05

3039 Words
No dia seguinte, eu acordei bem mais cedo que no dia anterior. E por coincidência, descobri que Kai era alguém matinal. Ele acordava antes do amanhecer e saia para caminhar, praticar exercícios e depois voltava para o apartamento para comer algo e depois ir à faculdade. E pelos meus pequenos momentos de sono quebrado durante a madrugada, ocasionados pelo desconforto de dormir no sofá, vi que Kai dormiu novamente em casa, bem diferente do que ele havia me falado no primeiro dia. Mas, ele havia chegado mais tarde que ontem, e... Não parecia nada bem. Porém, não somos amigos, então, não tenho obrigação de perguntar se ele está bem. Ou, ao menos... Não com o receio de que ele me responderá grosseiramente. ― Você está me seguindo? ― indagou. Kai e eu caminhávamos em uma curta distância um do outro a caminho da faculdade. ― Claro que não. ― Reviro os olhos. Havíamos saído do prédio ao mesmo tempo, o que ele esperava? Que eu o esperasse chegar à faculdade para que eu então pudesse seguir o caminho? ― Melhor assim. Não quero ser visto chegando com alguém. Cesso os meus passos, indignada. ― Por que você é assim? ― explodo. ― Você tem algo contra mim? Ou é metido demais para aceitar a amizade de alguém simples? Kai cessa os seus passos, um pouco distante, e lentamente, ele se vira para mim, observando-me intensamente. ― Eu sou metido demais. Kai lança um sorriso sarcástico e depois retorna a sua posição anterior, prosseguindo com o caminho. Minha boca entreabre, transparecendo o tamanho da minha frustração. Qual era o problema dele?       (...) Ao chegar na sala de aula, direcionei-me até uma das carteiras da frente e sentei na do canto da parede. Coloquei os meus livros sobre a mesa, aguardando o professor de econometria. ― Miss encrenca! Uma voz dirigiu-se a mim. Levantei a minha cabeça e direcionei o meu olhar para o cara de cabelos loiros encaracolados que havia chamado a minha atenção. ― Miss encrenca? ― franzi o cenho, emitindo um olhar crítico. ― Bem, na primeira vez que eu te vi... Você estava causando uma confusão. O loiro sorriu e se encostou na mesa ao lado da minha, apoiando as mãos sobre a carteira. Algumas garotas aglomeraram-se na porta da sala. Todos os olhares se dirigiam ao cara que falava comigo. ― É... ― Estreitei os meus olhos, observando o seu rosto. Eu tinha uma péssima memória para recordar da aparência das pessoas, apesar de que eu lembrava ligeiramente de já tê-lo o visto. ― Eu soaria rude se, caso... Eu dissesse que não me recordo de quem é você? O garoto soltou um riso baixo. ― Marcus Elliot. ― Sorriu. ― Eu te salvei das garras daquela garota. Lembra? Ah! Então, era dali que eu me lembrava dele. Mas, para ser sincera, não acho que ele tenha me salvo das garras daquela garota. Ela apenas... Ficou furiosa em vê-lo e foi embora. ― Oh. Sim! O cara que disse que justo no meu primeiro dia eu já estava causando. ―  Lancei, debochada, fazendo-o rir. ― Você é diferente. ― Disse com um sorriso encantado nos lábios. ― Os outros ficariam quietos se recebessem alguma provocação como você recebeu. Principalmente quando são novatos. Mas você não. É impressionante. ― Comenta embasbacado. Vantagens de cuidar de vacas na fazenda dos meus tios... É brincadeira! ― Eu gostei. ― Sussurrou. O seu comentário arranca um instantâneo e automático sorriso de mim. O professor do curso entra na sala. Marcus senta-se na carteira ao lado. ― Você vai assistir à esta aula? ― questionei, curiosa, visto que ele devia ter uns dois anos à minha frente. ― Eu sou assistente do professor Carlos. ― Bom dia, turma! O professor de econometria cumprimentou a turma. ― Bem, eu não queria estragar o dia de vocês, mas... Começaremos com um trabalho hoje. ― Suas palavras fazem múrmuros de reprovação ecoar pela sala. ― Quero que formem duplas e pesquisem sobre a utilização de leis matemáticas nos modelos econômicos. Olho ao redor, analisando as pessoas que eu poderia chamar para trabalhar comigo, mas, pelo visto, o número ímpar de alunos me forçaria a ficar sozinha. Não que eu estivesse achando r**m, muito pelo contrário, nunca tive uma boa comunicação em equipe, então, sempre optei por realizar os meus trabalhos, sozinha. ― Você ficará