As regras são feitas para que nada saia dos eixos, ou melhor dizendo, para organizar algo que está ou ficará desorganizado.
Bem, isso é o que diz o meu dicionário, não sei o seu.
Mas, com base nisso, eu fiz umas regras para minha vida amorosa:
RN°1: Nunca mais se apaixone;
RN°2: Faça os caras se apaixonarem por você;
RN°3: Minta para um homem no máximo 10 vezes;
RN°4: Não se apaixone;
Tive a ideia dessas regras mais ou menos umas três horas depois que peguei meu ex com uma garota, aos amassos, no restaurante da minha antiga faculdade.
Não sei se isso é fútil ou infantil. Se é besteira ou perca de tempo, por eu estar enganando caras que não tem nada haver com essa história toda. Mas não ligo. Eu não sou a pessoa mais feliz do mundo por fazer outras pessoas sofrerem, mas isso me trás um sentimento de que estou fazendo algo bom para as mulheres. Fazendo com que os homens entendam o que sentimos e passamos quando somos enganadas por eles.
— Gabi...
Olho de onde vem a voz da minha mãe, e lá está ela, na soleira da porta, de braços cruzados.
— Desculpa, sei que estou atrasada pro trabalho, mas só estou enviando esses currículos rapidinho. — Digo e volto a olhar para a tela do computador, que na verdade está mostrando a minha lista de regras e não meu currículo, que contém somente meu endereço e telefone.
— Aham, sei. — Ela da meia volta e sai do meu quarto.
Antes que eu desligue, escrevo mais uma regra:
RN°5: Não apresente os caras para sua família.
Sei que é meio confuso, mas a cada homem que eu iludo, eu anoto uma nova regra.
Com o Thiago percebi que eu tinha mesmo que criar umas regras e logo a primeira foi não se apaixonar.
Pedro foi difícil, mas consegui com que ele se apaixonasse por mim.
Ricardo fazia muitas perguntas, era muito curioso sobre a minha vida, então percebi que se não quisesse levar aquilo pra frente, tinha que ser uma boa mentirosa. Mas nem tanto.
Terminei com o Paulo um minuto depois que aceitei seu pedido de namoro, então, assim que cheguei en casa, tive que escrever novamente que não era pra me apaixonar. Porque uma coisa leva a outra, não é?!
Ontem João pediu para conhecer a minha família, porque, como ele disse, já estávamos ficando há um mês. Então, imagina o que eu fiz? Isso mesmo, eu disse: "Então... Isso mesmo que eu ia falar, meus pais não aceitam que eu namore com caras de outra ou nenhuma religião. Então... Não podemos mais ficar juntos."
Depois disso lhe dei as costas e desde então estou ignorando suas ligações e mensagens.
***
Minha mãe, dona Cláudia, é diretora de uma escola particular. A escola é na verdade da família mesmo, meu avô, pai da minha mãe, fundou a escola e deixou de herança para os filhos: meu tio e minha mãe.
Meu tio administra a parte financeira e minha mãe faz coisas de diretora. No meio disso tudo algumas pessoas da nossa família sempre conseguem um emprego temporário na escola, e uma dessas pessoas sou eu. Mas só por seis meses, ou até conseguir um outro emprego.
— Já achou alguma coisa? — Meu tio sempre pergunta, quando vem na secretaria.
— Não é tão fácil alguém sem experiência conseguir um emprego hoje em dia, tio. — Digo enquanto continuo olhando para a tela do computador, onde estou enviando algumas provas para a impressora.
— Acho que você tem que ir nos lugares, em vez de mandar um email. — Ele pega uma cadeira e se senta ao meu lado.
— Também acho, tio, mas não tenho tempo para ir.
— O que acha de uma folga? Você já está trabalhando aqui há três meses, precisa de um dia livre pra bater perna e procurar um trabalho.
Paro o que estou fazendo e olho para meu Tio, atônita.
— Como assim folga? Vou receber menos por isso, tio, então nem vou!
— Calma, você vai receber o salário normal. No dia, não terá aula, então nem precisa vir.
— Ah... Eu... — Suspiro e sorrio — Tudo bem! Obrigada, tio.
— Ótimo! — Ele se levanta e vai saindo da secretaria. — Isso é tudo. Aliás, sua folga é amanhã.
Ele bate na mesa levemente, para dar ênfase e se vai.
