1° Capitulo.

2858 Words
Brianna Becker: -Como se sente hoje, minha querida? Foi a pergunta da psicóloga, assim que demos início a mais uma sessão de terapia, aqui no escritório maravilhoso, que tem na casa de praia da família Callahan, a visão do mar azul me acalma um pouco, mas ainda há muito conflito dentro de mim. -Nada bem, eu não estou conseguindo esquecer o que aconteceu comigo, e a perda do meu bebê ainda é uma ferida dolorosa demais dentro de mim. Digo deixando algumas lágrimas cair, enquanto sem perceber coloco uma mão em minha barriga. -Entendo, Brianna, mas não se cobre tanto, afinal só tem uma semana que você passou por tudo aquilo, mas pelo pouco que te conheço, sei que você vai superar isso tudo e reconstruirá a sua vida outra vez. A doutora Smith diz enquanto me estende uma caixa de lenço. -Não sei se isso será possível, doutora Smith, pois o Vincent causou tantos danos em mim, que não sei se vou me curar um dia daquelas agressões, talvez eu não consiga ser tocada por outro homem de novo. Assim que digo isso, a imagem de Heitor vem a minha cabeça, mas eu dissipo rapidamente esses pensamentos, afinal ele nunca gostou de mim, como eu ainda gosto dele, pensei que já havia esquecido do amor que eu sentia por ele tinha acabado no momento que conheci aquele traste do meu ex-marido, mas tudo que o meu coração fez foi camuflar o amor que sempre senti pelo irmão mais velho da minha melhor amiga, mas nunca fui correspondida, não será agora que ele me viu espancada, que ele irá me olhar de outra forma, provavelmente tudo o que ele sentiu por mim foi pena. -Dê tempo ao tempo, e você verá que dar pra recomeçar, você quer me contar como você começou a ser agredida por aquele homem? Falar sobre isso, pode ajudar, você tem que colocar essa dor pra fora. Ela sugere, e não sei como lembrar de tudo que passei vai me ajudar a esquecer a dor e a humilhação que passei ao lado daquele homem, mas eu preciso contar pra alguém, assim eu possa entender como deixei as coisas chegarem nesse ponto. Respirei fundo, antes de pegar outro lenço de papel e limpei meu rosto, e comecei a relatar pra ela desde o início. -Eu conheci o Vincent quando tinha 16 anos, na época eu gostava do filho mais velho dos patrões da minha mãe, mas ele me via apenas como uma menina, eu era louca por ele, e assim ele foi embora, fiquei triste, mas resolvi seguir minha vida sem pensar nele, e Vincent me fez esquecer esse amor platônico que sentia pelo Henry, o começo do nosso relacionamento foi maravilhoso, ele era carinhoso comigo, não era romântico como eu queria, mas me fazia sorrir, ele tinha ciúmes, mais eu achava que era excesso de amor. Como eu fui burra por acreditar nisso. -Infelizmente muitas mulheres não percebem que o ciúmes exagerado, já é uma forma de abuso, porque ele usa isso para controlar a mulher para ela pensar que ele só quer cuidar. A doutora Smith pontua, e foi assim que me senti na época. -Pode continuar com seu relato, Brianna. Ela pede, fazendo umas anotações. -No início eu pensei que era isso mesmo, doutora Smith, sempre que ele tinha crises de ciúmes, eu achava que era excesso de cuidado, mas as coisas fugiram do controle quando eu me entreguei pra ele, na verdade eu não estava pronta para me deitar com ele, mas acabei cedendo e esse foi meu pior erro. Digo relembrando a decepção quando Vincent tirou a minha virgindade, ele não foi cuidadoso e doeu pra caramba, lembrei de como fiquei extremamente dolorida por dias, já que ele transou comigo por umas três vezes no mesmo dia que me entreguei. Só percebi que estava chorando quando a doutora Smith, me ofereceu um copo com água. -Ele te forçou a f********o, Brianna? Terminei de beber a água para responder a sua pergunta. -Não exatamente, mas eu não estava segura em me entregar naquele momento, acho que no fundo eu tinha certeza que ele não era o cara certo, e por isso eu queria ter esperado mais, mas acabamos fazendo assim mesmo, e esse foi um dos piores dos meus erros, porque depois disso ele passou a ser mais ciumento, e me sufocava, tanto que ele conseguiu que eu desistisse dos meus estudos, Vincent me afastou de todos, até da minha família, e o que era antes apenas brigas verbais, havia se transformado em agressões físicas, no início ele só deixava meus braços roxos com seus apertos, e logo em seguida ele pedia desculpa e eu cedia, porque achava que a culpa dele reagir assim era minha. Abaixo a cabeça por vergonha, e acabo chorando outra vez, até que senti a mão da psicóloga tocar na minha. -A culpa nunca foi sua, minha querida, homens como esse Vincent tem a tendência de fazer as suas mulheres pensarem que são elas que fazem eles ficarem violentos, mas isso não é verdade, vocês na verdade são vítimas desde o início, vamos parar por hoje, semana que vem eu volto, mas eu quero te ver mais tranquila. Nos despedimos e eu voltei a ficar sozinha naquela casa, pensei em dar um mergulho no mar, mas assim que coloquei o biquíni, vi que não teria coragem, pois ainda estou com muitos hematomas, e embora a praia seja particular, eu posso ser vista por alguém e ficaria constrangida diante do olhar de qualquer pessoa. Então fui pra piscina, passei o resto da manhã ali, só sai da água quando a fome apertou, resolvi ir pra cozinha preparar algo para eu comer. Elena queria que os caseiros que tomam conta da casa, ficasse a minha disposição, mas eu me recusei a dar trabalho pra eles, pois posso cozinhar e limpar a casa sem ajuda de ninguém, afinal é o mínimo que posso fazer em agradecimento por ela ter me deixado ficar aqui. Eu comecei a preparar um risoto de camarão, o aroma delicioso da comida, preenchia a cozinha. Fiz duas porções já que Elena viria aqui me ver, mas quando eu estava terminando de preparar a mesa, meu celular apitou, e quando fui ler, vi que era uma mensagem da minha amiga, dizendo que não poderia vir almoçar comigo hoje, pois ela teve uma emergência no hospital. Claro que entendi, afinal ela é médica e isso pode acontecer a qualquer momento, mas eu não queria comer sozinha, conversar com a minha amiga sempre me faz bem. Suspirei de tristeza enquanto mexia a panela no fogão e fiquei perdida em meus pensamentos. Foi quando ouvi um barulho da porta da frente da casa se abrir, fiquei apavorada com a possibilidade de ser o Vincent, desliguei o fogo e comecei a vasculhar a cozinha em busca de alguma coisa para usar como arma, a única coisa que encontrei foi uma jarra, preparei para atacar o invasor quando dei de cara com o Heitor. Ele segurou minha mão quando percebeu que eu iria arremessar a jarra na sua cabeça, nossos olhares se encontraram e de repente meu corpo começou a tremer, só vi que estava chorando quando Heitor me abraçou. -Me desculpa, Brianna, eu não tive a intenção de te assustar, por favor, não chore. Ele disse enquanto me embalava em seus braços fortes. -E-u, eu pensei que ele tinha me achado. Respondi ainda em meio ao choro. -Aquele covarde nunca mais vai chegar perto de você, Brianna, pra isso acontecer eu terei que estar morto. A possessividade nas suas palavras me surpreendeu, mas eu gostei de como isso soou dentro de mim, mas eu não posso me iludir com isso. Respirei fundo para me acalmar, e me soltei do seu abraço, já que sua aproximação estava mexendo comigo. -O que você veio fazer aqui, Heitor? Perguntei, voltando a ligar o fogo, mexendo o risoto para ele não queimar. -Eu vim trazer algumas coisas que você possa estar precisando, já que a Elena não iria vir, eu me ofereci para trazer pra você, e aproveitei para passar no supermercado para abastecer a despesa e a geladeira, não quero que tenha falta de nada, além disso tinha que te dar isso. Ele estendeu um envelope em minha direção, desliguei o fogo e peguei o papel das suas mãos. -Vou trazer as sacolas, que deixei no porta-malas. Ele saiu e eu rasguei o envelope e comecei a ler o papel, e vi que era a medida protetiva contra o Vicent. EXCELENTÍSSIMO (A) SENHOR (A) JUIZ (A) DE DIREITO DA __VARA ESP. DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER DA COMARCA DE Seattle, Washington, EUA. URGENTE Brianna Becker Moses, americana, casada, estudante, inscrita no RG nº 11.111-111 e CPF nº 222.222.222-22 , residente e domiciliada na Lake Washington Boulevard, 13, Seattle, Washington, EUA. , por sua procuradora que esta subscreve (Emily Galvão), com endereço profissional indicado no rodapé desta, onde recebe intimações e notificações de estilo, vem, respeitosamente, a presença de Vossa Excelência, com fulcro no art. 19 da Lei N.º 11.340/2006, requerer: MEDIDA PROTETIVA DE URGÊNCIA Em face de Vincent Moses, americano, profissão: auxiliar de escritório , inscrito no RG 55.555-555 , CPF: 333.333.333-33, podendo ser localizado na Lake Washington Boulevard, 13, Seattle, Washington, EUA, consubstanciando o pedido na causa de pedir próxima e remota a seguir alinhavada. DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA Inicialmente, requer a Vossa Excelência o deferimento dos benefícios da assistência judiciária gratuita, por ser a ofendida hipossuficiente, nos termos da lei 1060/50, não tendo atualmente condições de arcar com as custas e demais despesas processuais sem o prejuízo do próprio sustento e de sua família, conforme se aduz da declaração em anexo. 1. DOS FATOS. As partes celebraram casamento, sob o regime de comunhão parcial de bens, em Outubro de 2011, na Comarca de Seattle, conforme cópia da certidão de casamento em anexo. Do enlace matrimonial, não houve filhos. O casamento contraído protrai-se normalmente. No entanto, em meados de (colocar data/ano), desavenças relacionadas ao comportamento agressivo e violento do requerido começaram a impossibilitar a convivência pacífica do casal. Consoante o teor do Boletim de Ocorrência acostado a presente, no dia 12 de agosto de 2011, a requerente estava em casa, quando o demandado com comportamento muitíssimo alterado e agressivo, começou a agredir a requerente física e verbalmente, (descrever a agressão) enfim, estava completamente transfigurado e perturbado. Mesmo assim, a fim de manter seu relacionamento pelo bem da família, a requerente optou por preservar a relação do casal, sempre com as falsas promessas de que o requerido poderia mudar seu comportamento e voltar a ser o companheiro de antes. No entanto, em 12 de dezembro de 2016, os episódios de agressão, violência e ameaças perduraram, e, não suportando mais vivenciar tantas humilhações e sofrimentos, a requerente enfim, com o apoio de seus familiares e amigos conseguiu dar um basta em seu relacionamento doentio, afastando o agressor de seu lado. Desde então, as partes estão separadas, sem qualquer possibilidade de restabelecimento da sociedade conjugal. A ofendida vinha tentando contornar a situação da forma mais tranquila possível, inclusive protelando a competente Ação de Divórcio no intuito de evitar qualquer tragédia em relação à sua vida, pois o agressor já deixou claro que não existe qualquer coisa capaz de conter seu comportamento perturbado e doentio. Excelência, como em tantas outras situações onde há violência doméstica, o agressor não aceita a separação e está de todas as formas tentando encontrar a mulher e abalar a sua sanidade psicológica da ofendida por meio de ameaças constantes no seu celular, contra a ofendida e seus familiares. O fato é que o agressor está fazendo constantes ameaças de morte à ofendida, alegando inclusive pelo telefone, que comprou um revólver para matar ela, caracterizando evidente violência psicológica além das violências físicas já perpetradas por este. Diante de tantos episódios de agressões, ameaças, crises e surtos psicóticos que apenas comprovam a total instabilidade psíquica e emocional do agressor, à ofendida resolveu dar um basta nesta situação e para tanto se socorre das medidas protetivas de urgência previstas na Lei N.