sobrando, Srta. Rivera. Eu posso formar um trio com você ou... ― Está tudo bem! ― interrompi o professor. ― Eu posso fazer sozinha, sem problemas! ― sorri em garantia. ― Eu posso auxiliá-la, professor. Marcus falou, arrancando-me um olhar surpreso. ― Excelente, Marcus! ― o professor o aplaude com um sorriso imenso nos lábios. ― Srta. Rivera está com sorte hoje. Sorte? Como assim? Marcus aproxima a sua mesa da minha, colando-as, igual às outras duplas. ― O que ele quis dizer com “sorte”? ― divirto-me. ― Não é querendo me gabar, mas... Eu sou considerado um aluno de “ouro” aqui. ― Diz divertido. ― Aluno de ouro? ― rio em deboche. ― O preferido dos professores. Jinah deve ter mencionado isso. Solto um suspiro. ― Nem me lembre dela. ― Eu realmente sinto muito pelo que aconteceu ontem. Ela não conhece a palavra “limites”. ― Está tudo bem. Eu não estou mais pensando nisso. E, enfim... ― Movo os ombros. ― Quer dizer que você é o aluno preferido dos professores? ― Então, como eu disse... Eu não me gabo por isso. Mas, tem os seus privilégios. ― Tipo o que? Apoio o meu queixo em minhas mãos, observando Marcus atentamente. Até agora, ele havia sido o garoto mais interessante que eu havia conhecido na faculdade, e pelo visto, o mais legal. ― Tipo o que? Hum... ― Soa pensativo. ― Poder escolher o dia para fazer uma prova. ― Isso é possível? ― digo embasbacada. Marcus ri da minha cara. ― Claro que não! Como você foi inocente, Louise. ― Diz brincalhão. ― Ei! ― dou um tapinha em seu ombro, acabando por rir também. ― Aqui é a faculdade, qualquer coisa poderia ser possível. ― Sim, você tem razão. Mas... Não. Ainda continua sendo uma instituição de ensino onde os alunos devem seguir regras. E essas regras não permitem que o aluno escolha quando quer fazer uma prova. Marcus não conseguia conter a risada. Reviro os olhos. Apesar de ter me tornado uma piada para ele, eu não me sentia uma, pelo contrário, Marcus havia feito eu me “encaixar” no momento e me divertir junto a ele. Pelo visto, aquela aula passaria em um piscar de olhos. (...) Como eu havia dito... Aquela aula passou em um piscar de olhos. Marcus realmente era muito legal. ― Você está livre esta noite? Podemos estudar o tema juntos. Marcus sugeriu ao sairmos da sala após o fim da aula. Ele estava sugerindo estudar comigo? Se bem que... Ter um veterano para me ajudar, não sei uma ideia r**m. ― Ter a ajuda de um veterano em economia, não seria algo r**m. ― Sorri. ― Então, está combinado. Te vejo hoje à noite na sua casa, pode ser? Concordei com a cabeça. ― Ela fica à duas quadras da faculdade, um prédio quase no final da rua. Marcus afirmou com a cabeça e sorriu, seguindo caminho pelo corredor. Eu iria me encontrar com um garoto pela primeira vez... Apenas eu e ele estudando juntos... Eu e ele... No apartamento... Arregalo os meus olhos, paralisando automaticamente.  E Kai?! d***a! Eu esqueci dele! Não acredito nisso! Mas, calma! Calma, Louise! O Kai não passa muito tempo em casa. Então... Quais seriam as chances de ele ficar hoje? (...) Destravei a porta e logo entrei, deparando-me com um Kai esparramado pelo sofá. ― V-Você está aqui? ― arregalei os olhos, assustada. Eu e minha boca grande! ― E onde mais eu poderia estar? ― arqueou as sobrancelhas. ― Você disse que não costuma ficar em casa durante a noite. Já deveria ter saído, não? ― Oh. É verdade. Eu havia me esquecido. Mil desculpas, senhorita. ― Debochou e permaneceu deitado no sofá. ― Não estou a fim de sair hoje. Mas que d***a! Justamente hoje! Por quê?! ― Mas eu preciso que você saia! ― contesto. Kai me lançou um olhar irônico e arqueou as sobrancelhas. ― Só porque me disse para sair... Eu permanecerei aqui. ― Forçou um sorriso meigo. ― Você não está entendendo... ― Aperto os olhos. ― Virá alguém para cá, daqui à pouco. E ele não pode ver você aqui. ― Sério? ― permaneceu transmitindo o seu olhar irônico. ― Já está com namoradinhos, Louise? Reviro os olhos. ― São assuntos da faculdade, Kai! ― E? ― suas sobrancelhas permaneciam arqueadas. ― O que eu tenho a ver com isso? ― Eu estou falando sério, Kai! O Marcus chegará a qualquer momento... A campainha logo toca, interrompendo o meu apelo. ― Ele chegou. ― Olho amedrontada para a porta. ― O que esse