver formado, em me dar um futuro melhor do que o que você teve. Eu estou fazendo o que posso, pagando as contas, lutando a cada dia... Mas ainda sinto que estou aquém do que você esperava de mim.
Lágrimas escorrem pelas minhas bochechas, e eu as enxugo com a manga do casaco de couro. O vento frio bate em meu rosto, me trazendo um pouco de alívio na dor que sinto. Penso em Kate, e isso aquece meu coração, ainda que apenas um pouco. Ela é um dos poucos motivos que me fazem querer melhorar de vida, para oferecer a ela o melhor que eu puder. Respiro fundo, tentando acalmar a tristeza que insiste em me consumir.
Levanto-me e começo a caminhar de volta, os olhos baixos, as mãos enfiadas nos bolsos do casaco. Enquanto sigo pelo caminho de paralelepípedos, noto um grupo à distância. Homens de sobretudo preto e óculos escuros, mulheres em vestidos negros, muitas delas chorando. Ao longe, jornalistas observam a cena, mantendo uma distância respeitosa. Eu desvio o olhar, mas algo prende minha atenção.
Uma criança, um menino de aproximadamente cinco anos, sai correndo do meio das pessoas. Ele segura um carrinho de brinquedo nas mãos, correndo em direção oposta à dos jornalistas. Meus olhos se arregalam ao perceber que ele está indo direto para uma cova aberta, recém-cavada e coberta apenas lateralmente com grama sintética.
— Meu Deus! — exclamo, o coração acelerando.
Olho para a família, que parece distraída em seu luto. Sem pensar duas vezes, corro na direção do garoto. O frio do vento congela meus músculos, mas eu forço minhas pernas a se moverem o mais rápido que posso. O menino está à beira do buraco, e basta um passo em falso para que ele caia.
— Ei, garotão! — digo, tentando não assustá-lo enquanto o seguro firmemente. Ele se assusta e começa a chorar alto. Com alívio, o pego no colo, sentindo seu corpinho trêmulo contra o meu. De longe, ouço a voz de uma mulher, desesperada:
— Marcello! Marcello! Lucas, cadê o Marcello?
Eu me viro, tentando localizar de onde vem a voz, enquanto balanço o menino suavemente, tentando acalmá-lo. Ele soluça, segurando seu carrinho contra o peito. Olho para ele, e seu rostinho está vermelho, as lágrimas escorrendo.
— Shh, está tudo bem, pequeno. Eu te peguei. Você está seguro — digo, com um sorriso encorajador, enquanto o menino me olha com olhos grandes e assustados.
Segundos depois, uma mulher aparece correndo, o rosto em pânico, lágrimas nos olhos.
— Marcello! — Ela praticamente grita, estendendo os braços.