Capítulo 1
Capítulo 1
Ser demitida por gritar com um paciente insuportável, não era o que eu esperava para aquele plantão, ou meu objetivo de vida. Mas como eu adivinharia que aquele homem gigante e ranzinza e i****a era um mafioso? E justo o cara que comandava a cidade no qual eu morava a 1 ano? Não que eu seja desligada, sou muito observadora, mas estou tão focada no meu trabalho que não enxergo coisas mínimas. Amava o meu trabalho, amava cuidar das pessoas e fazer o possível para que elas tivessem a oportunidade de "viver de novo".
Sou brasileira, sai da minha terra há um ano para buscar melhorias de vida em outro país, e Sydney, Austrália, é a minha primeira tentativa. No começo foi difícil, mas as coisas estavam indo bem até o momento é claro, não costumo me lamentar ou pensar negativo, mas minha situação não era uma das melhores agora. As duas da madrugada, um homem baleado deu entrada no hospital, mas não pelas portas da frente, e sim pelos fundos, às escondidas. No início não entendi o que estava acontecendo e nem a movimentação causada pelos funcionários. Até que uma enfermeira deixou escapar que o homem era Dante, líder da máfia australiana, e aquela cidade, e aquele hospital estava sobre sua proteção por isso ele deveria ter um tratamento especial.
Criminosos deveriam estar na cadeia, e mesmo achando um absurdo tudo o que estava acontecendo o mandei encaminhar para a sala de cirurgia, para retirar a bala alojada em seu ombro. O homem não parava de soltar exclamações furiosas e brigava com os anestesistas ordenando para que não enfiassem nenhuma porcaria no seu corpo.
Depois de fazer toda a assepsia, entrei na sala observando o homem sentado na maca, que se recusava a se deitar, e fazia birra. Sua ficha dizia que ele tinha 30 anos, o que me causou indignação por um homem daquela idade está se comportando m*l daquela maneira, havia crianças mais comportadas que ele.
Três seguranças estavam na porta quando deixei de curiar pelo vidro e entrei na sala. Dante Moretti era um homem grande e musculoso, pele bronzeada, cabelos quase raspados e olhos verdes cheios de raiva e intrigantes. Seu sobrenome era italiano, e agora estava curiosa se era por parte da família, ou se veio da Itália, é claro que veio, mas isso não era da minha conta.
Eu não deveria estar preocupada com suas origens ou em como ele era atraente, na verdade, um dos caras mais bonitos que já vi por aqui.
— O Senhor deve cumprir com os protocolos do Hospital. Irão aplicar uma anestesia local e iremos remover a bala alojada em seu ombro, será um processo rápido e logo estará se recuperando em casa. — resolvi me manifestar, sendo alvo do grandalhão.
Ele me analisou, crispando os lábios, não parecendo nenhum pouco feliz. Bom, não me importava seus sentimentos agora, eu só deveria fazer o meu trabalho e garantir que ele se mantenha vivo.
— Quem é essa mulher? — latiu para mim, olhando-me dos pés a cabeça.
Não gostei da forma julgadora em seus olhos, já passei por isso muitas vezes na minha vida. Por ser mulher, as pessoas, e os homens em especial não acreditavam no meu potencial, jogando anos de estudos e dedicação ao ralo. E isso me dava mais força de vontade para lhes mostrar o meu talento.
— Essa mulher se chama Paola, sou a cirurgiã que irá cuidar de você. — retruquei friamente.
Nunca abaixaria a cabeça para um homem, nem mesmo se esse homem fosse a droga de um criminoso que eu não dava a mínima. Meu trabalho aqui não era conversar, e sim fazer uma cirurgia.
Dante parou de xingar minha equipe médica, e seus olhos agora curiosos estavam me analisando, de uma maneira que eu deveria não gostar.
— Seu sotaque é diferente. — comentou indiferente, mas o tom de voz agora calmo.
— Sou estrangeira. Mas não estamos aqui para falar sobre mim. O Senhor vai cooperar conosco, ou teremos que dopá-lo?
— Sabe com quem está falando?
— Sei exatamente com quem estou falando, um homem baleado que não tem a capacidade de estar discutindo por algo fútil e deveria estar na mesa de cirurgia agora mesmo.
— Tirem essa mulher daqui. — esbravejou me ignorando.
Minha paciência havia esgotado ali.
— Cale a maldita boca e me deixe trabalhar em você. — gritei vendo surpresa em seu rosto.
Não apenas nele, mas em todas as pessoas que estavam na sala. Um de seus seguranças tossiu e imagino que agora o babaca teimoso a minha frente iria colaborar.
