"Tudo era perfeito no passado, tirando o fato de nos trazer o presente."
→ Os Simpsons
Central da DEA — Los Angeles — 4:34 am
Jimena encarou seus pulsos envolvidos pelas algemas que estavam presas a mesa antes de suspirar e reprimir a súbita vontade de chorar, ser presa novamente não estava nos planos. Trabalhava para um dos maiores cartéis da história e sabia dos riscos que estava correndo, mas preferia simplesmente os ignorar. Nunca foi o tipo de pessoa que seguia todas as regras, as corridas de rua que participava quando mais nova eram a prova, mas após certo tempo e das broncas do Mestre passou a se dedicar unicamente a carreira de lutadora. Embora não tivesse terminado a faculdade os anos de prática e o nível no Muaythai permitiram que ela se tornasse professora. Tinha que se dividir entre dar aulas, treinar e estudar. Estava no auge da carreira quando as coisas começaram a dar errado.
Erguendo o olhar, observou a pequena sala de paredes cinzas ao redor e parou por alguns segundos para analisar sua imagem refletida no vidro. O cabelo escuro preso em um r**o de cavalo estava um tanto bagunçado, acima do olho direito havia um corte coberto por sangue seco e no braço esquerdo, atingido por um tiro de raspão, a manga da camisa fora arrancada exibindo suas inúmeras tatuagens e um curativo m*l feito. Se lembrou com clareza da voz de George, seu pai quando foi visitá-la: “Você é uma decepção, Jimena”
Naquele momento ela teve certeza de que era realmente uma decepção, para a família, para o mestre e para si mesma.
Escutou o ruído da porta sendo aberta, mas continuou na mesma posição olhando para aquele espelho e imaginando quantos agentes estariam ali para assistir o interrogatório.
— Pensei ter ouvido errado quando falaram o seu nome.
Fechou os olhos ao escutar aquela voz e desejou que um raio caísse na sua cabeça naquele exato momento. Xingando mentalmente até a sexta geração daquele homem ergueu o olhar e encarou Ethan Parker com aquele mesmo sorriso arrogante na cara, usando um maldito uniforme da agência e um distintivo no pescoço. A aparência dele era quase a mesma de anos atrás, exceto pelos músculos que pareciam maiores a ponto de quase rasgarem a manga da camiseta. Corte militar e rosto quadrado livre de barba, continuava com a mesma cara de i****a metido a galã.
— Também não esperava ter que olhar para sua cara de novo — rosnou irritada fitando os olhos azuis e frios do homem.
— Sempre soube que não tinha um bom caráter — murmurou Ethan movendo a cabeça em negação antes de deixar uma pasta sobre a mesa, apoiou as mãos na mesma e inclinou-se na direção da ex-lutadora. — Por que não nos poupa tempo e começa a falar?
— Que eu saiba tenho direito a uma ligação e a permanecer calada.
— Isso não é a p***a de um filme, então é melhor abrir o jogo se não quiser piorar a sua situação.
— Não vou falar merda nenhuma sem a presença de um advogado.
Voltou a fitar um ponto qualquer da sala, estava completamente irritada. Havia muitos riscos em revelar alguma informação, principalmente para aquele cara. Odiava Ethan desde a época em que ele frequentava a academia. Ele era arrogante, narcisista e egocêntrico.
— Se quer dificultar as coisas tudo bem. — Ele calmamente se sentou e começou a analisar a pasta que trazia consigo. — Se quer bancar a traficante saiba que aqui as coisas funcionam de um jeito diferente.
Jimena voltou a fixar o olhar no espelho, imaginando equipe em salas iguais àquela passando pelo mesmo processo. Tinha que achar um jeito de sair dali o mais rápido possível sem que nenhum dos amigos tivessem chances de serem condenados.
— Pelo que vejo na sua ficha parou de se envolver com as suas alunas, não é professora? — Ethan a fitou com um sorriso irônico ao pronunciar a última palavra com desprezo.
— ¡Pinche cabrón!* — grunhiu desejando estar livre das algemas para poder tirar aquele sorrisinho irônico da cara dele.
— Parece que alguém ficou irritada, ahm?! — Ele fez uma pausa a analisando com exímia concentração. — Vamos lá, comece a falar.
— Já disse que não vou falar nada, está perdendo o seu maldito tempo.
O homem grunhiu irritado antes de se levantar e acertar um soco no rosto da ex-lutadora. O golpe fez o ferimento sobre o olho voltar a sangrar, mas Jimena apenas moveu a cabeça em negação antes de esboçar um sorriso discreto mais que esbanjava ironia.
— Uma garotinha de dez anos bate melhor do que você — comentou o encarando.
O rosto de Ethan adquiriu um forte tom de vermelho, aquele sempre seria um ponto franco, mas antes que ele pudesse fazer algo a porta foi aberta novamente. E como já diria a famosa Lei de Murphy: “Qualquer coisa que possa ocorrer m*l, ocorrerá m*l, no pior momento possível.” Qual não foi a surpresa quando Jimena olhou em direção a porta e encontrou a ex-namorada?
Realmente parou um segundo para se perguntar se dois raios caindo diretamente em cima dela não seriam mais agradáveis.
— Parker, saia por favor. — Ela ordenou lançado um olhar sério para Ethan. — Eu assumo a partir daqui.
— Tem certeza? Não acho que seja… — ele até tentou argumentar, mas logo foi interrompido.
— Tenho, pode ir.
A resposta de Alyssa soou em um tom tão firme que quase, quase, fez Jimena abaixar a cabeça. Apesar disso o homem pareceu hesitar por alguns instantes com os olhos fixos na companheira de trabalho até finalmente deixar a sala. Antes disso fez questão de lançar um olhar ameaçador para a ex-lutadora que não se deixou abalar por aquela ameaça e ainda fez questão de corresponder na mesma intensidade.
Quando a porta finalmente se fechou pôde desviar o olhar para a agente e por alguns instantes a única coisa que conseguiu fazer foi admirar a mulher. Os cabelos estavam um pouco mais curtos e preso em r**o de cavalo, a camiseta uniforme do DEA, a arma presa a coxa direita e o distintivo dourado no cinto. Nem de longe Alyssa Baker lembrava aquela jovem insegura do passado.
A agente jogou uma pasta sobre a mesa e o baque a despertou daquele estado quase hipnótico.
— Vamos direto ao ponto. Localização das fábricas e ponto de entrega.
Jimena desviou o olhar de Alyssa voltando a fitar a parede. Respirou fundo tentando controlar os batimentos cardíacos já que seu coração pareceu ficar bem animado com presença da agente. Precisou de mais um segundo para espantar todos os pensamentos desordenados e memórias que surgiram e finalmente recuperar a pose, afinal tinha que fazer jus ao que diziam.
— Não sei. — Deu de ombros com a displicência de quem responde a uma pergunta tosca e parecendo muito entretida com uma pequena mancha na parede. — Deveria?
— Eu não tenho tempo para brincadeiras.
— E que está brincando aqui? — Jimena respondeu tranquilamente antes levantar um pouco o braço direito e esfregar o rosto na manga da camisa, o sangue começava a atrapalhar a visão.
— Quer me convencer de foi presa escoltando um carregamento de cocaína, mas não sabe de nada?
— Pois é, acontece com mais frequência do que parece.
Jimena continuava evitando o contato com os olhos castanhos claros da agente, estava um tanto quanto constrangida com toda aquela situação que chegava a ser ridícula. Tantos policiais e agentes federais no país e tinha que ser presa justo pela ex-namorada e o amigo i****a dela?
— Olha, eu não tenho tempo para essas enrolações então, por que não abre o jogo e me diz o que quero saber?