***
Terminei o ensino médio com 17 anos, entrei para a faculdade de gastronomia e fiquei por um semestre. Não era para mim e também, depois que meu pai parou de pagar a pensão, as economias foram tudo para baixo.
Conheci o Victor na faculdade, ele era da minha turma. Em um mês começamos a namorar, em dois ele tirou minha virgindade no sofá em que dormia no apartamento do amigo. Em quatro meses de namoro ele pediu para se casar comigo, no dia seguinte o peguei aos amassos com uma garota da nossa turma.
Eu troquei de turma após nosso término, mas no fim do ano eu tranquei a faculdade. Isso foi a quase dois anos atrás, quando eu tinha 17, agora tenho 19 e estou, ainda, sem uma faculdade, e pulando de um emprego a outro. Mas meu sonho mesmo é viajar pelo mundo. Nem ligo muito para o trabalho, quero mais é o dinheiro para bancar as viagens.
Hoje acordei cedo e vim para o centro da cidade distribuir meu currículo, que contém somente meu nome, endereço e meios de comunicação. Não tenho como provar minha experiência em alguma área, também nunca fiz um curso profissionalizante para poder adicionar ao currículo. Estou a mercê da boa vontade das pessoas, literalmente.
Já passou da hora do almoço, estou morrendo de fome, mas estou entrando numa loja de roupas masculinas, para entregar minha última cópia do currículo. Uns caras me olham de canto de olho, mas sigo em frente até o caixa, onde está a única mulher que vi dentro da loja.
— Olá, em que posso ajudar? — Ela pergunta sorridente, assim que paro na sua frente.
— Então... — Sorrio e tento parecer simpática, e confiante. — Vi que estão precisando de vendedor. — Aponto para a placa que tem na porta da loja. — Vim me candidatar. — Pego meu último currículo e a entrego. — Eu não tenho experiência, mas aprendo rápido, assim como gosto de lidar com pessoas. Eu faço um bico de secretária no colégio da minha família, então acho que já é alguma coisa, não é?!
— Bem... — Ela diz encarando meu currículo vazio. — O que estamos procurando mesmo são homens, mas vou entregar para a gerente. Qualquer coisa a gente te liga, ta?
— Ok, obrigada! — Sorrio para a moça mais uma vez e saio da loja
Agora que posso comer vou correndo, mentalmente, para a lanchonete que tem ali na esquina.
***
Assim que chego em casa meu celular toca. Pego e atendo ao mesmo tempo em que me jogo no sofá.
— Alô? — Digo para seja-lá-quem-for que me ligou.
— Boa tarde, eu poderia falar com Gabriela Frabez?— uma mulher pergunta.
— É ela.
—Ah! Bom, a senhorita poderia vim fazer uma entrevista , amanhã, na loja Yara masculina?
Prendo a respiração ao sentir meu coração dar um salto de ansiedade.
Será que agora consigo um emprego?
— Ca-claro! — Gaguejo — Que horas tenho que ir?
— Pela manhã, às nove. Sabe onde fica?
— Sei sim. muito obrigada, amanhã estarei ai!
— Ótimo, tenha uma boa tarde. — E desliga.
— Quem era?
Meu irmão mais novo aparece do nada, me dando um susto. Me sento no sofá, enquanto ele se joga no outro.
— Já me ligaram para uma entrevista.
— Já?! Nossa, você tá podendo, em! — Ele brinca.
— Nossa, Cláudio, vai estudar!!! — Entro na brincadeira.
— Passei a manhã estudando. Meu cérebro está cansado. Aliás, você tem que estudar também. O Enem já é semana que vem.
Bufo — Eu sei, espertinho, eu sei!
— Entrar na federal não é fácil, tem que ser muito crânio.
— Olha, Sr. Nerd, eu sei muito bem. Não preciso que nenhum colegial me diga.
— Falou a universitária — Ele ri da própria ironia.
Cláudio pega o controle e liga a tv, parecendo já cansado da conversa. Mas eu não.
— Vai assistir a sessão da tarde? — Me deito novamente no sofá.
— Eu vou. Já você vai estudar.
Reviro os olhos e coloco um travesseiro embaixo da minha cabeça. Confortável e pronta para o filme da tarde, que provavelmente já vi umas cem vezes.
— Quando o filme acabar eu penso nisso.
Mas nem pensei.