— Tem alguma pergunta? — Chris, minha nova chefe, e gerente da loja, me pergunta pela milionésima vez.
Vamos para os fundos da loja, numa sala ao lado do caixa, onde ela se senta na cadeira atrás de uma mesa branca e bem arrumada. Talvez ela tenha TOC, imagino.
— Não, senhora — A respondo quando me sento na cadeira do outro lado da mesa.
— Pode me chamar de Chris. Mas isso é tudo o que você precisa saber, mas se você tiver alguma dúvida ou dificuldade pode perguntar, tudo bem? Pode ser pra quem estiver por perto, também, se você não me encontrar.
— Tudo bem, muito obrigada, Chris — Sorrio para ela, dando ênfase no Chris.
— Ótimo, então você já pode começar seu trabalho.
Chris não me espera responder, pega seu celular e o enfia no ouvido, falando com alguém que esteja do outro lado da linha. Ela faz um gesto com a mão e eu entendo que quer que eu saia da sala. E é o que faço. Saio da sala e olho em volta.
Tomara que esse trabalho dê certo, penso.
Caminho até a frente da loja e fico andando de um lado para o outro, nervosa, esperando algum cliente chegar. Mas a única pessoa que entra é um homem moreno, alto e forte. Ele entra todo apressado, com o uniforme, e vai direto para os fundos da loja. Pelo jeito ele trabalha aqui e está muito atrasado, já que a loja abriu faz uma hora.
Meia hora depois e dois clientes atendidos, aquele cara aparece perto de mim, do nada. Ele não percebe minha presença, absorto em seu trabalho de repor as roupas de uma prateleira.
Chego perto dele como quem não quer nada e esbarro nele, fingindo ser sem querer.
— Oops! Me desculpa. — Ajo sonsamente.
— Tudo bem — Ele me olha (Finalmente!) e sorri.
Sorrio para ele e aproveito para dar uma boa olhada no perfil. Alto, atlético, moreno de olhos verdes...? MEU. DEUS. Uma pena que não posso me apaixonar.
— É nova aqui? — Ele puxa assunto, percebendo minha mudez.
— Ah, sim! Comecei faz meia hora.
— Legal! Sou Rennan, uns dos repositores da loja. — Ele estende sua grande mão para mim, todo sorrisos.
— Gabriela, atendente há meia hora. — Retribuo o aperto maravilhoso e aconchegante.
— Posso te chamar só de Gabi? — Ele solta minha mão e da uma risadinha.
— Pode, Claro. — Sorrio um pouco corada.
— Então, Gabi, o que uma garota bonita está fazendo trabalhando numa loja de departamento? — Ele perguntou, conquistador.
— Não me deram uma vaga de pediatra no hospital da cidade — Dou de ombros e faço um biquinho.
— Uma pena... — Ele olha em volta e depois volta sua total atenção à mim — Não podemos ficar batendo papo aqui, mas o que acha de ir almoçar comigo naquela lanchonete que tem ali do outro lado da rua?
Sorrio e assinto — Acho uma ótima ideia.
***
Meus pais se separaram um ano depois do nascimento do meu irmão Claudio. Naquela época eu tinha três anos e meu irmão mais velho seis. Eu não me lembro de muita coisa da separação, mas lembro quando meu pai vinha buscar eu e meus irmãos para passear, aos sábados.
Júnior lembra mais e sempre que surge o assunto ele comenta que papai nos levava para o shopping, nos deixava no play e ia fazer compras com sua namorada. Até que eles se casaram e ela engravidou. Depois disso ele parou de nos buscar.
Eu tinha sete anos e lembro como Júnior ficava o esperando o dia inteiro e no final do dia se trancava no quarto. Eu e Claudio nunca nos importamos com isso, apenas achávamos triste e estranho, nosso irmão ter o mesmo nome que nosso pai.
Depois da separação mamãe não chamou mais o Júnior de Gabriel, às vezes ela chama, quando está nervosa ou com raiva de alguma coisa. Acabou que isso pegou em toda família e sempre que alguém está nervoso ou com raiva dele o chamam de Gabriel. E ele odeia, mas nunca diz nada. Tipo agora.
