Era uma sexta como qualquer outra. Eu estava na fila do caixa do mercado da minha rua, esperando a minha vez quando eu o vi pela primeira vez. Senti o ar sair dos meus pulmões e o meu corpo responder imediatamente ao que eu estava vendo. Ele era completamente diferente de todos os caras que eu já tinha visto na vida. Ele não era apenas lindo. Ele era elegante, sério e deslumbrante. Alto, forte e estava muito bem vestido. A gravata estava solta no pescoço, típico de um homem cansado em uma sexta à noite. O terno dele moldava o tamanho do seu ombro e dava a ele um ar de poder. Ele tinha os olhos pretos como a noite e a barba estava por fazer, ressaltando o desenho da sua boca, que era carnuda. Ele olhou fixamente para mim até eu me dar conta que era a próxima no caixa. Perdi completamente a noção do tempo e do que eu estava fazendo. Coloquei na esteira meus itens mecanicamente e esperei a atendente passar os itens. Ele estava próximo, logo atrás de mim na fila, mas não falou comigo. Me olhou diretamente enquanto eu tentava desesperadamente não olhar para ele. Eu sentia no ar a tensão daquele corpo. Ele estava muito perfumado e resisti ao impulso de chegar mais perto para identificar o perfume. Era amadeirado com um toque cítrico no final. Aquele cheiro misturado ao cheiro do corpo dele mexia com os meus sentidos. Eu provavelmente sonharia com aquele homem. Assim que a atendente ia pegar o meu último item, o meu vinho branco favorito eu quase desmaiei ao ouvir a voz dele:
- Esse vinho é uma indecência. A forma como ele explode na boca, cheio de aromas e sabores conflitantes, me deixa completamente envolvido. - Pisquei algumas vezes tentando processar o que ele havia falado. A atendente parou com a garrafa no alto, antes de passar no caixa. Ficamos as duas observando a expressão penetrante dele para a garrafa. E então ele me olhou nos olhos, e o olhar dele era… hipnotizante. Ele sorriu timidamente e eu não conseguia me mexer.
- Concorda? - Era comigo mesmo que ele falava. Eu não tinha condições de responder de tão perdida no tesã0 que aquele homem era. Assenti com a cabeça e com toda a força que encontrei olhei para a atendente que ainda estava em frenesi.
- Quanto deu? - Perguntei para ela, sentindo a minha voz falhar. Ela levou um segundo para me olhar e responder. Paguei rapidamente, pegando as sacolas sem conseguir respirar direito. A forma sensual que a voz dele me atingiu fez meus sei0s endurecerem até os bic0s.
- Boa noite. - Consegui dizer, antes de quase sair correndo. Ouvi um boa noite de longe, mas a porta do mercado já tinha fechado o que impediu daquela voz me alcançar. Caminhei pela noite fria com mais velocidade que o normal. A tensã0 ainda percorrendo o meu corpo. Eu estava quase em casa quando me permiti revisitar a cena que tinha acabado de acontecer. A forma que ele falou foi quase sensu4l. Era um verdadeiro convite para saborear algo que eu não deveria. Se eu fosse um pouco mais segura poderia ter retribuído o flerte e quem sabe aquilo poderia dar algum resultado. Mas pensando bem, um homem daquele não olharia para mim. Logo eu, sem graça. Minha beleza era comum perto da maioria. Eu passava despercebida em uma multidão com facilidade. Ele foi apenas gentil.
Parei no portão de casa e suspirei com a incredulidade do que imaginei que aquele homem poderia querer. Já deixando para trás qualquer esperança de que ele tivesse flertado comigo. A opinião dele sobre o vinho era apenas isso, uma opinião. Virei a chave e ouvi um carro parando na porta antes que eu abrisse o portão. Eu conhecia aquele carro. Impaciente virei. O velho peugeot preto estava parado na minha porta e o babac4 do meu ex já saltava dele.
- Oi minha doçura. - Virei os olhos.
- O que você quer Gerson? - Fazia dois meses que eu tinha rompido com ele, depois de descobrir que ele era qualquer coisa menos fiel a mim. Depois de 2 anos de relacionamento descobri uma traição depois da outra. Ele me pediu perdão e depois de algumas semanas me traiu de novo. Ficamos nesse ciclo quase um ano, até que ficou insuportável olhar para ele.
- Vim te ver. Estou com saudade. - Ele chegou perto e percebi que estava bêbado.
- Eu fui bem clara quando falei que não queria te ver nunca mais.
- Você não sabe o que quer doçura. Sente a minha falta, eu sei.
- Não sinto, não quero te ver. Vá embora! - Abri o portão e ele me puxou pelo braço.
- Preciso de mais uma chance, você me largou sem motivo, Clara.
- 22 traições é pouco motivo Gerson? Pelo amor de Deus. - Tentei me desvencilhar, mas ele firmou a mão no meu braço.
- Eu queria me aventurar. Fui um otári0 com você. Eu mudei, juro.
- Eu não acredito. Me solta, que inferno! - Empurrei ele com toda a força que consegui, sem sucesso. Ele sempre foi mais forte que eu, e quando estava bêbado perdia completamente a noção das coisas.
- Eu não vou soltar. Eu sei que você me quer, que esta louca de saudade. - A raiva subiu de uma vez pelo meu corpo e subi o joelho no meio das pernas dele com toda a força que consegui, acertando ele em cheio no sac0.
Ele urrou de dor na mesma hora me soltando e dando vários passos para trás.
- Saia daqui, não volte mais. - Virei em direção ao portão para entrar quando ele me puxou com mais força, agora pelo ombro.
- Você acha que vai me machucar assim e vai sair numa boa? Sua v4dia. - Ele forçou com tudo a mão no meu cabelo e senti o pânico me atingir com toda a força. Ele iria me machucar.
- Solta ela, agora. - Uma voz familiar chegou até mim como um verdadeiro salvador. Gerson virou sem me soltar olhando quem nos interrompia. - Eu não vou falar de novo. Solte ela e vá embora. Agora.
Gerson finalmente me soltou e virou em direção ao meu salvador. O homem da fila do mercado.
- Não se meta em briga de marido e mulher cara. - Eu tremia.
O rapaz se aproximou do Gerson e o segurou pelo colarinho.
- Você machucou ela, e isso não vai ficar assim. - O Gerson empurrou ele e se soltou.
- Não se meta cara. Você não sabe o que está acontecendo aqui. - Ele se aproximou de novo e ficou bem perto de nós. Encarou o Gerson sem piscar com uma expressão ameaçadora no rosto.
- O que eu sei que ela te mandou embora, e você não foi. - O tom da voz dele era perigoso.
- Depois você a machucou, e vai se arrepender disso.