Um contra todos

1750 Words
Foi impossível pregar os olhos na sua primeira noite preso e ciente de que alguém lá dentro já sabia de todo o plano. Mark suou frio durante a maior parte da madrugada só de imaginar que a sua vida corria perigo em tão pouco tempo de missão. O pai de Robert era um traficante foragido e um assassino em potencial, e o seu filho, por mais que não houvesse registros, havia muito provavelmente herdado esses traços, caso contrário não estaria privado de liberdade. Mas o bilhete não parecia ter sido escrito por Lewinski, e sim por outra pessoa em Windfeld que o protegia. Só restava saber quem. Antoine era quem mais conversava com Mark, mas sua personalidade não fazia jus a uma pessoa ameaçadora que protegia o filho de um traficante. O detento que lhe entregou a revista estava bem longe das suspeitas. Seria amador demais imaginar que ele fosse o anjo da guarda de Robert. Era provável que aquele rapaz fosse apenas a mula usada para dar o recado. Então o único suspeito que sobrava era Olivier Blanc. O, não mais desconhecido, irmão de Lewinski que parecia um bobalhão, ou só se fazia passar por um, tinha porte físico para intimidar alguém e poderia muito bem ter mandado o bilhete com facilidade, já que também era um detento da ala Norte. E foi assim, tendo o barbudo como principal suspeito, que Mark se levantou, vestiu o macacão laranja, passou no banheiro e seguiu para o refeitório. Estava cedo, pontualmente às 06:00 horas da manhã e não haviam detentos além dos que trabalhavam por lá. Wolff procurou Antoine dentre os rostos que avistava e não o achou, talvez ele soubesse onde Blanc se encontrava. Decidiu então ir até a porta da cozinha verificar se ele estava lá sozinho como de costume. — Ei, novato! — um homem de cabelos curtos e crespos falou — Onde pensa que vai? — Estou procurando o Antoine. Ao ouvir a resposta, os outros presos se olharam com uma cara debochada. — Tá passando muito tempo com dele, hein! Cuidado, comer aquela b***a pode custar a sua vida — ele continuou e riu com os outros como se fosse uma piada interna. Mark não tinha a menor ideia do que estavam o alertando, mas também sabia que fazer perguntas sérias não daria em nada. A hostilidade com que Antoine era tratado não fazia o menor sentido, já que o francês cumpria prisão perpétua como punição. A menos que houvesse mais detalhes ocultos. — O psicopata tá aí dentro. Boa sorte. Os detentos pararam de lhe dar atenção quando o primeiro grupo de prisioneiros chegou para tomar café. Wolff acionou a maçaneta e entrou na cozinha. — Ah! Oi, Mark — Antoine demonstrava surpresa na voz — Bom dia. — Bom dia... — o alemão respondeu ao fechar a porta e ainda sem avistá-lo. A acústica do cômodo era estranha e não dava para saber onde o francês estava. Mark tomou a liberdade de andar olhando os cantos até que se deparou com uma cena inusitada. O loiro cacheado usava um pano de chão molhado e esfregava uma pequena poça de sangue com vigor. Ele estava ajoelhado nos fundos perto do frigorífico e uma de suas bochechas também estava manchada de sangue. Como detetive, Wolff sabia que aquilo não era uma cena de homicídio, mas mesmo assim era bem macabra. — Por favor, não pense besteira. Foi só um acidente — ele justificou percebendo a tensão no ar. Mark se aproximou e percebeu que o francês tinha uma mão enrolada em trapos e os olhos um pouco avermelhados. Antoine se levantou quando terminou a limpeza, lavou o pano sujo em uma pia também nos fundos da cozinha e finalmente deu atenção ao novato. — Já tomou café? — Ainda não. Vim pra tomar com você — o detetive infiltrado falou um pouco tenso. Antoine não demonstrava ciência de que estava sujo de sangue assim como seu macacão. O francês abriu um sorriso tímido ao sentir que, talvez, tivesse finalmente encontrado alguém para lhe fazer companhia. Wolff não o olhava como os outros. Não havia ódio, medo ou repúdio em seus olhos castanhos esverdeados. Mark não pensou muito antes de tocar o ombro do mais baixo e guiá-lo para mais perto da pia. Ele abriu a torneira, molhou a mão e limpou o sangue seco do rosto. Antoine lhe lançou um olhar agradecido mas não conseguiu verbalizar. O detetive infiltrado o olhava discretamente para tentar descobrir como foi o acidente. O francês tinha uma marca discreta de sola de sapato nas suas costas e a sua mão ferida tremia um pouco. — Antoine… Isso não foi um acidente, não é? Ele percebeu um pouco de desespero nos olhos cinzentos do francês. — Não… — E eles não fazem isso com você só pelo crime que te condenou — deduziu. O francês deu a entender que estava muito nervoso e pensou bem antes de falar. — Eu arranjei um problemão com um detento na minha primeira semana na prisão. Foi em legítima defesa… mas ninguém aqui acredita em mim — o mais baixo fugiu do contato visual tamanha era a sua vergonha — E o pior é que era o irmão de um dos caras mais influentes por aqui. Por isso todo dia eu levo uma surra… Antoine não conseguiu terminar a explicação. Doía