Depois daquele dia, Lucian não teve notícias de Magnus, o que parecia ser uma boa coisa já que nem mesmo ouviu algo sobre ele rejeitar a proposta de casamento. Provavelmente aquele ômega deve ter ficado surpreso por saber que o oitavo príncipe descobriu a sua conversa com Cadec.
Considerando a forma como os irmãos de Magnus contaram a ele sobre a gentileza de Lucian, o príncipe poderia considerar como bem sucedido o seu plano de conseguir o favor de Eugene e Jesse Grimwood. Talvez os irmãos fossem um grande peso para fazer Magnus aceitar a proposta de casamento.
— Vossa Alteza, parece que chegamos.
Acordando dos seus devaneios, Lucian olhou pela janela da carruagem e percebeu o lugar deprimente em que estava. O bairro dos plebeus parecia movimentado, o que facilitaria eles dois se dispersarem entre a multidão.
— Muito bem, vamos lá.
Os dois rapazes desceram da carruagem em uma rua deserta, e a partir de então Argus guiou o príncipe pelos becos até chegarem na praça do bairro plebeu. A área comercial dos plebeus parecia estar indo bem, já que havia muitas lojas e tendas vendendo os seus produtos.
No entanto, o objetivo de Lucian era outro.
— Acredito que seria melhor irmos pelo beco, Vossa Alteza.
— É mesmo? Então que assim seja.
Ajeitando o capuz sobre a cabeça, Lucian usava trajes comuns ao invés da sua roupa cara. O disfarce seria para não chamar atenção, no entanto a cor dos seus olhos poderiam revelar a sua identidade. Por isso Argus conseguiu aquelas túnicas com capuz para que ambos pudessem evitar chamar a atenção.
Enquanto caminhavam pelos becos estreitos e silenciosos, Lucian continuava repensando nas informações da história original.
Precisava garantir que Magnus ficasse longe de Maverick. Graças à sua preocupação, ele não tem conseguido dormir há dias. Era como sonhar com a morte de Lucian e se sentir frustrado ao acordar e se deparar com o teto decorado do quarto do príncipe.
Era como se ansiasse acordar de volta à sua realidade.
— Se me permite perguntar, por que você pediu por algo assim?
A pergunta de Argus fez Lucian dispersar os pensamentos melancólicos.
— Assim que recebi o convite do Conde Baragnon, tive uma visão.
Argus arregalou os olhos de surpresa, e Lucian se sentiu m*l por mentir.
Quer dizer… ele sabia o que iria acontecer dentro da história, mas dizer que sabia de tudo isso por ter um “dom” parecia uma mentira deslavada. Ainda mais quando o seu criado pessoal o encarava com tamanha admiração.
— Outra visão?! O que viu dessa vez?
— Apenas que alguém poderia ficar drogado durante a festa. Então estou tomando a liberdade para impedir isso.
— Drogado?! Minha nossa, isso é perigoso, Vossa Alteza!
— Shhh! — Lucian cobriu o rosto de Argus e olhou para os lados garantindo que ninguém tivesse ouvido ele — Haa, tenha cuidado, não queremos ser notados. E outra, é justamente para evitar isso que viemos aqui, certo?
Argus concordou com a cabeça e então os dois puderam continuar o seu trajeto.
— Quem se atreveria a fazer algo assim numa celebração tão alegre? O Conde Baragnon deve estar feliz em comemorar o reencontro com o seu filho perdido.
Claro que era chocante, afinal somente uma pessoa com más intenções faria algo do tipo. No entanto, Lucian sabia que a pessoa que faria isso era ninguém menos que o primeiro vilão de .
— As pessoas fazem coisas impensáveis por causa do ciúmes e inveja.
— É mesmo… ah, é aqui.
Parados diante de uma pequena porta de madeira, Argus bateu nela três vezes. Um rangido e a porta se abriu, mostrando a figura corpulenta que encarou os dois rapazes de cima a baixo.
— Com licença, estamos procurando pelo melhor vinhedo da cidade.
Sem dizer uma única palavra, o homem corpulento deu espaço para os dois entrarem e os guiou para dentro do sobrado.
Então aquela era a senha que Argus tinha dito antes deles saírem? Parecia algo tão comum…
Argus e Lucian foram levados até o andar superior do sobrado, e então o corpulento bateu numa porta onde uma voz feminina soou.
— Entre.
A porta se abriu e Lucian viu uma mulher alta sentada atrás de uma mesa. Ela assoprava a fumaça do cigarro e encarava os dois visitantes com um olhar felino. Assim que eles entraram, a porta se fechou em suas costas, e então ficaram a sós com aquela figura tão distinta.
— Ora ora, se não é o oitavo príncipe imperial. O que o trás até o meu teto?
Retirando o capuz, Lucian sorria apesar de estar ligeiramente surpreso por ter sido reconhecido.
— Vim buscar um pedido que fiz através do meu criado.
A mulher desviou o olhar para Argus e então suspirou baixo.
