Capítulo 1
JADE NARRANDO
Roni — Vai logo! Arruma tudo temos que sair daqui agora! — Meu pai chegou correndo em casa, todo nervoso.
Rubi — Mas ...
Roni - Mais nada, só faz o que eu tô mandando. — Ele disse e saiu e nós começamos arrumar tudo.
( ... )
Agora estamos saindo da onde moramos por tanto tempo, para ir morar no morro, parece que o meu pai aprontou alguma coisa aqui e foi expulso da comunidade onde morávamos, mas não tenho certeza.
A minha mãe é cigana e estava com a data marcada para se casar com um cigano da comunidade, mas ficou grávida do meu pai. Quando os pais dela descobriram que o pai do seu filho mais era um gaje ( um homem que não pertencia à comunidade cigana ), eles a expulsaram de casa.
Ela era muito nova e não tinha condições de cuidar de um recém-nascido, então implorou para que os seus pais cuidassem do seu bebê. Três anos depois, ela engravidou de mim.
O que dizer de mim? Dizem que tenho uma beleza inigualável, e onde quer que eu vou, chamo atenção, mesmo sem querer. Não só pelas minhas vestes ciganas, mas pela minha beleza que dizem ser exótica, nunca entendi muito bem essa parte, então sempre deixei para lá e apesar das pessoas me olharem de forma diferente por causa das minhas roupas, eu não me importo.
Tenho um sonho: casar com um cigano como eu e construir uma família.
( ... )
Já está de noite, está bem tarde. Não entendo por que tivemos que sair de casa tão tarde. certeza que meu pai foi expulso, mas será que eles não podiam ao menos esperar ficar de dia? Como não temos muitas coisas, o carro de mudança não precisou ser grande e foi mais fácil achar um caminhão nesse horário tão tarde, e também porque só trouxemos o essencial.
Estou sentada no banco de passageiro com a minha mãe e o pequeno Ravi, que está dormindo no meu colo.
Jade — Por que temos que morar nesse lugar, mãe? Parece pior do que o antigo lugar onde vivíamos — pergunto, enquanto o caminhão de mudança sai da pista e se aproxima do morro.
Rubi — Jade, olha como você fala. O seu pai disse que esse lugar é seguro. Não podemos sair falando assim dos lugares, respeite o local, não foi essa educação que te dei. — A minha mãe responde, ignorando a minha pergunta.
Jade — Tá mãe, mas o meu pai parece louco. Por que tivemos que nos mudar do nada? O que exatamente ele aprontou para sermos expulsos? Eu gostava do lugar onde vivíamos, tinha amigas lá, e a nossa família cigana vivia perto de onde morávamos, mesmo que não temos contato, eles estavam perto. — falo, olhando para fora.
Eu sei que a minha mãe não gosta que eu falo da nossa família cigana, principalmente depois que ela porque ela foi expulsa da comunidade por engravidar do meu pai. Mas ela sabe o quanto eu desejo ter contato a minha avó, meu avô, meus primos, minhas tias e, quem sabe, até o meu futuro marido.
Desde que eu me entendo por gente, minha mãe não deixou que eu tivesse contato com a família dela, com medo de eu ser rejeitada por ser filha de um homem que não é cigano. Já vi os meus avós de longe, mas nunca pude me aproximar.
O único contato com a família que eu já tive foi com uma prima e com o meu irmão mais velho, eles me ensinaram algumas coisas. A Eika me deu algumas pedras e ervas medicinais, mas minha mãe não pode saber disso.
Todos os dias, quando ia para o colégio, eu passava quase em frente à comunidade cigana da minha família. Foi assim que conheci a Eika. Ela é muito doce e falava bastante da família da minha mãe. Ela tem a minha idade e já é casada. Foi daí que surgiu o meu desejo de casar com um cigano como eu. O meu irmão também me ensinou algumas coisas. Sempre que ele passava no meu colégio para me ver, aproveitava para da em cima das minhas colegas.
Uma coisa que acho injusto é que os homens ciganos podem se envolver com mulheres que não pertencem à comunidade cigana, mas se as mulheres ciganas fizerem isso, são deserdadas.
A minha mãe também não sabe que eu tenho contato com o meu irmão. Ela ainda sente a dor de ter entregado ele aos meus avós, e se culpa muito por isso.
Rubi — Eu já falei para você não tocar nesse assunto, Jade. Você sabe muito bem que o seu pai não gosta — A minha mãe fala, me tirando dos meus pensamentos.
Como sempre, a minha mãe só faz o que o meu pai manda. Ela tem medo dele, mas quando digo isso, ela fala que é respeito, que ela deve respeitar o seu esposo.
Roni — EU ESTOU OUVINDO VOCÊ, JADE. E QUANDO EU SAIR DAQUI, VOCÊ VAI TER A LIÇÃO QUE MERECE! — O meu pai grita batendo no fundo do caminhão.
Eu tinha até esquecido que o meu pai estava com a gente, ele teve que vir no fundo do caminhão, já que na frente não tinha espaço.
Jade — Eu estou certa! O senhor saiu de lá sem nem perguntar se eu queria. Então, tenho o direito de questionar — falo, chateada.
Eu sou a única que enfrenta o meu pai, porque a minha mãe não tem coragem. Não sei por que, mas mesmo ela dizendo que é respeito, eu sei que ela tem medo dele.
Rubi — Jade!— A minha mãe me repreende. E eu reviro os olhos toda vez que ela faz isso. Minha mãe sabe que eu não tenho medo do meu pai, apesar dele ficar agressivo às vezes.