demais viver aquele inferno diário e ele não conteve mais o choro. Em toda a sua carreira, Mark nunca sentiu pena dos criminosos que já conheceu. Porém, ali com Antoine foi completamente diferente. — Calma. Um dia isso vai acabar... — Só se eu morrer — ele respondeu sob as mãos que cobriam o seu rosto. — Não pense assim… Olha, eu quero te ajudar a se acalmar, ok? O que acha de trocar essa roupa? — ele sugeriu já que o sangue na peça o incomodava visualmente. — Mas e o seu café? — o francês perguntou ainda choramingando. — Deixa pra lá, estou sem fome. Agora, vamos? Antoine assentiu com a cabeça e aos poucos foi capaz de controlar o choro. Os dois retornaram ao bloco Norte recebendo olhares nada discretos, Mark sentiu que ser visto com o único assassino daquele local poderia trazer-lhe problemas. Mas, naquele instante, a pena que sentia do francês falava mais alto. A cela de Antoine ficava no piso inferior. Mark entrou depois dele e deu uma olhada em volta. Pelo incrível que pareça, não havia nenhum item pessoal além de uma foto presa com fitas adesivas ao lado da cama. Wolff aproveitou que o francês estava ocupado fuçando o armário e andou até lá. A imagem mostrava Antoine de terno, com um belo sorriso no rosto, cabelos mais curtos e uma aparência bem mais saudável. Havia uma mulher com vestido de noiva igualmente alegre nos seus braços e dois casais no fundo da foto que pareciam ser os pais dos noivos. Ficava difícil entender porque alguém que, aparentemente, tinha uma vida perfeita, uma bela esposa e uma condição socioeconômica bem elevada tornou-se um criminoso. — Devo ter esquecido de lavar as minhas roupas, não tem nada limpo por aqui… — o francês murmurou sem saber o que fazer. — Então vamos levar tudo na lavanderia. Eu te ajudo — Wolff se aproximou e empilhou as peças. — Mark, por que está sendo tão legal comigo? Antoine apreciava a sua aproximação com o novo detento, apesar de estranhar o acolhimento. O alemão fez-lhe um gesto e saiu da cela em direção à lavanderia da prisão. — Sinceramente… — ele continuou o caminho — É porque detesto covardia. E, pelo que me parece, aqui dentro é você contra todos. Antoine parou de andar e abriu um verdadeiro sorriso. Era possível sentir sinceridade nas palavras e atitudes de Mark, o suficiente para destacá-lo dos outros detentos. A lavanderia situada no terceiro andar do presídio obviamente estava vazia àquela hora da manhã. Todos os detentos se encontravam no refeitório ou ainda dormindo nas suas celas. Mark deixou a pilha de roupas em uma das máquinas, que eram bem grandes e de modelos antigos, enquanto Antoine foi buscar o sabão em pó. O detetive infiltrado não deixou de perceber que também havia pequenas manchas de sangue nas outras peças de roupa. As agressões realmente pareciam ocorrer todos os dias e Mark sentiu-se aflito só de imaginar aquilo se repetindo durante dois anos. O loiro cacheado retornou e depositou certa quantidade do produto. — Aproveita e lava logo esse macacão — sugeriu Wolff. — Mas é que eu não tenho outra roupa para colocar enquanto isso. — Não tem problema. Estamos sozinhos aqui. O francês, mesmo sentindo-se vulnerável, acabou cedendo. Ele removeu as botas e pôs o macacão e a camisa que vestia por baixo na máquina, ficando apenas com uma cueca branca de uma marca chinesa. Em seguida inseriu o seu cartão de identificação num sensor acoplado à máquina e apertou um botão para dar início ao processo. Não era necessário ser muito observador para saber que Antoine estava completamente desconfortável. O loiro cacheado segurava os braços como se estivesse com frio, mantinha os ombros encolhidos e não tirava os olhos da tampa da máquina. Wolff o olhou sem ser notado e, como já esperava, avistou um ferimento exatamente onde estava a marca de sola de sapato no macacão. O francês havia provavelmente levado um chute ou sido pisado antes mesmo das seis da manhã e Windfeld se mostrava mais c***l a cada detalhe oculto descoberto. O processo de lavagem até a secagem demoraria meia hora. Antoine parecia entretido vendo as suas roupas se molhando enquanto Mark já estava entediado após cinco minutos. Ele deu uma segunda olhada para o loiro seminú ao seu lado. Antoine era magro e não parecia ser o tipo de preso que passava tempo na academia. Seu corpo era bem regular, sem músculos definidos e sem tatuagens, Mark ainda notou hematomas antigos que variavam de cor e uma pequena cicatriz abaixo das costelas. Desta vez o francês percebeu os olhares e afastou-se um pouco. As memórias de um incidente ocorrido há dois anos invadiram a sua mente e ele coçou a nuca tentando dissipar a tensão. Um silêncio constrangedor acompanhou os dois até o fim do processo de secagem, quando Antoine se vestiu, pegou os seus pertences e despediu-se de Mark. Wolff não lhe deu muita importância, até porque o francês estava sempre tenso. Decidiu então seguir com o que já havia planejado fazer naquele dia.

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