— Me mandou calar a boca? — Sua voz soou incrédula e confusa.
Respondi seu olhar com seriedade, mostrando que não vacilaria com ele.
— Quer que eu repita? — fui dura.
O Senhor Moretti ficou em silêncio e deixou que trabalhássemos nele, e mesmo de boca fechada seus olhos me julgavam e acompanhavam a cada passo que dava naquela sala minúscula, parecia querer me dizer tantas coisas, mas entendia que naquele ambiente quem mandava era eu.
Fui treinada para estar apta a enfrentar qualquer situação, e saber trabalhar sob pressão. Um cara babaca qualquer não me afetaria, não dá forma que este homem está mexendo com cada quesito de autocontrole que um dia aprendi a ter. E odiava ter reações assim, ainda mais quando as coisas fugiam do meu controle. Meu trabalho era muito importante, era a minha vida, e eu não aceitava ter erros ou falhas, e ao ouvir as p************s meu supervisor depois da cirurgia do Senhor Moretti, foi catastrófico, como se todo o meu esforço fosse jogado ao vento, meu castelo havia sido desmoronado.
— Senhorita Chagas, está demitida. — as p************s do meu chefe nunca foram tão afiadas antes.
A forma reprovadora que me olhava, me fazia ter certeza de que não fiz nada de errado e que ele estava agindo injustamente.
— Creio que houve um engano.
— Houve uma grande falta de profissionalismo da sua parte com o Senhor Moretti. Não quero que manche a imagem do nosso hospital, nós devemos tudo a ele.
Eram covardes, essa era a verdade. Haviam apenas duas opções, ou eles precisavam da proteção de um bandido, ou morriam de medo dele. Aposto na segunda. Aposto que Dante Moretti conseguia o que queria ameaçando pessoas abaixo dele, usava o seu poder para menosprezar os pobres. Conhecia perfeitamente pessoas assim, e sentia apenas repulsa e nojo.
— Ele me ofendeu, eu estava tentando ajudar, mas o paciente não queria colaborar — respondi com seriedade e sinceridade.
— Sabe quem é aquele homem? — retrucou com arrogância.
Fiquei em silêncio, sabendo que se abrisse a boca falaria alguma besteira e estragaria ainda mais as coisas. Nessa sociedade de merda que manda são os poderosos, e um homem tem mais poder que uma mulher. Para essas pessoas eu não passava de uma mulher insignificante que bateu de frente com o chefe da máfia dessa pocilga.
Não precisa passar por essa humilhação. Eu não me humilharia para esse homem, então apenas me levantei.
— Onde está indo? — perguntou ofendido pela minha maneira fria de agir.
Talvez achasse que eu fosse implorar, mas aí estava um fato sobre mim, eu nunca, de forma alguma imploraria algo a alguém.
— De onde eu vim, as pessoas não abaixam a cabeça quando são humilhadas. Vou pegar minhas coisas e ir embora.
— Talvez a Senhorita aprenda a se comportar melhor em seu ambiente de trabalho, não me entenda m*l, estou fazendo isso pelo seu bem. O Senhor Moretti poderia simplesmente dar um fim na sua vida.
Forcei um sorriso, não escondendo a ânsia que sentia naquele momento. Ele estava me ameaçando, sabia que o mafioso poderia me matar. Mas se queria me assustar estava enganado, de onde eu venho estava acostumada a fugir de um tiroteio e a me trancar em casa quando havia brigas de facções rivais na favela onde morava no Rio de Janeiro. Não foi fácil sair lá de baixo e vencer na vida, vim de uma família pobre, que trabalhava pelo sustento do dia, nunca tive regalias e sempre soube da realidade da vida. Desde criança aprendi a ser forte e talvez seja por isso que nada me abalava, quando você passa por tudo nessa vida é difícil algo lhe derrubar. Porque eu já estive no fundo do poço, sai dele, mas nunca mais voltarei.
Bati a porta desejando não voltar mais naquele hospital. Mas antes de ir embora fui me despedir dos meus pacientes, encontrando no caminho o motivo de toda aquela confusão.
Dante caminhava com uma pose arrogante junto com os seus seguranças. Seu ombro estava enfaixado e pela sua expressão não parecia que tinha acabado de passar por uma cirurgia, e deveria estar em seu pós operatório quietinho em seu quarto. Mas é claro que ele não ficaria, porque não seguia regras.
Nossos olhares se encontraram por uma breve fração de segundos, até eu desviar e seguir meu caminho desejando esquecer que esse homem um dia entrou na minha vida por alguns minutos e conseguiu estragar tudo que construí por anos.
(....)
