Um ômega empoderado

2880 Words
— Gabi! Está indo para o treino? Gabriel virou a cabeça sobre o ombro encontrando os olhos maquiados de Sadie, brilhando intensamente para si. Não sabia lidar com a euforia da garota quando ela se jogava em suas costas e se pendurava. Parecia imobilizá-lo completamente. — Sim, apesar de já estar atrasado. Esqueci dos tênis que ganhei dos meus pais esses dias, então voltei pra pegar. — Esquecidinho você, hein. Mas parece que agora não teremos tanto tempo juntos... Quero dizer, da gente sair em galera igual aquele dia. O alfa sorria gentilmente para a garota, que finalmente o soltara do apertado abraço, conseguindo caminhar pelos corredores da escola pra sair do prédio. Carregando o par de tênis novinho, ele tentava olhar seus detalhes só pra fugir do olhar intenso de Sadie. Era um incômodo lidar com garotas como ela. O cheiro que emanavam deixavam claro suas intenções. Sempre deixavam rastros propositalmente. Bem... Não a culparia por se manter esperançosa, na tal festa eles haviam se beijado. Foi um desafio, uma mera brincadeira, mas Sadie gostava de Gabriel e ele sabia disso. Desvencilhar dos seus sentimentos era uma tarefa difícil. — Com as eliminatórias acontecendo é melhor evitar. O capitão já ficou doente, e o técnico provavelmente vai pegar no nosso pé. — O chatonildo ficou doente? — Questionava ela em falsa inocência. — De novo? Será que é algo contagioso? — Deve ser um resfriado. Imediatamente Sadie formara uma careta, se tremelicando toda. — Credo! Isso é perigoso, e se alguém pegasse isso? Que azar do nosso time. Naquele ponto ela tinha razão, ponderava Gabriel. Não entendia ao certo o que poderia ter acontecido com Nicolas, mas Theodore dissera ser causada pelos tais adesivos. Sendo assim, era desnecessário temer que todo o time pegasse um resfriado. Deveria se cuidar para evitar tais cenários. Principalmente quando todo o time estava sedento pela vitória. — Seria bom evitar mais contágio... Aquele assistente deveria ser barrado do ginásio, com certeza ele deve ter pego algo do namoradinho dele. Gabriel congelara no lugar, encerrando os seus passos. Os olhos castanhos foram diligentemente pousados na garota que continuava a caminhar na sua frente, completamente alheia da aura intensa que surgia atrás. Torcia, e muito, para que Sadie não estivesse falando de Theodore. Quando Sadie percebera a sua ausência, parou e virou-se para trás o encarando. — O que foi, Gabi? Contenha-se! Theodore havia pedido mais cedo para agir naturalmente. — Foi nada. — Custara a dizer, quase mordendo a língua. Voltando a caminhar pelo pátio para seguir até o ginásio, passando pelas tabebuias folhosas, Gabriel sentira o cheiro adocicado que adorava apreciar. Os olhos castanhos varreram em sua volta buscando o dono daquele cheiro, tendo um sorriso prestes a surgir em seus lábios quando encontrara Theodore. Mas o seu sorriso morrera logo em seguida. A fisionomia do ômega estava tensa, com os ombros enrijecidos parecendo conversar com alguém. Conversar não, pois a boca de Theodore não se movia, ele apenas escutava. Imediatamente o alfa quis saber com quem o rapaz conversava, encontrando a figura de Thunder irritado. Sadie mais uma vez percebia que o rapaz não a seguia, e quando olhara na mesma direção, apressou-se em agarrar o braço de Gabriel. — Venha! Não disse que estava atrasado? — O alfa, no entanto, não se movera. Continuou a observar aquela conversa até assistir Thunder empurrar o ombro de Theodore. Gabriel dera dois passos quando fora impedido pela garota. — Não se meta nisso, Gabi! — Como é? — Pedi que o Thunder conversasse com ele. Tenho certeza de que foi ele quem escreveu aquela história. Gabriel fechara os olhos por um momento. Theodore o avisara da suposta história circulando pela comunidade do Orkut, quando se encontraram antes da aula. Claro que acalmara o ômega assegurando não ser abatido pelos comentários ofensivos, seria necessário muito para derrubá-lo. Aguentar olhares e cochichos era tranquilo. Mas aguentar alguém ser agressivo com Theodore... Era outra história. — E por que precisaria saber quem escreveu aquela história? — Questionava o rapaz com a voz rouca, apertando os tênis novos em suas mãos contendo sua raiva crescente. — Por acaso ela fala sobre você? Sobre Thunder? — Não, mas fala