Capítulo 2
Chefe narrando :
E aí, favela, cês tão ligado que eu sou o Max, mas aqui no morro ninguém me chama pelo nome. Todo mundo me conhece como Chefe. Cresci no morro do Alemão, herdei esse trono do meu coroa quando ele bateu de frente com os cu azul e acabou perdendo a vida. Tinha só 16 anos na época, mano. E foi ali que o jogo mudou pra mim. O coroa foi pro saco, minha coroa ficou maluca de desgosto, não demorou muito pra ela também ir nessa. Fiquei sozinho, eu e o morro. Já eram os dois únicos destinos certos na minha vida.
Hoje, com 34 nas costas, tô longe de ser moleque. Já vi de tudo nessa p***a de vida. Já dei risada de amigo que não era amigo e que rodou, já chorei em enterro de irmão de cria. Quem cresce no morro, cresce rápido, não tem jeito. Dois anos atrás, fui preso. E, truta, só quando você vai pro inferno é que descobre quem é quem. A cadeia é um filtro, irmão. Não tinha tempo pra fiel antes, porque o corre não deixava, tá ligado? Minha vida sempre foi p*****a, bagunça, sem compromisso. Mas aí, quando a Juliana apareceu, as coisas mudaram de rumo.
A Juliana era do morro, sempre foi aquela mina que tava na minha cola, mas nunca levei muito a sério. Só que, no meio do caos, ela foi a única que colou comigo lá dentro, me visitava toda semana, e eu acabava pegando ela. Rolou tanta coisa que ela engravidou. E, bom, eu sou um cara de palavra. Não ia deixar ela na mão. Assumi o pivete, Enzo, e falei que ela podia ficar tranquila. Mas amar ela? Cê é louco, nunca foi isso.
A mina gosta de se achar a rainha do morro, vive torrando meu dinheiro. E tá sempre atenta nas marmitas que tentam colar em mim. Já fiquei sabendo dela arrebentar umas três ou quatro no braço. E eu, sinceramente, nem ligo. Já deixei claro que não sou o tipo de cara pra ser fiel, e ela sempre soube disso. O morro é meu, e enquanto eu tiver vivo, quem manda aqui sou eu. A Juliana pode até achar que é dona de alguma coisa, mas essa coroa aqui, parceiro, tá na minha cabeça. E de lá, ninguém tira.
Finalmente, o dia chegou. Depois de dois anos naquele inferno, a liberdade vai cantar pra mim hoje. E, cê pode ter certeza, eu nunca mais vou voltar pra cá. Já cumpri meu tempo, já vi quem é quem. Aqui dentro, irmão, você aprende a sobreviver no limite, mas o jogo é outro agora.
Tô deitado na minha cama de concreto, meio ansioso, quando o celular vibra escondido no canto da cela. Aqui dentro, tudo tem que ser no esquema, senão tu roda. Peguei o aparelho rapidinho, já sabendo quem era.
— Fala, Gringo. — sussurrei, atento a qualquer barulho que pudesse denunciar a ligação.
— Chefe, tá tudo pronto, irmão. O advogado já tá a caminho, questão de horas e cê tá fora daí. — a voz dele veio firme, daquele jeito que me passava confiança. O Gringo sempre foi meu braço direito, segurou as pontas enquanto eu tava preso.
— Demorou, mano. Tô aqui na espera, mas ouve bem, hein — continuei, ainda em tom baixo. — Não deixa a Juliana saber de nada, cê me ouviu? Nada de falar com ela até eu tá fora dessa p***a.
O Gringo deu uma risadinha de leve.
— Fica tranquilo, chefe. Aqui é tudo no sigilo, do jeito que cê pediu. Só falta você meter o pé daí.
— Boa. Se ela souber antes da hora, vai arrumar alguma merda, já conheço o esquema. Não posso correr risco com essa mina. — falei, já imaginando o tipo de confusão que a Juliana seria capaz de fazer se soubesse antes do tempo.
— Deixa comigo, Chefe. Tá tudo no controle. Só cuida de sair daí que o resto eu resolvo.
— Beleza. Vamo fazer essa liberdade valer a pena, Gringo. Tá na hora de botar ordem nesse morro.
Desliguei o celular, escondi ele de novo no lugar de sempre, e fiquei ali, deitado, esperando a hora de sair. A ansiedade batia forte, mas eu sabia que faltava pouco. A liberdade tava na porta, e quando ela chegasse, tudo ia mudar.
Tô ali deitado, contando os segundos, quando o agente vem até a minha cela. Bateu na grade com a mão pesada, aquele barulho ecoando pelo corredor.
— Bora, Max! A liberdade cantou, parceiro. O seu santo é forte, hein? — falou com um meio sorriso, como se quisesse puxar assunto.
Mas eu nem dei ideia, levantei devagar, ajeitando a camisa. Não era momento de conversa. Meu foco tava em sair dali, pisar fora daquela p***a e nunca mais olhar pra trás.
Saí andando pelo corredor, cabeça erguida, sem olhar pra ninguém. Senti os olhares dos outros presos em mim, uns com inveja, outros só observando o próximo a dar o fora. Passei direto até a sala do delegado, onde tudo ia ser formalizado.
Quando entrei, o advogado já tava lá, me esperando. O delegado tava sentado, com uma pilha de papéis na frente, pronto pra acabar com o protocolo.
— Senta aí, Max, vamos acabar com isso logo — o delegado falou, sem muita cerimônia.
Assinei tudo sem muita demora, caneta deslizando rápido nos papéis. Não tinha o que pensar, era só assinar e meter o pé. O advogado me olhava com aquele ar sério de sempre, mas dava pra ver que tava satisfeito com o serviço feito.
— Finalmente, chefe — ele disse, enquanto eu assinava o último papel. — Tá tudo certo agora. Cê vai sair por aquela porta e tá livre, como combinado.
Dei um meio sorriso, finalmente relaxando um pouco.
— Cê fez o que tinha que fazer, doutor. Agora o resto deixa comigo.
— Não vai ser fácil voltar e botar ordem lá fora, mas o Gringo segurou as pontas bem enquanto você tava aqui. O morro ainda é seu. — Ele ajeitou a gravata, confiante e disse em Tim baixo só pra eu ouvir.
— Eu sei. O Gringo é firmeza, confio nele. Agora é eu voltar e colocar o morro de novo no trilho. Mas tem um detalhe — olhei de canto de olho —, a Juliana não pode saber de nada até eu resolver minhas paradas. Cê tá entendendo, né?
O advogado balançou a cabeça, ciente da situação.
— Não se preocupa, Max. Ela só vai saber na hora certa. Hoje é o seu dia, aproveita. Tá na hora de retomar o controle.
Assinei o último documento e joguei a caneta na mesa.
— Bora sair daqui logo, doutor. Essa p***a de cadeia já deu o que tinha que dar pra mim.
Levantei e segui o advogado pra porta, o gosto da liberdade já começando a bater na boca. Agora, era só pisar fora e recomeçar.
Continua ....