Passaram-se duas semanas desde que fui demitida. Estava enfurnada na minha casa minúscula ignorando o barulho dos vizinhos do apartamento de cima. Havia recebido a ordem de despejo, mas no entanto encarar as caixas espalhadas pela sala parecia ser mais interessante.
A minha única alternativa agora era voltar para o Brasil, porque tenho quase certeza de que nenhum outro hospital pelas bandas me contrataria, as pessoas aqui são boas em queimar a imagem de uma pessoa. Talvez se tentasse outra cidade da Austrália, seria menos humilhante que voltar para meu país. Quando você sai de um lugar para procurar melhorias de vida em outro, a volta sempre parece uma derrota.
Soltei um suspiro cansada e me levantei caminhando até a cozinha, buscando uma xícara de café, minha cabeça estava doendo de tanto pensar. E continuaria pensando em outras alternativas, se batidas fortes na minha porta não tivesse me interrompido. Alguém estava esmurrando a madeira, e não me surpreenderia se fosse o síndico querendo me expulsar.
Abri a porta de supetão esperando encontrar um baixinho gordo, mas o que estava na minha frente era completamente diferente. Eram dois homens de terno, e no meio deles o cara que eu me lembrava muito bem, como esquecer aqueles olhos desafiadores e que ferraram a minha vida.
Mas a pergunta era, o que eles estavam fazendo na minha casa? Mordi os lábios sustentando seu olhar sério e tentei fechar a porta, mas Dante impede o movimento com rapidez. Sinto raiva por ele estar aqui, e por estar testando minha paciência dessa forma. Esse homem arruinou a minha vida, o que mais ele queria? Acabar de me humilhar? Tirar tudo o que eu tinha? E como ele sabia a localização da minha casa?
— Saia da minha casa! — Bradei usando o corpo para empurrar a porta.
Sua mão estava no meio da madeira e fechadura, mas ele não demonstrava estar com dor. Quanto mais eu apertava, mais ele continuava lá, me afrontando a esmagar sua mão e arrancá-la fora.
— A Senhorita vai nos deixar entrar e teremos uma conversa agradável.
— Com você? Duvido! Vá embora ou chamarei a polícia.
— Mulherzinha difícil e brava. — o ouvi resmungar baixo. — Saia da frente ou vamos machucar você.
Olhei pela sala cheia de caixas procurando algo afiado que pudesse me defender, mas não havia nada.
— Saia da minha casa. — voltei a gritar, avistando uma frigideira por perto.
Não era uma das melhores armas, mas serviria para tentar me defender. Quando percebi que ele começou a forçar a porta, esperei um momento e corri em direção a frigideira ouvindo o barulho da minha porta sendo escancarada. Eles invadiram o apartamento e agora eu me encontrava atrás do sofá apontando a minha "arma" para eles.
Eles queriam vingança pelo o que aconteceu. Eu salvei a vida do desgraçado, mas seu orgulho era grande demais para aceitar ter sido ofendido por uma mulher, era um homem covarde e podre, que usava seu "poder" para humilhar os mais fracos.
Dante andou pelo meu apartamento observando tudo com curiosidade e desprezo, e seus capangas vieram junto.
— Por que a panela? — perguntou apontando o queixo para mim.
— Se tentar algo saiba que sei lutar muay thai.
O homem olhou para seus capangas e os caras saíram nos deixando a sós.
— Não me ofenda, não machuco mulheres. — retrucou com arrogância, se sentando no meu sofá como se fosse o dono do local.
Parei para observá-lo melhor e o local que fiz sua cirurgia estava enfaixado. Ao menos ele parecia estar cuidando bem do pós operatório.
— O que você quer? — perguntei na defensiva.
— Abaixe a frigideira. — ordenou mexendo em uma das minhas caixas.
Abaixei a panela, e me aproximei devagar do homem para mostrar que ele não deveria estar na minha casa e não era bem vindo.
— Solte minhas coisas, que inconveniente.
Afastei minha caixa de perto das suas mãos. Estava irritada com tudo aquilo e fiquei mais ainda quando senti seus olhos em minhas pernas. Eu vestia um short curto com uma camiseta velha, meus cabelos escuros estavam amarrados para cima e eu não estava em um dos meus melhores dias.
Respirei fundo buscando paciência, sabendo que aquele homem faria de tudo para me irritar.
— O que você quer?
— Fazer uma proposta. — respondeu, fazendo-me rir incrédula.
Como ele pensa que pode vir na minha casa e dizer algo assim? Por que acha que eu aceitaria uma proposta de alguém que me fez perder o emprego?
— Não quero nada de você. — fui fria.