— Não imaginava que o pedido tivesse sido feito pela Sua Alteza. Nesse caso, me permita me apresentar. Podem me chamar de Ethera, estarei à sua disposição sempre que precisar de algo, Vossa Alteza.
Então ela era a líder da guilda de informações. A guilda “Nightshade” foi mencionada algumas vezes na história quando Magnus contratava os seus serviços para obter informações em suas investigações. Infelizmente a localização exata e o nome do líder daquela guilda nunca foram mencionados.
Deveria se considerar sortudo por ter conhecido a líder? Ou deveria ter medo do seu criado ter conseguido descobrir onde eles ficavam e até mesmo conseguido fazer o pedido?
— O prazer é todo meu. Ficarei mais do que feliz se eu puder contar com você quando eu precisar de algo.
Lucian deixou sobre a mesa dela um generoso saco de moedas de ouro, que fizeram os olhos gananciosos de Ethera brilharem.
— Ora, será uma honra.
A mulher estalou os dedos, e outro homem corpulento entrou no escritório carregando uma bandeja com uma pequena caixa. Ethera se aproximou, sendo cuidadosa ao abrir a caixa na frente de Lucian. Um pequeno frasco com um líquido levemente roxo parecia brilhar.
— Veja bem, fiz como pediu. Esta é uma droga que pode forçar qualquer híbrido no cio. Considere-se sortudo por ter conseguido isso aqui, pois é extremamente raro de se obter mesmo em sua dose mais branda.
— É mesmo? E posso saber quais os efeitos que essa droga tem?
— Até onde foi investigado pode trazer náuseas, vômitos, dificuldades respiratórias, afinal é uma droga… Devo lembrar que apenas duas gotas já é o suficiente para conseguir o efeito esperado, por isso administre com cuidado. Quanto mais despejar, mais efeitos irão surgir na pessoa.
Lucian suspirava, parecia que ele estava comprando um veneno.
— Bem, que seja. Se o melhor cenário acontecer, espero não ter que usar isso.
— Mesmo que não use, seria bom manter com você, Vossa Alteza. Considerando a situação atual dentro do palácio, acredito que você devesse ter, pelo menos, uma arma para se defender.
Parece que a rede de informações da guilda sabia sobre a tensão entre Raven e Cadec. Aquilo foi um aviso de que a Nightshade já tinha algum método de obter informações de dentro do palácio? A situação em si não tinha piorado ainda, já que apenas três pessoas sabiam sobre a proposta de casamento entre Lucian e Magnus.
O tempo precisava ser perfeito, para evitar que Magnus se afeiçoasse ainda mais pelo Maverick e também para que Raven descubra tarde demais e assim livrar Lucian das suas garras. A resposta do Grão-duque era necessária o quanto antes, e por esse motivo que Lucian iria cometer um crime para adiantar o processo.
— Por acaso está tentando me convencer a fazer algum outro pedido a você?
— Não seria má ideia, Vossa Alteza. Sei que você não sabe lutar com espadas, talvez o seu melhor ataque seja a sua defesa?
Lucian inclinou a cabeça levemente ao notar que Ethera estava jogando na sua cara as informações que ela tinha a respeito dele. Apesar de que não pareciam ser informações que revelassem o seu “dom” ou a questão do casamento. No entanto, ela conseguiu o seu interesse.
— Nesse caso, espero que você me mostre algo interessante na próxima vez em que nos encontrarmos.
Mais tarde, quando Argus e Lucian voltavam para o palácio imperial na carruagem, o criado beta olhou para o seu senhor com preocupação.
— Vossa Alteza, o que pretende fazer com isso?
— Apenas jogar o mesmo jogo que o meu vilãozinho. Aliás, Argus, quando será a festa do Conde Baragnon?
— Será daqui a três dias, Vossa Alteza. Já preparei as suas vestes, mas devo avisá-lo que a Sua Majestade pediu que o alfaiate real que fizesse o seu traje.
— O Imperador? — Estranhou Lucian — Ele quer que eu use alguma roupa em específico?
— Parece que sim, apesar que eu devo dizer que foi uma ótima escolha. O tecido branco combina com a Sua Alteza.
Os olhos de Argus chegaram a brilhar quando ele falava, e Lucian só podia soltar um riso por achá-lo adorável. Era como um irmão mais novo que admirava o seu irmão mais velho.
Considerando o fato dele estar dentro de uma história, Lucian sentia que Argus era a única pessoa em quem ele poderia confiar. O beta permaneceu fiel e o protegeu mesmo que perdesse a vida no processo, e infelizmente Lucian morria pouco depois.
Nem mesmo na sua outra vida como Luciano ele teve alguém tão confiável.
Apoiando o queixo sobre a mão e encarando a paisagem enquanto a carruagem seguia o caminho entre a floresta rumo ao palácio imperial, Lucian só podia se sentir desesperadamente solitário ao mergulhar nas próprias lembranças de uma vida que corria o risco de nunca mais ser vivida.