Ao passar pela entrada principal da casa, Ella não sentiu o calor de um lar. Seu pai estava no escritório, e era para lá que se dirigia. Foi recebida com um simples "olá" e logo dispensada. Ele ia tratar de negócios.
Ella começou a repensar sua certeza de que seu pai era um bom pai. A frieza depois de um ano sem vê-la... E ainda assim ele a forçaria a se casar com um homem que ela m.al conhecia, sem saber como esse homem a trataria.
Ao entrar no quarto, seus pensamentos foram para a cama, onde logo estaria dividindo um espaço com um homem que temia. Ela afastou esses pensamentos, trancou a porta e foi tomar banho, decidida a dormir, já que não conseguira pregar os olhos na noite anterior.
Quando saiu do banho, ouviu batidas na porta e decidiu ignorar. Algo dentro dela dizia que era Otávio, e não desejava encontrá-lo de jeito nenhum. Ele não entraria no quarto, era a chance que ele esperava. Além da chave comum, a porta tinha uma trava de ferro com espaço para um cadeado. Ricardo a instalara uma noite, quando todos estavam fora, como uma forma de protegê-la quando ele não estivesse por perto. Ella foi até lá e passou o trinco. Ouviu a porta ser esmurrada algumas vezes antes de escutar passos se distanciando.
Deitou-se e dormiu. Acordou com fome, ciente de que havia perdido o horário do almoço.
Desceu as escadas e encontrou seu pai. Decidiu implorar mais uma vez:
— Não quero me casar, por favor.
— Isso não está em discussão, Ella — ele respondeu, com um tom forte e decidido. — Ah, seu irmão acabou de sair de viagem. Só volta no final do mês, alguns dias antes do seu casamento. Precisava de alguém para fiscalizar os negócios fora, então o mandei.
Foi a forma que seu pai encontrou de dizer que estava protegendo-a, pelo menos de Otávio. Do marido, ninguém poderia protegê-la.
— Obrigada, isso é importante para mim.
Ele passou por ela, fazendo um leve aceno com a cabeça.
Depois de um lanche rápido, Ella resolveu se arriscar e ir até o quarto de Otávio. Sabia que não deveria, mas desejava visitar Helena, a esposa dele. Helena era uma pessoa doce, que aos poucos estava se apagando devido aos maus-tratos de seu irmão. Estava tão quebrada que quase não saía do quarto.
Quando chegou à casa, Helena era uma mulher bonita e sorridente. O casamento com Otávio havia sido por procuração, mas na primeira noite que dividiram a cama, tudo mudou. Ella lembrava dos gritos de Helena durante horas. Era impossível que alguém na casa não tivesse escutado naquela noite, mas ninguém podia fazer nada. Ele era agora o marido dela. Ricardo até pediu perdão a Ella por não poder intervir. Ela viu nos olhos dele a dor de saber que um homem podia ser tão brutal com uma mulher.
Quando enfim os gritos cessaram, Ricardo saiu do quarto de Ella e pediu que ela dormisse. O carinho e a confiança entre os dois eram tão grandes que, muitas vezes, ele passava a noite no sofá ao lado da cama dela. Ninguém percebia, pois ele se movia pela casa como um fantasma. Ella teve pavor daqueles gritos durante meses, e agora, provavelmente, em breve seria ela a gritar. E, mais uma vez, ninguém poderia oferecer socorro.
Ela bateu na porta de Helena e entrou. Helena estava sentada na cama, com um dos olhos roxo e o lábio inferior cortado. Era possível ver as marcas dos dedos de Otávio em seu rosto e braços.
— Sinto muito pelo que ele faz com você — disse Ella, abraçando-a.
Helena começou a chorar.
— Queria que isso acabasse, Ella. Não suporto mais. Sabia que seria rui.m., mas não assim. Ele é h******l. Temo a noite porque sei que vai me tocar, mas durante o dia são os tapas, socos e insultos por qualquer coisa. Hoje foi por causa da viagem.
— Você sabe, não sabe, Ella, por que ele ficou tão irritado ao sair depois que você chegou? — Helena perguntou.
Ella assentiu, engolindo em seco.
— Sei. E não sei o que é pior: meu casamento ou ficar nesta casa correndo o risco de permanecer próxima a Otávio.
As duas se abraçaram, e Helena disse:
— Faça ele gostar de você. Não deixe que ele faça com você o que Otávio faz comigo. Pelo menos ele vai protegê-la de Otávio.
Ella concordou.
— Mas quem vai me proteger de Xavier? — murmurou. Helena não respondeu, porque, mais uma vez, a resposta era ninguém. Ninguém podia protegê-la da Fera.