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Luna
— Amiga, nem acredito, nosso primeiro plantão e juntas! — Afirmei empolgada enquanto parava o carro em frente a casa de Kiara, minha melhor amiga.
— Depois de anos nos matando na faculdade e no estágio, finalmente podemos falar que somos…
A felicidade que transbordava no meu peito não permitiu que Kiara concluísse aquela frase, pois eu precisava gritar para o mundo que finalmente havia me tornado uma:
— MÉDICA! — Kiara tapou os ouvidos. — E futura cirurgiã pediatra!
— Amiga, desculpa te dizer, mas acho que isso vai demorar um pouquinho.
— Não importa. Pode levar o tempo que for necessário, eu vou realizar esse sonho de ajudar crianças carentes, em situação de vulnerabilidade pelo mundo!
— Você está certa. — Kiara forçou um sorriso no rosto enquanto chacoalhava os lindos cabelos encaracolados que alcançavam seus ombros. Minha amiga tinha lábios carnudos, maçãs do rosto marcante e olhos negros que contrastavam com a pele caramelada. Era uma n***a linda, a mais bonita que já vi. Mas naquele momento nem sua beleza conseguiu ofuscar a tristeza que brilhavam em seus olhos.
— Kiara, está tudo bem? Pensei que estivesse tão feliz quanto eu. Esperamos tanto por esse momento!
— Sim está tudo bem. Eu estou feliz, porém cansada, muito cansada.
— Mas…
— Luna, tudo que eu quero é tomar um bom banho e me jogar na cama. Amo meu trabalho, mas não consigo romantizar o quanto estou cansada. Esgotada! Tchau amiga e, obrigada pela carona. — Kiara deixou o carro e fechou a porta educadamente para passar pela porta da linda e imponente mansão da família Bianchi. A grandiosidade da casa fazia jus à riqueza e ao nome de peso da família. Mas, confesso que sempre achei estranho a maneira com que o brilho da minha melhor amiga se apagava quando ela chegava em casa. Outra coisa estranha era o fato dela está sempre no meu apartamento e em todos esses anos de amizade nunca ter me convidado para tomar sequer um café na casa dela. Mas tudo bem. Todos temos nossos problemas.
[...]
Chego em casa exausta, e com uma vontade enorme de comer algo. Jogo minha bolsa no canto da sala e sigo para a cozinha onde me deparo com a mesa coberta por várias fotografias de homens com o olhar nada amistoso. Papai é delegado, daqueles que realmente honram a sua profissão e fazem questão de trazer o trabalho da delegacia para dentro de casa.
— Papa, pensei que já estivesse dormindo. É madrugada…
Papai chegou perto e deu-me um beijinho na testa. Ele faz isso desde que eu era bem pequena, e é a demonstração de carinho mais fofa do mundo. Quando tiver meus filhos farei isso com eles também.
— Anselmo Capollo, o Dom da Cosa Nostra foi assassinado, e teve sua cabeça e todos os membros do seu corpo entregues de presente para a esposa no dia que eles completavam 40 anos de casados. Sabe o que significa isso filha?
— Não… — Respondi um pouco assustada com a novidade.
— Que acabou a paz de Toscana. O filho dele obviamente vai querer vingança. Você sabe muito bem como agem esses bandidos, eles deixam um rastro de dor e sangue por onde passam. A região de Toscana está em perigo e eu não consigo dormir, e fingir que nada está acontecendo!
— Papa, eu sei, mas você precisa descansar para fazer um bom trabalho.
— Descansar… — Papai socou a mesa me deixando assustada. — Foi num desses descansos que esses malditos mafiosos se aproveitaram para sequestrar e matar a sua mãe! Hoje faz 20 anos que sua mãe foi morta pela Cosa Nostra! 20 anos…
— Eu sinto muito papa, mas o senhor já prendeu os responsáveis… — Papai voltou a socar a mesa, dessa vez acompanhado de uma gargalhada maquiavélica.