Não me importo em ser gentil ou fingir ser amigável, não me importo por ele ser um mafioso. Eu não tenho medo dele, mesmo sabendo que ele era capaz de qualquer coisa.
— Acho que você não tem muita escolha. — comentou desinteressado, como se estivesse me ameaçando.
Odeio ser ameaçada. Eu era a dona da minha vida e sempre conseguia me virar sozinha. Não precisava de homem nenhum para isso.
O desgraçado sabia o que eu estava passando, sabia das minhas dificuldades depois de tudo que fez para acabar com a minha carreira.
— Eu salvei a sua vida seu filho da p**a e você quer destruir a minha. Qual a p***a do seu problema? — gritei apontando o dedo em seu rosto.
Dante não se moveu, mas seus lábios se moveram em desagrado.
— Reconheço o seu trabalho e por isso estou aqui, quero que seja a minha médica particular, trabalhará apenas para mim. Terá uma moradia melhor que essa e tudo o que precisa, nada lhe faltará. Mas preciso que esteja sempre comigo a minha disposição.
Ele conseguiu me deixar sem palavras. Eu o olhava abobalhada agora, digerindo tudo que o homem havia dito. Ele estava me dando um emprego? Aquele arrogante insensível estava realmente fazendo isso? Quando ele invadiu a minha casa eu pensava simplesmente que queria acabar com o resto da minha vida.
— Por que isso? Por que eu? Pensei que não tivesse gostado de mim. — perguntei confusa.
Dante cruzou as mãos próximo ao queixo e me encarou preguiçosamente, como buscasse algo em mim que eu não gostei.
— Gostei do seu trabalho, foi profissional, e sinto que posso confiar em você.
— Você não me conhece e me fez perder meu emprego.
— Estou lhe dando outro, e garanto que ganhará muito mais. Mulher orgulhosa, não me olhe assim, você precisa do emprego, não encontrará outra oportunidade como essa.
— Por quanto tempo? — perguntei pensativa.
Estava realmente pensando na ideia, era maluquice, mas nunca havia recebido uma proposta assim. Dante provavelmente me fez perder o emprego propositalmente para isso, foi tudo um plano articulado. Ele não é um bom moço, mas sim um criminoso no qual eu deveria tomar cuidado redobrado.
— Se quiser façamos um contrato, mas pode ficar o tempo que quiser. — respondeu facilmente.
Havia alguma coisa errada, ele não seria bonzinho assim.
— Eu decido? Se quiser ir embora, posso ir? — perguntei duvidosa porque sabia que a máfia não era brincadeira.
Quando se entra em algo assim não é fácil sair. E ser a médica particular do chefe de uma máfia era perigoso. Tinha suas vantagens sim, mas eu precisava pensar muito bem no que estava me metendo.
— Não estará presa a mim Senhorita Chagas, ao menos que queira. — sua última frase havia algo a mais, uma insinuação discreta que me deixou ansiosa e agitada.
O que aquele homem realmente queria comigo? A forma que me olhava me deixava desnorteada. Odiava me sentir dessa forma tão vulnerável.
— Preciso pensar e quero que você saia da minha casa. — foi a minha resposta.
Tudo estava em jogo, a minha vida, minha carreira. Não podia jogar tudo para o alto assim. Não poderia colocar em meu portfólio que trabalhei para um mafioso.
— Estou dando a solução para os seus problemas, não há o que pensar. — respondeu simplesmente, como se eu não tivesse escolha.
Eu tinha escolha e não queria me sentir pressionada, sempre fui dona da minha vida e ninguém mandava em mim.
— Enquanto eu for dona da minha vida, há sim. Caia fora da minha casa.
— Não seja tola, ninguém me manda cair fora. — foi arrogante, olhando-me quase ofendido.
— Eu mando. Caia fora da minha casa Dante Moretti. — apontei para fora da minha casa, sustentando seu olhar duro.
Tínhamos personalidade fortes e não seria fácil trabalharmos juntos. Seria horrível, um desastre, eu não suportaria seu temperamento de merda e nem ele o meu, porque era um grande babaca, mas ainda assim eu pensava em lhe dar uma chance.
O homem me olhou de cima a baixo antes de me dar as costas e obedecer minha ordem. Eu deveria tomar cuidado com ele e de forma alguma me envolver, por isso não vacilei quando ele me deu uma última olhada e saiu do meu apartamento arrumando a porta que agora estava quase caindo pela força que fez ao tentar abrir.
Respirei fundo e me joguei no sofá quando me encontrei sozinha em meio a tantas caixas. Precisava pensar muito bem no que faria da minha vida de agora em diante.