CAPITULO 1

1431 Words
Qual é a primeira lembrança da vida de uma criança? Bem, muitos diriam que é algo relacionado a uma brincadeira, ou talvez um dos pais lendo uma história de dormir. Mas, no meu caso, a minha primeira lembrança é a última noite em que vi meus pais vivos. Eu tinha apenas quatro anos naquela época, e tudo parecia tão confuso na minha mente. Eu não conseguia lembrar o motivo de estarmos no carro naquela noite, mas recordo-me claramente dos rostos apreensivos dos meus pais. Minha mãe, Beatrice Piromalli, estava sentada ao meu lado no banco de trás, segurando-me com força. Ela olhava para trás de vez em quando, e tudo que dizia era que eles estavam vindo. Meu pai, Andrea Piromalli, estava ao volante, dirigindo o carro com uma expressão tensa, prometendo que conseguiria nos despistar. "O que está acontecendo, mamãe?" eu perguntei, sentindo meu coração acelerar. Ela me olhou com tristeza nos olhos e respondeu: "Não se preocupe, querida, vamos ficar bem." Meu pai, Andrea, estava ao volante, dirigindo o carro com uma expressão tensa, prometendo que conseguiria nos despistar. "Papai, por que estamos indo tão rápido?" sussurrei com medo. Ele olhou pelo retrovisor e forçou um sorriso. "Só estamos brincando de corrida, Catarina. Vamos ganhar." Eu não me lembro de quem estávamos correndo, mas eu me lembro de um carro preto que emparelhou com o nosso. Eu me lembro das luzes brilhantes e dos rosnados dos motores enquanto o carro preto tentava nos jogar para fora da estrada. A colisão foi repentina e violenta, e então tudo ficou escuro. Depois de algum tempo, abri meus olhos e vi que o carro estava virado, meus pais infelizmente falecidos. Dois pares de sapatos pretos estavam ao lado do carro acidentado, e eu não sabia o que fazer. "O que faremos com ela?" Outro homem, que não aparecia em meu campo de visão, respondeu. "Não podemos deixá-la aqui. Ela é só uma criança." O outro dono dos sapatos, respondeu com calma: "Vamos cuidar dela. Ela não tem mais ninguém." Então, ele se abaixou. Seus olhos se encontraram com os meus, ele estendeu sua enorme mão em direção a mim, e eu, com medo e confusão, segurei na mão do homem que parecia ter a mesma idade do meu pai. Ele me ajudou a sair do veículo destroçado e me envolveu em seus braços protetores. Foi assim que eu fui salva naquela noite. "Não se preocupe, pequena," ele disse com gentileza. Eu vou cuidar de você." Foi assim que eu fui salva naquela noite pelo homem que mais tarde descobri ser Don Salvatore Mancuso, o chefe da Ndrangheta. Minha vida mudou para sempre naquela noite, quando fui arrancada do meu passado e lançada em um mundo sombrio e complexo que Don Salvatore governava. Ele se tornou meu guardião, meu protetor, e mais tarde, meu mentor. A Ndrangheta era uma família de outra forma, uma família que me acolheu quando a minha própria foi tirada de mim. É irônico pensar que minha primeira lembrança de criança é justamente meu maior pesadelo. Fui salva por Don Salvatore Mancuso naquela noite escura, e desde então, tenho caminhado à sombra dele, protegida e guiada por um mundo que muitos não compreendem. E, apesar de tudo, eu não trocaria minha história por nada neste mundo... mesmo sendo a causadora da minha insônia. *** A sensação de acordar sobressaltada era uma lembrança constante em minha vida. Catorze anos haviam se passado desde aquela noite fatídica em que meus pais morreram, mas o passado continuava a assombrar meus sonhos. Naquele dia, porém, eu não podia me dar ao luxo de me perder nas lembranças. Empurrei os cobertores de seda de lado e me levantei da cama, sentindo o piso frio sob meus pés descalços. Encaminhei-me até a janela, ansiosa por acolher o sol da manhã que banhava Vibo Valentia, na Calábria, no meu quarto. Era um dia importante, afinal, estava completando 18 anos. A partir de agora, seria vista como adulta e capaz de tomar minhas próprias decisões. Enquanto o calor do sol tocava meu rosto, fechei os olhos por um momento, absorvendo a sensação revigorante. O aroma das oliveiras e do mar permeava o ar, e eu me senti grata