Capítulo 60 - Escultura de pedra

1777 Words
Foi a primeira vez que Lucian vivenciou algo tão intenso assim desde que chegou naquele mundo. Quer dizer, ele estava tendo pesadelos constantemente com a morte do oitavo príncipe, como se fosse um aviso de que ainda não estava livre do seu destino. Contudo, Lucian teve um sangramento nasal ao lembrar de um ponto da história. Um evento importante. Isso não saía de sua cabeça mesmo quando Lucian chegou no templo, no dia seguinte, para dar início ao ritual de purificação que antecede o seu casamento. Enquanto um sacerdote guiou ele e Magnus pelos corredores silenciosos e claros do templo, a mente de Lucian vagava pela lembrança do sequestro no festival de caça. Aquele festival geralmente ocorria no outono, já que as presas caçadas pelos participantes garantiam a comida no inverno. Mas por causa da guerra na fronteira contra o reino de Geledel, o Imperador teve que mudar a data do festival para o meio do inverno. No original, Magnus criava um plano para atrapalhar o casal principal, e acabou descobrindo ser alvo do verdadeiro vilão da história que deseja eliminá-lo por causa do seu apoio a Cadec. Contudo, Lucian havia mudado muitas coisas da história. Isso o fazia se questionar: o vilão iria tentar fazer algo a Magnus durante o festival de caça? — Iremos dispor dois sacerdotes para que acompanhem vocês durante o retiro — O sacerdote explicava tão calmamente, que despertou Lucian dos seus pensamentos — Por favor, troquem de roupa e os sacerdotes os levarão para seus respectivos espaços de meditação. — Hm… já estão nos separando. — Se o objetivo é a purificação, ficar com você o tempo todo não garante a salvação da minha pobre alma — Alfinetou Lucian com um sorriso indolente. O Grão-duque apenas bufou e o olhou pelo canto dos olhos. — Irei te verificar à noite. Não esconda nada de mim, seu pequeno rato. Lucian sorriu carinhosamente para a pontinha de preocupação que Magnus tentou esconder por trás de suas palavras. Desde a noite anterior que o ômega estava sendo protetor com ele, perguntando se estava bem ou apenas tocando sua testa para aferir sua temperatura. Lembrando o jeito como foi abraçado quando teve aquela lembrança a respeito do plot original, Lucian não culpava Magnus. Entretanto, foi surpreendente ver Magnus tão preocupado. — Haa… agora entendo porque sempre colocam drama nas histórias. Esse tipo de expressão é sempre gostosa de ver. — Do que está falando? — Questionava Magnus erguendo a sobrancelha com suspeita. Lucian riu baixo e apenas beijou a testa do ômega. — Te vejo depois, se comporte. — Tsk, pareço alguma criança por acaso? — Rosnava o Grão-duque cruzando os braços, escondendo a vergonha ao virar o rosto. Lucian ria consigo mesmo antes de seguir para o outro cômodo onde trocaria de roupa. Era divertido pensar que um pouco de drama seria capaz de entregar expressões novas naquele rosto marrento de Magnus Grimwood. Talvez ele devesse aproveitar futuramente esse tipo de situação só para provocá-lo um pouco. Contudo, agora ele precisava se concentrar em outra coisa: os últimos passos para o seu casamento. O quarto em que ele entrou era comum com poucos móveis, uma troca de roupas estava impecavelmente dobrada sobre a cama, provavelmente separada para o príncipe. Despindo-se de suas vestes pesadas e cheias de acessórios e vestindo a túnica branca com as calças cinzas, Lucian amarrou os longos cabelos louros e se olhou no espelho. Se sentia mais confortável usando aquelas túnicas e não as roupas de príncipe. Bem, agora não era hora dele refletir sobre roupas, Lucian estava ansioso para saber como seria aquele dito ritual. Quer dizer, ele estava prestes a viver algo que nem mesmo no original foi mencionado. Era um evento tão raro e emocionante!! — Lá vamos nós. Saindo do quarto, ele se deparou com um rapaz alto de costas para si. A sua silhueta não lhe era estranha… Ouvindo barulho da porta, o rapaz de vestes brancas se virou e Lucian o reconheceu imediatamente. — Oh! Você é aquele cara… do outro dia, aquele fortão. — Skyler, Alteza. E eu pensando que lembrava o meu nome — Ele sorriu ao cruzar os braços. Definitivamente ele não agia como os demais sacerdotes daquele templo. — Haha, me perdoe. Ultimamente não tenho tido boa memória. Você é quem está responsável por me ajudar? Skyler abriu um sorriso brincalhão e concordou com a cabeça. — É claro, sou uma alma caridosa que deseja abençoar muito a Sua Alteza. Você vai precisar, já que pretende se casar com o Grão-duque. Lucian segurou o riso. Sinceramente ele estava começando a gostar de ver o templo e Magnus se alfinetando feito crianças. — Então, o que faremos agora? — Vou te levar para uma sala de preces específica onde poderá fazer as suas orações. Espero que tenha decorado o poema que o Sumo Sacerdote lhe enviou. — Sim, tive o meu tempo decorando aquelas orações. — Respondeu Lucian disfarçando a careta desgostosa com um sorriso inocente. Ele certamente demorou um bom tempo decorando as páginas frente e verso que lhe foram entregues. Lucian seguiu Skyer pelos corredores do templo, fazendo o mesmo caminho para chegar na escadaria que levaria para o escritório do Sumo Sacerdote. Contudo, Skyler passou