— Até poderia, se eu soubesse.
— Eu estou tentando do jeito fácil, mas talvez prefira ser interrogada pelo Parker.
— Vocês vão fazer aquele número onde um é policial bonzinho e outro o policial malvado?
— Se você quer fazer do jeito difícil, tudo bem. Vou deixar você pensar um pouco para refrescar a memória, talvez assim você se lembre de algo que queira me contar.
Enquanto a agente caminhava em direção a porta não pôde deixar de observá-la e notar que ela havia feito um undercut e que parecia ter ficado ainda mais bonita.
Sabia que em algum momento se encontraria com o passado, mas não imaginava que seria tão cedo e muito menos da pior forma possível. Não havia esboçado reação, mas se pudessem ler a sua mente se sentiriam tão confusos quanto ela.
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Fechado a porta atrás de si, Alyssa respirou fundo antes de caminhar pelo corredor e entrar na sala onde o próximo interrogatório seria feito e assim como na anterior ela conhecia muito bem a mulher a ser interrogada.
— Alyssa? — indagou Veronica parecendo realmente surpresa.
— Eu sabia que você se envolvia em atividades ilegais, mas não esperava isso.
— Acontece nas melhores famílias — respondeu após um dar de ombros.
Veronica continuava com aquela aparência jovial, os cabelos castanhos tinham mechas azuis e a mesma aparência propositalmente bagunçada de sempre. Aquela energia perspicaz ainda brilhava através dos olhos verdes e se estendia ao sorriso cativante. Haviam conhecido em uma das idas ao apartamento de Jimena quando a encontrou jogada no sofá assistindo a um jogo de basquete.
— Localização das fábricas e ponto de entrega? — indagou sem muita paciência.
— Não faço ideia. Estou aqui por mero acaso do destino.
— Parece que escoltar uma carga de cocaína se tornou uma casualidade, algo que as pessoas fazem diariamente — Alyssa resmungou em um tom irônico.
— Pensei que fosse farinha — murmurou com um dar de ombros e um sorrisinho divertido — Mas é uma atividade tão normal quanto fazer faculdade.
— Apenas responda à pergunta.
— Foi m*l, mas não será possível.
(…)
De volta a sala que costumava ocupar, Alyssa observava a ex-lutadora pelas imagens de uma das câmeras de segurança. Meses de investigação, tentando descobrir as rotas de entradas de drogas e a localização das fábricas e armazéns, e sabia-se apenas que nos últimos de dez meses as principais cargas que entravam nos Estados Unidos eram escoltadas e entregues pelo grupo conhecido como “Los Diablos”. A identidade dos integrantes era um mistério para toda a agência, sabiam somente a forma como chamavam o líder, ou melhor, a líder do grupo, Rodríguez. Eles poderiam ser bem escorregadios quando queriam, mas depois de um longo mês organizando a operação para prender o grupo, finalmente conseguiram. O que não esperava era encontrar, ou melhor, reencontrar com Jimena.
Na ficha dela não havia muito sobre a prisão anterior já que todo o processo havia corrido em segredo de justiça. Cumpriu cinco anos e dois meses em um presídio do Texas e após contratar um novo advogado saiu com uma milagrosa redução de pena por bom comportamento. Depois disso quase desapareceu dos registros, exceto por alguma movimentação na conta bancária que parecia quase insignificante considerando a atividade atual.
Desviou a atenção dos papéis assim que ouviu uma batida na porta. Murmurou um “pode entrar” antes guardar os documentos em uma pasta. Logo Caitlin, sua amiga e companheira de trabalho, entrou na sala os olhos verdes fitando a amiga curiosamente.
— Tudo bem? — Caitlin indagou ao, praticamente, se jogar na cadeira mais próxima.
— Sim, apenas pensando um pouco.
— Acho que ninguém imaginava reencontrá-la nessas circunstâncias — disse ao olhar imagem da ex-lutadora no monitor enquanto prendia o cabelo loiro em um coque bagunçado.
— Eu nem sei se queria esse reencontro. Não agora. — Foi sincera, reencontrar Jimena havia sido um baque quase como levar um soco no estômago. — Mas, não é hora para pensar nisso. A Jimena e a Verônica não responderam a uma única pergunta.
— Sinto de informar que os amigos dela também não. Talvez seja melhor uma abordagem mais dura.
— Ainda não. Talvez algum tempo em confinamento possa fazer efeito, sem ter a quem recorrer eles vão entrar em desespero e começar a falar. — Lançando mais um olhar para a pasta sobre a mesa uma ideia lhe surgiu. — Deveríamos tentar um acordo.
— Que tipo de acordo?
— Ainda não sei. — Alyssa respirou fundo e fitou o monitor sobre sua mesa. — Mas não acho que ela se mantenha calada por fidelidade ao cartel.
— Então por quê? — Sarah pensou por um instante. — Os amigos dela tem passagem?
— Veronica García e Brianna Coleman por corridas de rua e pequenas quantidades de droga, Dustin Reed é ex-policial expulso da corporação, Belinda Flores está vivendo em situação ilegal e Luke Holt sem passagens — Alyssa respondeu analisando os papéis.
— Qual foi a pena dela?
— Doze anos. Está em condicional, saiu antes de completar metade da pena após contratar um novo advogado, Maxwell Young.
— Esse cara consegue tirar até serial killer da cadeia, é um dos mais caros e requisitados da Califórnia. Como ela conseguiu contratá-lo? Se bem lembro que na época do julgamento ela precisou de um defensor público.
— Tem algo de estranho nessa história.
Foram interrompidas por batidas na porta e Ethan entrando logo em seguida. Parecendo cansado e irritado ele se jogou sobre a cadeira restante soltando um resmungo ininteligível logo após.
— São quase oito da manhã, o major acabou de avisar que quer uma reunião às três e eu só queria um banho e três horas de sono.
— Nem percebi o tempo passar — Alyssa murmurou lançando um olhar para o relógio no pulso esquerdo. — Acho que um pouco de descanso antes da reunião é o melhor para todos.
— Precisamos ficar espertos, só jogaram essa operação no nosso colo porque pensavam que não íamos conseguir — concluiu Caitlin ao se levantar.
— Já tiveram prova de que somos capazes — resmungou Ethan ao abrir a porta.
— Já estamos no comando da operação e nem mesmo o major pode nos tirar, então vamos descansar e deixar para discutir isso mais tarde.
Seguindo o exemplo dos amigos Alyssa foi para casa já que de nada adiantaria permanecer esperando a boa vontade de Jimena e o resto da equipe.
Não demorou para chegar em casa, já que não ficava muito distante da central. Ao entrar no apartamento jogou a bolsa sobre o sofá e seguiu direito para o quarto, retirou as roupas rapidamente deixando-as jogadas no chão. A água quente ajudou a relaxar os músculos tensos, embora se sentisse completamente exausta como se tivesse atravessado o país correndo sem parar. Vestiu uma roupa confortável e jogou-se na cama, estava cansada, porém sua mente parecia trabalhar a todo vapor. Anos haviam se passado e não vira Jimena desde aquele fatídico dia e que ela foi julgada. Pensou que talvez a melhor coisa a se fazer fosse seguir em frente então focou em estudar e trabalhar.
Ver Jimena novamente a deixara desnorteada, durante a perseguição até pensou ter se enganado ao ver a mulher atirando. Bastou vê-la saindo do carro teve uma certeza quase absoluta que por um fio não se esvaiu ao ver Jimena atacar Steve em uma fúria cega e precisando ser contida por dois agentes que tinham o dobro do seu tamanho. Havia algo errado e iria descobrir o que era.
* ¡Pinche cabrón!: maldito safado