nerd veio fazer aqui? ― indagou indignado. ― Você precisa se esconder! ― Eu? O apartamento é meu! ― contestou. Solto um suspiro pesado, tentando lidar com aquela situação pacificamente. ― Você mesmo disse que não queria que ninguém soubesse que estamos morando juntos. ― Mas sabe... ― Sorriu cínico. ― Agora deu uma imensa vontade de todos saberem. É sério?! Ele tinha que ser tão birrento? ― A porta está aberta, Louise. ― Disse Marcus. ― Eu estou entrando. ― Só um momento! ― grito em resposta. ― Por que você tem que ser tão teimoso? ― cochicho para Kai. ― Eu? ― diz cínico, vitimizando-se. ― Não sei do que está falando. ― Você não está facilitando, Kai. ― E quem disse que eu quero facilitar? ― um sorriso atrevido estava estampado na sua cara. ― Você está me enlouquecendo! ― olho ainda mais amedrontada em direção a porta. ― Ou você faz o que eu estou pedindo por bem ou... ― E o que você vai fazer? ― levanta-se do sofá, lançando-me um olhar ousado. ― Minha paciência está se esgotando, Kai. ― É mesmo? ― ri e se inclina, ficando em minha altura. ― E o que você vai fazer, huh? ― soou debochado. Travei o meu maxilar e sem pensar duas vezes, levanto a minha perna para dar-lhe um chute, mas Kai se esquiva. ― Está louca? ― diz frustrado. ― Desculpa! Mas, isso é um caso de vida ou morte! Inclino-me na ponta dos pés e tampo a sua boca. Jogando inesperadamente todo o peso do meu corpo sobre o de Kai, ele desequilibra, caindo no chão. Sento-me em seu colo e permaneço tampando a sua boca. Kai balbucia algo contra as palmas das minhas mãos. Ele estava furioso. ― Eu realmente sinto muito. Mas, não posso deixar que ele te veja. ― Kai se debate embaixo de mim. ― Se você ficar quieto, terminaremos isso o quanto antes! Marcus entra no apartamento. ― Louise? Levanto a cabeça e abro um sorriso nervoso, olhando para ele através do extenso sofá. ― Hey, Marcus! ― Está tudo bem? ― esquivou-se um pouco, tentando entender o motivo de eu estar no chão. Por sorte, as costas do estofado ficavam em direção à porta. Marcus não conseguiria ver Kai caído entre o centro de madeira e a frente do sofá. Um alivio. ― C-Claro! P-Por que eu não estaria? ― Você está... No chão. ― Responde confuso. ― O-O que? Sinto Kai apertar as minhas coxas ― o que me arranca um arrepio inexplicável ―, tentando tirar-me de cima dele, mas pressiono o meu quadril sobre o seu colo, fazendo o seu ato ser em vão. ― Isso? N-Não é nada. É apenas... Uma forma de... ― Aperto os meus olhos por alguns instantes, pensando em alguma desculpa para dizer. ― Deixar o cabelo mais sedoso. ― Digo a primeira desculpa que vem em minha mente. ― Isso deixa o cabelo mais sedoso? ― riu. Faço uma careta ao perceber a porcaria de desculpa que eu havia usado. ― Mas enfim, podemos começar? ― ele ia se aproximando do sofá, o qual eu tentava esconder Kai. ― Não se aproxime! ― grito. ― Quer dizer... Veja! Está uma linda noite. Por que não saímos para caminhar e aí, estudamos? Seria perfeito. Não acha? ― Não é má ideia. ― Sorriu. ― Vá na frente. Eu irei logo em seguida. Tenho que terminar de concluir o meu... ― Suspiro. ― O meu processo para deixar os meus cabelos mais sedosos. ― Sorri nervosa. ― Ok. Eu a esperarei lá fora. Marcus lançou-me o seu último sorriso ― que me deixara hipnotizada por quão belo era ― antes de sair do apartamento. Ele era um cara e tanto... Era inteligente, bonito, gentil... E parecia ser um cavalheiro com as mulheres. Esmoreci os meus ombros, retirando as minhas mãos da boca de Kai e apoiando-as no piso, cada uma de um lado da cabeça dele, ficando ali, entre suspiros semelhantes a apaixonados. Mas logo me dou conta de que Kai ainda permanecia embaixo do meu corpo, e o mesmo olhava para mim com um sorriso ladino. ― O-O que? ― Nada. ― Moveu os ombros. ― Só acho que... "É uma forma de deixar o cabelo mais sedoso", de todas as desculpas... Você realmente disse essa? ― debocha e em seguida ri. ― Fica na sua. ― Reviro os olhos e acabo não conseguindo conter o riso por ter dado aquela desculpa. Nossos olhares se encontraram serenamente, dividindo um momento, onde pela primeira vez, apesar da situação, havíamos compartilhado risos juntos. E por um instante, senti que Kai não parecia ser tão m*l quanto eu imaginava. Senti os seus dedos pressionarem suavemente as minhas coxas, fazendo-me dar conta de que as suas mãos ainda estavam lá. E notar isso, também fez Kai despertar, e rapidamente, usá-las para me derrubar do seu colo. ― Argh! ― resmungo ao cair repentinamente para o outro lado no chão. Kai levantou em quase um pulo. ― Não está na hora de ir encontrar o seu "par perfeito"? ― questionou. De costas para mim, ele seguiu de volta para o sofá. ― Sim. Observei a sua atitude, curiosa. Ele parecia que tinha fugido de mim. Constrangido. ― Tenha um bom estudo! ― diz breve. Levanto do chão e sigo até a saída do apartamento, ainda curiosa. (...) Desci as escadas e me direcionei até o estacionamento. Marcus estava escorado com um de seus pés em um dos pilares que ali havia. ― Desculpe por fazê-lo esperar. ― Digo ao me aproximar dele. ― Já deixou os seus cabelos mais sedosos? ― diz brincalhão. ― Ah! ― ri envergonhada, passando a minha mão por algumas mechas curtas do meu cabelo. ― Está lindo assim. ― Analisou-me com um calmo sorriso nos lábios. ― O-Obrigada. ― Sorri envergonhada. Realmente, ele era muito gentil. O seu olhar desce à planilha de estudos de econometria em suas mãos, analisando-a. E enquanto ele fazia isso, eu praticamente "babava" por ele. Eu jamais havia conhecido um garoto, além de Benjamin, que fosse gentil, bonito e inteligente ao mesmo tempo. Todos os que eu havia encontrado antes dele, eram garotos mesquinhos, principalmente aqueles que me criticavam por eu ter feito um bob cut durante a minha adolescência. Ou simplesmente, por eu não ter interesse em nenhum deles, se achavam no direito de falarem m*l de mim. Mas pela primeira vez, aquele padrão mudou. Eu só espero não estar me precipitando em relação a ele. ― Então, vamos iniciar? ― Oh. Claro. ― Sorri. ― Há um parquinho aqui perto. Podemos caminhar por lá enquanto discutimos sobre a planilha. ― Claro. (...) Caminhávamos pelo parque, tentando conversar sobre o conteúdo que eu estudaria em econometria, mas parecia ter se tornado uma tarefa difícil, porque os assuntos se voltaram sobre nós. ― Benjamin é como um irmão para você? ― Marcus parecia curioso. ― Benjamin é filho da minha tia. Temos apenas dois anos de diferença de idade. E por ele ser mais velho... Praticamente é ele quem decide as coisas por mim. E também... Ele me ensinou a como me defender. A tirar a minha antiga imagem de garota sensível. Hoje, pode-se dizer que eu estou preparada para viver a vida. ― De forma brincalhona, aponto os meus punhos para o alto, simulando um ato de combate ― Cuidado para onde aponta os seus punhos. ― Brinca ao quase acertá-lo sem querer. ― Antes do Benjamin desistir da faculdade de Economia, ele era o único da turma dos "veteranos" a ser gentil comigo. Eu era o mais jovem. Tímido. Amedrontado... Uma presa fácil para a turma deles. Mas... Um ano antes de Benjamin ir embora, ele me fez tomar mais confiança em mim mesmo e... Não me deixar levar por as piadinhas que os outros faziam. Então... Eu tomei um rumo em minha vida e passei a ser mais confiante. ― É o mínimo que ele deve fazer. Ninguém pode tratar alguém m*l. Mesmo que seja o seu pior inimigo. Se você for alguém bom e... fizer tudo certinho, a consciência de quem te quer m*l, pesará e ela perceberá que ela está te arruinando injustamente. Porque você não fez m*l nenhum a ela, e sim ao contrário. ― Aprecio esse modo de pensar. ― Sorriu. ― E os seus pais. O que fazem? Sinto um nó invadir a minha garganta. Eu evitava conversar sobre eles. Porque... Eu sabia que não aguentaria e choraria todas as vezes que eu falasse sobre eles. As imagens do acidente de carro que sofri junto com os meus pais e que tirou a vida deles, vieram à minha cabeça, fazendo-me quase desmoronar-me. ― Você está bem? ― Marcus aproximou-se de mim. ― Está tudo bem. ― Sussurro. ― Foram apenas antigas lembranças. ― Quer contar? Às vezes, é bom desabafar. ― Está tudo bem. Eles estão em um bom lugar, agora. ― Meu tom de voz se tornou fraco e meus olhos arderam, alertando-me de que lágrimas viriam à tona. Marcus estava sem reação, e espontaneamente, a única ― e imprevisível ― reação que ele teve, foi me abraçar.
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