sobre você. — Por acaso eu pedi ajuda? Sadie afrouxou o aperto no braço de Gabriel, sem desviar os olhos daquele semblante frio que surgia no lugar do seu caloroso sorriso. Tão acostumada a ver o lado cavaleiro do rapaz, sempre sorridente e respeitoso. Onde fora parar? Por que havia uma pessoa com o rosto parecido com o dele, olhando tão friamente para ela? — Não pediu, mas você é meu amigo. Quero apenas te ajudar. Parecendo respirar fundo para se acalmar, Gabriel virou a cabeça para Sadie. — Me pergunte primeiro, Sadie. Isso não é altruísmo, é egoísmo. Soltando-se do aperto de Sadie, Gabriel marchara até os dois rapazes que tinham uma conversa acalorada. O alfa apressara os passos quando o punho fechado de Thunder se erguia anunciando a agressão prestes a surgir. Sem pensar em mais nada, focando apenas em proteger aquele ômega que lhe era tão importante, Gabriel deixava os seus instintos tomarem controle de sua consciência. O cheiro predominantemente alfa sobressaía com louvor, retardando Thunder quando farejou o ar e olhara em sua direção. Fora a vez de Gabriel em fechar os punhos e acertar um sonho na barriga de Thunder, o obrigando a retroceder alguns passos. O braço do alfa envolvera os ombros de Theodore, que tremia paralisado, o abraçando contra seu peito. No gramado do pátio, sentado acariciando a própria barriga dolorida, Thunder encarava aquele alfa que parecia ser a encarnação do próprio d***o o fuzilando com o olhar com certa dose de desprezo. — Gabriel! Qual é a tua, mano? Tá de s*******m? Lentamente Gabriel suavizara seu rosto, vestindo a máscara costumeira que deixavam as pessoas confortáveis consigo. Até mesmo ousara diminuir seu cheiro, apesar de manter a presença de alfa. Uma pequena faca apertada contra o pescoço daquele outro alfa que era Thunder. — O que está fazendo Thunder? Temos que treinar. — Tu me deu um soco, cara! — Só assim pra você voltar. — Soltando Theodore para puxá-lo atrás de si, Gabriel agachou-se na frente de Thunder apontando para o rapaz — Você parecia prestes a perder o controle, imagina o que poderia acontecer se você deixasse os seus instintos saírem desse jeito? Thunder piscava aturdido, olhando para as próprias mãos que estavam quentes. Movia os dedos sentindo-os engessados, tão duros quanto pedras, o assombrando por completo. — Meu c*****o! Essa foi por pouco! O sorriso de Gabriel crescia em pura malícia, tão somente percebida por Theodore que o encarava ainda petrificado. Thunder estava convencido, por tão pouco, de que quase perdera o controle do próprio instinto. De fato, o seu cheiro estava intenso pouco antes de Gabriel chegar, a raiva era nítida em seus olhos, mas não chegava nem perto de ser como o outro dissera. — Não é? Tem que tomar cuidado com isso, ouvi dizer que a diretoria daqui é bastante rígida sobre brigas. Thunder engolia em seco assentindo diversas vezes. Gabriel estendera a mão ao colega de time, que a segurou para se levantar. Abraçando seu ombro para levá-lo até Sadie, que se encontrava parada ainda no mesmo lugar, Gabriel simplesmente virara a cabeça sobre o ombro dando uma piscadinha para Theodore, deixado mais para trás. O segredo de estarem ficando permanecia a salvo. Não levantara suspeitas sobre seus ciúmes, e ainda evitara que Theodore saísse machucado. Gabriel, certamente, era alguém astuto. 「 • • • 」 Theodore se ausentara do treino naquela tarde. Preferia assim, pois as proporções da dita história estavam ficando grandes demais. Lilian havia dito que tomaria cuidado com o assunto, evitando escrever sobre outros estudantes para não jogá-los naquele redemoinho. Contudo, o que mais temia estava a acontecer. Mas de um jeito estranho. Imaginara que o grupo de Sadie o tomaria como autor daquela história. Afinal ele era o protagonista e par romântico de Gabriel. Seria lógico chegar nessa conclusão. Só não esperava que o grupo de Sadie tomasse o alfa como uma vítima de sua tentativa de sedução. Ora essa, não deveriam olhar torto para Gabriel e enchê-lo de perguntas? Ou então mudar a forma como tratavam? Não fora assim que acontecera consigo? Que mundo injusto... Apesar de ser um alívio que Gabriel tenha amigos que se importam consigo. Se Theodore fosse ao treino naquela tarde, imaginara que o time não ficaria a vontade com sua presença. E sem Nicolas por perto, era