por baixo da escada, abrindo uma porta que levava para outro extenso e escuro corredor. Foi estranho seguir tal caminho, contudo Lucian não se sentia inseguro. O príncipe manteve a sua guarda alta, apenas por precaução, enquanto observava atentamente as costas largas de Skyler. Quer dizer, o pequeno encontro que tiveram quando se conheceram não forneceu muitas informações, só que não sentia nenhuma hostilidade vindo dele. Um personagem que Lucian desconhecia. O longo corredor deu acesso à uma câmara ampla que deixou Lucian surpreso. Havia estantes de livros, mesas de estudos e alguns pilares que pareciam guardar em segurança itens e obras de arte. Não parecia ser um ambiente apropriado para uma pessoa rezar, na verdade Lucian sentia que não deveria estar lá. — Uau… tem certeza de que é por aqui? — Absoluta — Skyler sorriu o olhando sobre o ombro — Considerando que você é da realeza, e que sofreu um ataque quando foi embora naquele dia, tomamos a decisão de criar um espaço seguro para você. Droga, parece que todos estavam sabendo sobre o seu ataque. Fazia sentido alguém do templo saber, já que o ataque ocorreu nas suas proximidades, e o Imperador deve ter comentado sobre o assunto com o Sumo Sacerdote. Entretanto, Lucian ficou levemente envergonhado por fazer o templo se reorganizar. — Sou grato por pensarem nisso apenas por minha causa. — Eu que sou grato. Enquanto a Sua Alteza reza, posso fugir dos meus deveres e tirar uma boa soneca. — Hahaha, você é do tipo que foge do dever? — Tal como os Grimwood fogem de nós. Lucian riu baixo e passou por um expositor que lhe chamou a atenção. A caixa de vidro expunha o que parecia ser uma bola de cristal, algo divinatório que uma bruxa usaria. Contudo, a esfera estava presa a uma escultura de pedra de uma figura feminina sentada em um eclipse lunar, com panos esvoaçantes em sua volta. Ela segurava debruçada sobre a esfera como se olhasse profundamente para dentro dela. Dando passos em direção à peça de arte, Lucian se viu surpreso. Não havia nada de especial naquela obra, contudo a sua atenção parecia naturalmente atraída por ela. — Ah, você viu? — Skyler ficou ao seu lado e sorriu — Essa é a Deusa Kronosis. — É uma bela escultura, de fato. Mas o que é essa esfera? Skyler cruzou os braços sobre o peito e inclinou ligeiramente a cabeça enquanto pensava. — Hm… se não me engano o material dessa esfera jamais foi identificado, mas a sua história é bem conhecida. Muitas décadas antes do templo ser construído, um sacerdote em peregrinação encontrou essa esfera, e ao tocar ele viu a Deusa. Desde então ela o guiou para erguer o templo e se tornar o primeiro Sumo Sacerdote. Anos mais tarde, esse Sumo Sacerdote pediu a um escultor para fazer a imagem da Deusa para que protegesse essa esfera. Eram em momentos como aqueles que Lucian ficava embasbacado com todo o detalhe que uma história não contava. Havia um mundo por trás das finitas linhas e palavras poéticas, que um leitor desconhecia. No caso dele, se deparava com uma história que soava tão real que chegava a lhe causar arrepios. Inclinando-se na direção esfera, Lucian se via enfeitiçado. — Então trata-se de uma relíquia do templo. — Isso mesmo. Depois que o primeiro Sumo Sacerdote faleceu, poucas pessoas foram capazes de tocar a esfera. As que conseguiram foram declaradas Santas. Mas acho que já faz quase um século que não temos nenhuma Santa. Claro, se havia templo na história então haveria um personagem para fazer papel de salvador da pátria. Os Santos eram personagens que sempre tinham um dom único que trazia paz para o povo, e era adorado por isso. Como se fosse a esperança mediante o caos do mundo. No entanto, o Império de Roveaven não passava por perigo algum. Nem mesmo dentro da história original acontecia algo da qual fosse necessária a intervenção de uma Santa. Pelo menos, até onde Lucian conseguia lembrar. — Hm… interessante. O que será que as pessoas sentem quando encostam na esfera? — Dizem os antigos diários que eles podiam ver a Deusa, ela mostra o que é necessário para aquele tempo. Não sei ao certo. — Uau, você realmente sabe muito. Skyler abriu um sorriso preguiçoso ao elogio, parecendo lisonjeado com o elogio. — Nem sempre tenho sorte de conseguir fugir dos meus deveres, Alteza. — Ha, entendo bem disso — Lucian murmurou ao lembrar de quando Cassander o arrastou para decorar as orações do templo — Mas é interessante ela ter essa cor azulada. — Azulada? — Skyler o olhou curioso — Onde? — Dentro da esfera, não vê? — Não, ela sempre foi cinza. — Não brinca comigo, é claramente azul claro… — Não, é cinza. Franzindo a testa, o príncipe piscou algumas vezes e até mesmo coçou os olhos, mas ele continuou enxergando a cor azul dentro da esfera. Era como uma neblina azulada brilhante e misteriosa escondendo um segredo. Lucian até pensou que o sacerdote estaria brincando consigo, no entanto Skyler o olhava com certa seriedade. — O que foi? — Não consigo afastar a sensação que te conheço de algum lugar, e de que tem algo vindo dentro de você — Skyler aproximou o rosto de Lucian e o olhou diretamente nos olhos — Como se você não pertencesse a essa realidade.
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD