Sexta-feira...
Felicidade é a palavra que define meu constante estado de humor. Passei os dias sorrindo sozinha. Ativa. Ajudando Rose na cozinha, ajudando na limpeza da casa, ouvindo música e, algumas vezes, deixando minha mente divagar. E em todos esses momentos, Daniel está na minha cabeça.
Hoje, eu estou me sentindo radiante. Vou vê-lo logo mais à noite. Tenho tantas coisas para dizer e perguntar para ele. Quero conhecer mais o homem a quem entreguei meu coração e meu corpo. Sei que a ordem das coisas não foi a mais acertada. Eu deveria tê-lo conhecido melhor antes de me entregar, mas, pensando bem, nada que ele me contasse seria surpresa para mim.
Fito meu livro aberto entre as mãos. Desde que tudo aconteceu, eu não consigo me concentrar, não consigo ler uma palavra sequer.
Às vezes, um arrepio percorre meu corpo quando penso nas condições financeiras de Daniel. Não vou mentir, gostaria que ele tivesse tido a oportunidade de estudar, que ele vivesse em um lugar melhor, que tivesse melhores condições. Sei que minhas amigas não perderiam tempo com ele, por mais lindo e charmoso que fosse. Como se a pobreza fosse uma doença contagiosa. Elas têm uma lista mental do homem ideal, e Daniel é simplesmente o oposto dessa lista. Karen, mesmo, quando ficou sabendo, me deu um sermão, deixando claro como eu seria infeliz ao lado dele, dizendo que eu estava cega, que estava pensando com o corpo e não com a razão.
A verdade? Meu medo é que ele se sinta inferior quando me ver saindo da faculdade e tendo um bom emprego. Que ele não veja isso como uma distância entre nós, como uma competição, como se os papéis fossem invertidos, por eu ganhar melhor. Eu sonho em vencer ao lado dele, com ele. Essa é a minha única preocupação. Daniel seria humilde o suficiente para isso?
À tardinha, meu pai chega do trabalho, me cumprimenta com uma expressão cansada, sinais fortes de que ele não tem dormido à noite. Jantamos juntos, ele mais calado do que o habitual. Tenho reparado que ele tem fumado muito, pela quantidade de tocos de cigarro no cinzeiro da biblioteca.
— Pai, se abre. O que está acontecendo? — pergunto, preocupada.
Meu pai me encara sério. Ele coloca um pedaço de carne na boca e começa a mastigar. É a forma que ele tem usado para não falar comigo no jantar. Sua boca ocupada não conversa. Mas agora, ele parece disposto a falar, como se estivesse pensando ou tomasse coragem.
Quando termina de comer, diz:
— Vou precisar vender seu carro para pagar algumas contas. Segunda-feira vou levá-lo na agência.
— Eu sabia que estávamos passando por problemas financeiros. Está estampado nessas olheiras aí. Por que sofre calado? — respondo, sentindo uma pontada de frustração.
Meu pai funga, resmungando baixinho.
— Estou com problemas no trabalho, o país está passando por uma crise, e eu vivo de comissões.
— Isso eu entendo, mas não entendo o senhor não se abrir comigo. Podemos dispensar a Rose também. Cortar mais gastos. Já pensou nisso? — eu sugiro.
— A Rose está nessa casa desde o dia que você nasceu. Sei que gosta muito dela. Sei que ela é uma boa influência para você. Vejo como vocês falam de tudo. — Dá vontade de dizer que essa função seria dele, mas ele m*l conversa comigo. — E é bom você ter uma referência feminina.
— Pai, eu já tenho dezoito anos. O senhor fala como se eu fosse uma menininha. — retruco, irritada.
— A Rose fica!
— Podemos cortar outros gastos então. — insisto.
Ele acena com a cabeça, como se estivesse aceitando a sugestão.
— Eu já fiz isso. Dispensei o jardineiro e já pedi para a Rose maneirar no mercado.
— Porque ela não me disse nada?
— Eu pedi para que ela não contasse.
Eu me irrito ainda mais.
— Andrew! Por que o senhor me poupa tanto? O senhor não pode sofrer calado. Pelo amor de Deus, se abra comigo! Somos uma família, não somos?
Andrew evita meus olhos.
— Sim, claro que somos.
— Eu verei com a Rose o que podemos economizar.
— Ótimo. Graças a Deus que você termina sua faculdade esse ano.
— E o estágio? — pergunto, lembrando que já faz um mês que o pai de Jake ficou de ver.
—John não me disse mais nada.
—Isso faz tempo que eu ouço. Não vou mais esperar. Amanhã mesmo vou mandar currículos e segunda começa as aulas, verei na faculdade com meus amigos se eles sabem de algo.
—Faça isso! —Meu pai disse e voltou a comer. Sim, as coisas estão feias mesmo.
—Hoje o senhor irá sair?
—Não, vou dormir cedo. E você?
Eu engulo em seco.
—Eu vou à casa de Karen. Posso usar o carro hoje?
—Claro.
Ele se levanta e me beija na testa.
—Boa noite meu anjo.
Eu me levanto da cadeira e o abraço.
—Eu estou aqui, tá! Não sofra calado.
Meu me olha emocionado e me beija antes de ir para seu quarto. Rose fica até duas horas da tarde, depois disso a casa é por minha conta.
Retiro tudo da mesa, e lavo a louça rapidamente. Vou para o meu quarto e abro o guarda-roupa. Pego um vestido simples, mas bonito. Ele é preto com detalhes brancos e um casaquinho preto. Tomo banho e me visto.
Deixo os cabelos soltos e faço uma maquiagem bem leve.
Me olho no espelho e sorrio. Perfeita. Pego o casaco, a bolsa e saio do quarto. Entro no carro e aciono o portão automático. Logo alcanço a rua.
Quanto mais perto de casa eu chego da casa de Daniel, mais nervosa fico.
A rua dele me dá náuseas. Vejo um bando de homens ouvindo funk em cima de um muro, tomando cerveja. Os homens param de falar e eu hesito em passar perto deles. Dou graças a Deus quando Daniel surge no portão da casa dele. Ele imediatamente vem na minha direção. Sua atitude demonstra que ele estava me esperando, creio que para me preservar de qualquer constrangimento que eu pudesse passar com esses lobos famintos.
Como ele é gato! Está lindo com um jeans desbotado e camiseta branca. Seus cabelos estão molhados ainda pelo banho.
—Oi. —Falo quando ele está perto.
—Você veio mesmo. —Ele diz com um sorriso.
—Tinha dúvidas?
—É, acho que não.
Daniel me abraça e beija meu pescoço. Os homens assobiam atrás de nós.
—Vem, vamos sair da rua.