— Gabriel! — Estou no meu quarto, mas ouço o grito da minha mãe retumbar, como se ela estivesse aqui dentro.
— Eita, o que será que ele fez agora? — Ana, minha melhor amiga, sussurra, como se não estivéssemos sozinhas no meu quarto.
— Júnior nunca precisa fazer nada para que mamãe fique nervosa — repondo irônica.
Júnior foi o que mais sofreu com a separação, acabou que ficou rebelde. Até que agora, que está com 22 anos, ele está melhor do que quando tinha 16.
— Lembro até hoje da primeira vez que vim dormir na sua casa. — Minha amiga conta e estremece com a lembrança.
Rio ao me lembrar de quando tínhamos nove anos e Ana veio dormir aqui. Foi tudo muito legal, até que no dia seguinte acordamos e ela estava com a cara toda pintada de caneta permanente, cujo artista foi Júnior. Ela teve que usar a maquiagem da mãe por uma semana, até que saísse. Foi engraçado, mas triste também, porque sua mãe demorou para deixá-la vir novamente.
— Não foi engraçado — Ela me repreende. A olho e ela está visivelmente segurando a risada.
— Você é uma boba! — Gargalho e ela acaba rindo também.
— Então, como foi sua primeira semana no trabalho? — Ana pergunta depois que nos acalmamos.
— Legal — Sorrio um pouco, já sentindo minhas bochechas esquentarem.
— Legal, é? — A olho e ela está com cara de quem está maliciando.
— Ok! — Digo e levanto minhas mãos como rendição. — Eu conheci um cara muito gato, e já saímos duas vezes.
— Meu Deus! Já duas?!
— Pois é... Acho que dessa vez vai ser rápido. — Dou de ombros e me deito do seu lado, na minha cama. — Seria muito fácil se apaixonar por ele, se eu não tivesse criado essas regras, Ana.
— Então porque não faz isso? Se deixe apaixonar e esqueça as regras.
— Não posso... - Suspiro, lembrando das mesmas milhares de vezes que tivemos essa conversa. Me viro e fico de costas, olhando para o teto. — Sei que é difícil entender, mas isso não pode acontecer. É o melhor para todo mundo.
— Melhor pra você, né? — Ela suspira e se levanta, pega seu celular e dá uma olhada. — Saco! Minha irmã disse que a Flor tá passando m*l.
— De novo? — Me sento, a observando. — Melhoras.
Ela joga um beijo e sai rapidamente do meu quarto.
Sua gata, Flor, já está bem velhinha e últimamente vai quase todos os dias no veterinário. Flor é uma gata legal, assim como Ana é uma ótima amiga. Ela guarda meus segredos como se fossem seus, mas sempre dá suas opiniões sobre tudo. Ela diz que são conselhos de amiga, mas eu sei que ela está treinando para quando tiver sua clínica de psicologia.
Saio do meu quarto, passo pelo do Claudio e o vejo debruçado sobre os livros. Ele é um bom menino, não merecia e nem merece ter um pai igual o nosso, que não liga e nem se orgulha dele. Claudio vai ter um futuro maravilhoso, não por querer se mostrar ao pai que não tem, mas por ter sido criado com muito amor e carinho pela nossa mãe, uma guerreira que mesmo em meio às dificuldades não deixa se abalar.
Continuo andando e vou para a cozinha, onde encontro minha mãe, que está concentrada descascando uma dúzia de batatas.
— Quem vem jantar? — Pergunto de brincadeira, me sentando ao seu lado na mesa.
— Meu namorado. — Ela diz calmamente, sem parar de descascar as batatas.
— Seu o que? — Poderia ter engasgado, se tivesse com algo na boca.
— Meu namorado. Ele vem para conhecer vocês.
— Mas... Mãe...
— O que? - Ela me encara e para de descascar — Estou viva minha filha, e você também. Por que ainda não arranjou ninguém?
Reviro os olhos. Ela sempre dá um jeito do assunto se virar para mim.
— Você sabe que eu não quero nada.
— E você sabe que nem todos os homens são iguais.
— Papai e Victor são.