um tanto quanto amedrontador encarar os atletas. Preferira ficar na sala de aula esperando Gabriel voltar. Gabriel... Olhando o céu alaranjado daquela terça-feira inundar seus pensamentos, o ômega se lembrava da sensação que sentira mais cedo. Nunca se sentira daquela maneira com o alfa, o que por si só já o deixava com um pé atrás. O que foi aquilo que viu? Não houvera um momento se quer que Thunder parecera perder o controle de seus instintos. Muito bem pelo contrário, estava conscientemente com raiva de Theodore e queria machucá-lo com um soco. No entanto, Gabriel lhe salvara contando aquela mentira tão descaradamente. Com aquele sorriso ainda por cima. Sua pele se arrepiava por completo, tendo o ômega acariciar o próprio braço sentindo um frio subir em sua coluna. Conversaria com Gabriel sobre isso mais tarde. Um cheiro adocicado e feminino fora captado por seu olfato. Virando a cabeça, Theodore deparou-se com Sadie encostando a porta enquanto o olhava seriamente. — Podemos conversar um pouco? O que mais teria de ver naquele dia? Os Mckenzie, por acaso, tinham feito algum pacto para conversas particulares? Já tivera a sua cota antes mesmo das aulas começarem. Para ser sincero consigo mesmo, Theodore nunca conversara com Sadie em particular. Nicolas nunca deixava-o sozinho, pois temia que a garota tentasse erguer suas garras e empurrar Theodore em um precipício. Raiva e motivos ela teria de monte para fazê-lo. — Se for sobre a história do Orkut, nem gaste seu tempo. Não fui eu. Sadie abrira um sorriso ladino enquanto caminhava silenciosamente até a carteira mais próxima de Theodore, onde se encostara e cruzara os braços. — Tentei de todas as formas deixar claro as minhas intenções, mas parece que nada deu certo. Então, resolvi ser mais direta. — O que é? — Fique longe de Gabriel. Theodore expirara lentamente, já sentindo seu corpo todo aquecer em frustração. Por que seu corpo sempre reagia daquela forma quando o assunto era Gabriel? O deixando nervoso e inquieto como uma formiga no meio do formigueiro. Desviando os olhos claros para a janela, apoiou os pés na cadeira da frente adotando uma postura mais relaxada. Apesar de seu intenso vulcão interior estar em erupção. — Não vou parar de falar com uma pessoa que gosto, só por você se sentir incomodada com isso. — Nós dois sabemos que nós gostamos dele. Romanticamente falando. O olhar afiado de Sadie pegara Theodore desprevenido. Seus sentimentos estavam tão estampados assim? Engolindo em seco, o ômega se recusara a perder a compostura para aquela garota. — E daí? — Eu já estou ficando com o Gabriel. — Dizia Sadie sem desviar os olhos de Theodore, apesar de haver certa calma em sua voz. — Estamos juntos desde a festa da Fabi. A festa da suposta foto, Theodore se recordava. É claro que não esqueceria aquela dolorosa foto publicada no Orkut. Depois daquele dia a sua vida mudou bruscamente, pois Gabriel o procurara loucamente para desmentir os rumores. Ou achava que era para desmentir. — Estão é? E o que isso teria a ver com a história? — Esses boatos não vão fazer bem pro Gabriel, porque o time irá pensar que ele é igual a você. Não acha que isso vai atrapalhar os treinos? Theodore arqueava a sobrancelha, apoiando os cotovelos sobre os joelhos. — O time de vôlei não é igual a você, Sadie. — O resto da escola não é igual a você, Theodore. Só você é desse jeito. Só você gosta do que gosta. Só você acha isso normal. Não se deixe cair! Não mostre sua vulnerabilidade! Fique atento! Os pensamentos de Theodore precisavam ser fortes alicerces para aquele desmoronamento. Se havia algo que aprendera com todos os romances que costumava ler e assistir, era de que a mocinha precisava ter provas concretas antes de tomar qualquer atitude. Era doloroso ouvir aquelas palavras. Já havia observado que os dois juntos ficavam bem, parecia um casal bonito digno de um livro de romance. O mais esperado era Gabriel escolher Sadie ao invés dele. Theodore se quer ousava colocar a si mesmo para competir com a outra ômega. Não por se considerar menos bonito ou algo do tipo. Mas sim, por imaginar que o resultado seria óbvio. Ninguém torceria para Gabriel ficar consigo. Tais ideias eram dolorosas facas que mergulhavam suas lâminas em cada sentimento precioso que cuidava. Apaixonar-se por alguém era uma via