º 11.340/2006. Nesse contexto a jurisprudência é enfática: (verbis) “APELAÇÃO CRIMINAL - LEI DE PROTEÇÃO DA MULHER - PEDIDO DE MEDIDAS PROTETIVAS - NECESSIDADE NA SITUAÇÃO CONCRETA DOS AUTOS - RECURSO PROVIDO EM PARTE. Sendo o réu contumaz na prática de violência doméstica, constatada está a necessidade do deferimento do pedido de aplicação de medidas protetivas, determinando seu afastamento do lar e distanciamento da vítima, evitando-se, desta forma, que um m*l maior ocorra.” (SEATTLE - 21130876001 EUA , Relator: Elliot Boris, Data de Julgamento: 11/01/2017, Câmaras Criminais / 4ª C MARA CRIMINAL, Data de Publicação: 18/12/2016). Consoante os termos do artigo 22, constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios. Diante da gravidade da situação vivenciada pela ofendida, é evidente a necessidade do deferimento cumulativo de todas as hipóteses acima previstas, no intuito de salvaguardar a integridade física e psicológica da ofendida que vem sofrendo todas as crises e surtos do agressor. A ofendida está tentando retomar a sua vida, no entanto, com a possibilidade da presença do agressor e suas ameaças expressas de morte, tornam isso impossível.. É inevitável, portanto, a intervenção do Estado no caso concreto para coibir mais atitudes danosas advindas do agressor contra a ofendida. Nessa linha, o artigo 19 do mesmo diploma legal, assegura a concessão das medidas protetivas de urgência a PEDIDO DA OFENDIDA, medidas estas que serão concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público. 2. DAS CONCLUSÕES E REQUERIMENTOS Em razão disso, a ofendida REQUER a concessão das seguintes medidas protetivas de urgência para assegurar seu direito básico de viver sem violência e preservação de sua saúde física e mental, bem como a preservação da sua integridade: 1 - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, pois o agressor confirmou na mensagem que enviou à ofendida que está com “um 38” e que pretende matá-la. 2 - afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida. 3- proibição de aproximação da ofendida, de seus familiares e amigos, com a fixação de um limite mínimo de distância; 4 – proibição de contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; 5 – proibição de freqüentar qualquer local onde esteja a ofendida a fim de preservar a integridade física e psicológica da dela 6- Ao final, postula a decretação do divórcio direto. Reitera por fim, a concessão do benefício da assistência judiciária, de acordo com a Lei n. 1060/50, por ser a ofendida pessoa financeiramente hipossuficiente, privada momentaneamente de arcar com custas processuais e honorários advocatícios, sob pena de prejudicar o sustento próprio. Por derradeiro, vale registrar que, a obstante a ofendida, ainda apresenta algumas marcas físicas do m*l causado pelo agressor, mas as marcas mais profundas e difíceis de superar já estão enraizadas no seu íntimo e com toda a certeza terão consequências pelo resto de sua vida. Nestes termos, pede e espera deferimento. Advogada. Emily Galvão. Terminei de ler tudo com atenção, e fiquei aliviada por saber que vou poder me divorciar do Vincent o mais rápido possível, eu só não podia imaginar que ele estava me ameaçando, já que deixei meu celular com o Heitor. Deixei o papel em cima do balcão quando vi ele entrar com um monte de sacolas, corri para ajudá-lo. Guardamos tudo em seus devidos lugares, depois disso eu o convidei para almoçar comigo e para a minha surpresa, descobri que acabei fazendo seu prato favorito. Ele me explicou durante o almoço que foi ele que solicitou a medida protetiva e contou com a ajuda da advogada da sua família, e que sua equipe de polícia já está procurando por Vincent, e eu não vejo a hora dele ser preso. Depois do almoço Heitor me ajudou a arrumar a cozinha, ficamos conversando tanto que nem vimos o tempo passar, quando olhei pela janela da sala, notei que já tinha anoitecido. Mas eu não queria que ele fosse embora, foi quando ele me convidou para jantar fora, e eu de pronto aceitei, deixei ele na sala e fui me arrumar no quarto. Continua….
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