O caminhão freia bruscamente e minha mãe pergunta:
Rubi — Por que o carro parou, moço? — A minha mãe fala, olhando para o motorista, que está com uma expressão assustada enquanto olha para fora.
Sigo o seu olhar e fico igualmente assustada ao ver vários homens armados apontando vários fuzis na nossa direção.
XXX — DESCE DA PORRÄ DO CARRO! — Um homem grita, batendo com a arma no vidro que está só um pouco aberto.
Roni — O que está acontecendo aí? Por que o caminhão parou? Já chegamos no morro? — O meu pai pergunta do fundo do caminhão.
O rapaz que bateu no vidro está com um rádio na mão. Então uma voz grave e masculina ecoa no rádio, me arrepiando.
XXX — Que porrä está acontecendo aí, Frajola?
Frajola — Chegou um caminhão aqui na entrada do morro, mas já paramos. Vamos averiguar agora — o homem responde, olhando para mim.
XXX — Manda todo mundo descer dessa porrä. Se não descerem, mete bala em todo mundo — Ao ouvir a voz do rádio dizer isso, olho assustada para minha mãe, que segura a minha mão e olha para o Ravi, ainda dormindo no meu colo.
Frajola — Tem uma criança no carro e duas mulheres, Guerreiro. — o homem diz no rádio.
Guerreiro — Eu já falei, porrä! Se não descerem do caminhão, mata todo mundo. Sou eu que mando nessa porrä! — a voz ordena, e eu fico horrorizada.
Que tipo de homem é esse, capaz de mandar matar uma criança? Eu não quero ficar nesse lugar.
Rubi — Por favor, moço, não faça nada com a gente. Meu marido tem família aqui, ele está no fundo do caminhão. Por favor, não faça nada com os meus filhos — A minha mãe pede desesperada.
Ela abre a porta do caminhão e desce. Em seguida, pega o Ravi do meu colo e me manda descer também.
Rubi — Não precisa ter medo, querida. Nada vai acontecer com a gente, eu prometo — A minha mãe fala baixinho, olhando para mim.
Eu amo a minha mãe. Ela é minha melhor amiga, e posso confiar nela. Já com o meu pai, é outra história.
Depois de entregar o Ravi para minha mãe, desço do caminhão e percebo os olhares dos homens pra mim. Talvez seja por causa das minhas roupas ciganas, ou pelo meu cabelo grande, que está solto. Normalmente eu deixo preso, mas saímos às pressas, e eu nem tive tempo de prender.
Frajola — Guerreiro, tá me ouvindo? — O homem pergunta sem tirar os olhos de mim.
Guerreiro — Fala logo, Frajola, que a Karla chegou aqui na boca, doidinha pra me dar caralhö! — Fico morta de vergonha com o que a voz que sai do rádio fala.
Frajola — Elas são ciganas — Ele fala, ainda me encarando. Já estou me sentindo desconfortável.
Guerreiro — Não quero porrä de cigano no meu morro. Segura aí, que estou descendo!
O meu pai começa a bater no fundo do caminhão, e os homens olham para a gente, apontando as suas armas pra gente.
Frajola — Quem está no fundo? Se for emboscada, vocês estão mortas!
Jade — A minha mãe avisou que o meu pai estava no fundo do caminhão, você que não prestou atenção! — falo, olhando diretamente para o homem, que não tirou os olhos de mim desde que desci do caminhão.
Rubi — Jade! — A minha mãe me repreende mais uma vez. Realmente as vezes, falo além do necessário.
Frajola — Fiquem de olho nelas. Qualquer coisa, podem meter bala. Ordem do Guerreiro — ele diz, indo em direção ao fundo do caminhão.
Ouço o som da porta do caminhão sendo aberta. Minha mãe me olha, e eu olho para ela.
Jade — Será que vão fazer alguma coisa com a gente, mãe? — pergunto, olhando para o Ravi, que ainda está dormindo. Nesse momento, eu só queria ser uma criança novamente.
Rubi — O primo do seu pai mora aqui. Pelo que ele falou, ele tem voz nesse lugar. Quem sabe não temos sorte dele aparecer aqui e nos ajudar. — A minha mãe fala, baixinho próximo do meu ouvido.
Frajola — Eu não acredito que é você Roni que porrä você tá fazendo aqui, cara? — Escuto o homem falando com o meu pai. Será que ele é o nosso primo?
Roni — Tô de volta na minha área — O meu pai responde, vindo na nossa direção, acompanhado pelo homem.
Frajola — Abaixem as armas. Ele é meu primo, e essas aí são a família dele — o homem diz, guardando a arma .
Sinto um alívio imenso quando ele fala isso, e vejo no rosto da minha mãe que ela sente o mesmo .
Então escuto o barulho de uma moto bem potente se aproximando, os homens olham para a subida do morro e eu também olho e vejo uma moto em alta velocidade descendo .
Dou um passo para trás quando percebo que o homem está vindo na minha direção, fecho os meus olhos quando escuto o som da moto chegando perto, então o meu coração começa a bater forte no meu peito quando o homem para a moto quase em cima de mim.
Guerreiro — QUE PORRÄ VOCÊS ESTÃO FAZENDO NO MEU MORRO UMA HORA DESSA? SORTE DE VOCÊS QUE EU NÃO ESTAVA AQUI PORQUE SENÃO VOCÊS ESTARIAM MORTAS! — O homem fala em cima da moto olhando para mim, e eu sinto algo muito estranho quando ele me encara.