de mão dupla. Dar e receber. E naquele momento, Theodore recebia dor. Contudo, uma dor irreal. Era a palavra de Sadie contra a palavra de Gabriel. Um dizia que estavam ficando, outro dizia que não. A única verdade que Theodore poderia confiar era de que ele estava ficando com Gabriel. O resto era uma incógnita. Só precisava saber mais um pouco. Mais informações. — Vamos supor que suas baboseiras tenham algum sentido... O que isso teria a ver com você? — Eu e Gabriel estamos ficando a um bom tempo e pensamos sobre darmos um passo. Se o time souber que estamos namorando, então ele não será afetado pelos boatos. Independente da história ter sido escrita por você ou não. Havia lógica, percebia Theodore, nas palavras de Sadie. Um tanto quanto interessante imaginar que a garota fanática pela novela mexicana rebelde, teria pensado em algo útil. Não que os fãs de tal novela fossem considerados burros. Theodore só achava aquilo de Sadie. Até então. Infelizmente estava travando uma batalha direta com a garota. Sem ninguém para o auxiliar. Seria essa a chance única de tentar se virar sozinho, e provar para si mesmo de que era capaz? Deveria deixar Sadie dizer tamanhas baboseiras sobre Gabriel? Como o seu melhor amigo agiria em momentos como aqueles? Um sorriso calmo surgia no rosto de Theodore, ao apoiar o queixo na palma da mão. — Então faça isso. Pela primeira vez, desde que começaram aquela odiosa conversa, Sadie Mckenzie arregalava os olhos cobertos de surpresa. Até seus braços se descruzaram e se desencostara da carteira completamente incrédula das palavras que acabara de ouvir. — Espera... O que disse? —Se é verdade, então namorem logo. — E é verdade. — Então faça isso. Espreitando os olhos desconfiada, Sadie voltara a cruzar os braços e erguera o queixo petulantemente para Theodore. Ficara a exatos três passos do rapaz, que não desfizera sua postura relaxada e nem o sorriso. — Está aprontando alguma coisa? Ou acha que ainda vai conquistá-lo? — Nunca vi vocês estarem próximos como diz estar. Não andam de mãos dadas, ele não a beija. Te trata como uma amiga. Se há algo entre vocês, então demonstre. Então me retiro da batalha. — O que te faz pensar que todo casal precisa ficar desse jeito? — Eu sei que você precisa, porque sempre foi assim. Você é popular Sadie, todos te observam. Todos sabem que você faz questão de exibir quando está com alguém. Não existem motivos para ser discreta com Gabriel. O jeito como ela retrocedera alguns passos dera certeza a Theodore de que a atingira. Atingira em cheio. Ela estava blefando. Jogar um desafio daqueles sobre o colo de Sadie também o deixava em risco, pois existia alguma chance de Gabriel realmente namorá-la. Caso acontecesse, o mundo de Theodore desabaria dramaticamente e seu coração ficaria despedaçado. Provavelmente perderia a confiança em amar novamente, pois julgaria que o amor não era para ele sentir e sim para apreciar nos outros. No entanto, havia a chance de nada daquilo acontecer. E no final das contas, Gabriel continuaria consigo provando que Sadie estava mentindo. Apesar de Theodore sentir em seu âmago que Sadie Mckenzie faria de tudo pra vencer. Principalmente vencê-lo. Isso tudo sem que ela soubesse do lance entre Theodore e Gabriel. — Gabi pediu isso é claro, porque ele sabe que você gosta dele. Veja como ele é gentil, Gabi tem receio de perder a sua amizade. — Oh... Devo agradecê-lo por isso mais tarde, nesse caso. — Faça isso. De toda forma, iremos oficializar a nossa relação diante da escola. Espero que tenha lencinhos o suficiente pra enxugar as suas lágrimas, pequeno Theo. Quando Sadie deixara a sala, e o eco de seus sapatos finalmente desapareceram, Theodore relaxara na carteira sentindo todo o seu corpo tremer. Eram como se suas pernas e braços se transformassem em maria mole, incapazes de sustentá-lo. O coração batia a mil, preenchendo a sala vazia com o seu cheiro. Fora ousado como jamais fora em toda a sua vida. Pela primeira vez sobrevivera a um ataque direto dos Mckenzie sem a ajuda de Nicolas para lhe proteger. E ainda fora audacioso em desafiar Sadie, tendo Gabriel como o bola da vez daquela partida. Bagunçando os cabelos loiros, o rapaz suspirava pesadamente aproveitando a energia intensa de um ômega empoderado.
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