— Você acha mesmo que eu prendi o assassino da sua mãe? Quem eu peguei era um laranja insignificante. Esses vermes não dão a cara a tapa! Sua mãe não merecia aquele fim! Por causa disso você cresceu sem mãe… — Papai levou as mãos ao rosto, arrasado. Eu corri para envolvê-lo num abraço, mas no fundo eu sabia que não seria o suficiente. Louis nunca superou a morte do grande amor da sua vida. Ele sofria todos os dias desde que ela partiu. Também era difícil para mim, mas a verdade é que eu não tenho muitas lembranças de mamãe.
— Papa, você foi e é o melhor pai do mundo. Em nenhum momento sofri com a ausência da minha mãe porque o senhor preencheu esse espaço.
— Não era para ter sido assim! Você tinha uma mãe!
— Eu sei papa… Mas, sabe o que eu acho, que já passou da hora de você encontrar uma pessoa especial. Papa, olha pra você, lindo, alto, com esses olhos azuis e ainda por cima é delegado. Sabia que a vida inteira minhas amigas vivem me enchendo o saco para dizer o quanto o senhor é o sonho de consumo delas? Porque não arruma uma namorada, já se passou vinte anos da morte da minha mãe e eu nunca te vi com ninguém.
— E nem vai ver. Não há mulher neste mundo capaz de ocupar o lugar da sua mãe.
— Não é pra ocupar o lugar dela. Por acaso o senhor conhece a palavra recomeço?
Papai sorriu com sarcasmo.
— É você quem deveria se preocupar com essas coisas. Você tem 25 anos, já é uma médica formada. Já está na hora de casar e me dar uns netos.
— Eu até gostaria. Mas ainda não encontrei alguém bom o suficiente para ser o meu marido e pai dos meus filhos.
— Mas é claro, você vê defeito em todos os homens. Ninguém nunca é bom o suficiente para você. Levi, o melhor namorado que você teve, hoje está casado e sua mulher grávida do primeiro filho.
— Ótimo, fico feliz por ele. Levi é uma pessoa especial. Mas eu não podia ter distrações enquanto estudava.
— Pois agora é tarde, você terminou os estudos, mas ele já se casou e constituiu família. Você achou mesmo que ele iria te esperar, Luna?
— Não. Não achei, inclusive me sinto aliviada por ele não ter feito isso. Não estou com pressa. Tudo acontece na hora certa… Por Dio, que homem lindo papa! — Arregalei os olhos quando vi a foto de um homem ruivo, com mandíbula maracada e grandes olhos negros. Ele tinha o olhar mais sexy e penetrante com que já havia me deparado.
— Cazzo! Enlouqueceu por acaso? Esse é Fred Coppola, o novo Dom da Cosa Nostra.
— Perdão, papa, não imaginava que houvesse mafiosos tão lindos. Por Dio, ele é muito lindo, tem cara de mau como você. — Brinquei.
— Não ouse me comparar com esses vermes. Cazzo, se o governo italiano não fosse comprado pela máfia a essa altura do campeonato todos eles estariam apodrecendo atrás das grades. Inclusive esse aqui, a ficha dele é extensa. Fred é conhecido por queimar seus inimigos vivos enquanto degusta um bom vinho. É um psicopata e eu não admito que minha filha mostre interesse por esse tipo de marginal!
— Tudo bem senhor Benedetti! — Ergui os braços em rendição, enquanto olhava para a foto do mafioso discretamente pela última vez. — Mas é bom que o senhor saiba que a sua filha não é mais aquela menininha que não sabe nada sobre a vida. Sou uma mulher independente, tenho minha profissão, meu dinheiro, meus objetivos e sei muito bem com quem devo ou não me envolver. Não se preocupe, a última coisa que farei na minha vida é me relacionar com um bandido a pobre vai queimar a língua kkk, muito menos um desses mafiosos cruéis. Isso nunca vai acontecer! Nunca!
— Essa é minha minha garota… Ops! Você não é mais uma garota, é uma mulher, a filha que eu amo, meu maior orgulho. — Papai me envolveu num abraço apertado, eu retribuí da mesma maneira. Ele também era tudo para mim, o melhor pai que uma garota poderia ter tido, meu melhor amigo e o melhor pai do mundo.
Eu o amo incondicionalmente e jamais iria desapontá-lo.