por estar em casa, mesmo que essa casa fosse uma mansão imponente e sombria que pertencia à família Mancuso. Um suave toque na porta interrompeu meus pensamentos. Era Federica, uma mulher leal que havia se tornado minha espécie de dama de companhia desde que fui resgatada naquela noite trágica. "Buongiorno, Catarina. Feliz aniversário!" Disse Federica. "Obrigada, Federica. O dia finalmente chegou." Respondi animada. "Sim, e sua família a aguarda para o café da manhã. Todos estão ansiosos para comemorar com você." Avisou Federica. Agradeci a Federica com um aceno e ela saiu do quarto. Enquanto me preparava para o dia, minhas lembranças fluíam como um filme em minha mente. Lembro-me vividamente do que aconteceu após o meu resgate naquela fatídica noite, quando Don Salvatore Mancuso me salvou. O certo naquela situação teria sido Don Salvatore me entregar a algum abrigo, mas as coisas tomaram um rumo inesperado. A esposa de Don Salvatore, Lucrezia Mancuso, foi a grande influência por trás dessa reviravolta. Ela sempre sonhou em ter uma filha, mas depois de dar à luz quatro meninos, ela teve que abandonar esse sonho. Afinal, sua última gravidez, que resultou no caçula Massimo, causou complicações e levou-a a uma histerectomia. Massimo, que tinha a mesma idade que eu, tornou-se meu parceiro de infância e companheiro. Lucrezia agarrou-se à ideia de que eu era a filha que ela sempre desejou, apelidando-me de "Bambolina", que em italiano significava "bonequinha". Para ela, eu era sua pequena bonequinha, a realização de um sonho adiado. Essa relação me trouxe conforto e segurança durante muitos anos. Lucrezia me tratava como se eu fosse sua própria filha, e eu a via como uma mãe carinhosa. Ela me ensinou sobre a cultura italiana, como cozinhar pratos tradicionais da Calábria e até mesmo a como agarrar um marido a altura, tal qual ela fez com Don Salvatore. No entanto, quando cheguei aos quinze anos, a vida nos prega peças cruéis. Lucrezia ficou gravemente doente, e os médicos não conseguiram descobrir a causa. Eu não saí do lado dela, a quem eu tinha abraçado como minha mãe. Passei noites sem dormir, cuidando dela e tentando entender o que estava acontecendo. Um dia, quando a fragilidade de Lucrezia parecia atingir o ápice, ela me encarou com olhos cansados e expressou um arrependimento que me deixou perplexa. "Bambolina, eu me arrependo muito pelo seu destino." Eu a olhei confusa, sentindo um nó se formar em minha garganta. "O que você quer dizer, mama?" Lucrezia tentou sorrir, mas a fraqueza a dominou. Sua voz era apenas um sussurro. "Você merecia mais, querida. Mais do que essa vida." Eu segurei sua mão com carinho, buscando entender suas palavras enigmáticas. Antes que eu pudesse perguntar o que ela queria dizer com isso, Lucrezia fechou os olhos e sua respiração tornou-se lenta e irregular. Em poucos minutos, ela se foi, levando consigo a explicação para seu arrependimento. Depois da morte de Lucrezia, minha vida tomou um novo rumo. Don Salvatore assumiu a responsabilidade por mim, e eu me tornei parte integral da família Mancuso. Ele me ensinou, junto com seus quatro filhos, tudo o que eu precisava saber sobre a máfia. A Ndrangheta tornou-se minha realidade, e eu aceitei meu destino como parte dessa organização criminosa. Hoje, enquanto me preparava para meu 18º aniversário, refletia sobre minha jornada. Lucrezia ainda era uma lembrança carinhosa em meu coração, uma mãe que me amou e que eu amei profundamente. Sob sua orientação, me tornei uma peça fundamental da família, uma estrategista habilidosa e uma das figuras mais confiáveis de Don Salvatore. Apesar de tudo, havia uma parte de mim que se sentia como uma estranha nesta casa, apesar de todos os anos que passei aqui. Ser aceita pelos Mancuso não era uma tarefa fácil, mesmo sendo uma "filha adotiva" do chefe da Ndrangheta, Don Salvatore Mancuso. Hoje, no entanto, era um dia para celebrar minha jornada e conquistas. Vestindo um elegante vestido preto, refleti sobre como a Ndrangheta havia se tornado parte de quem eu era, mas também estava determinada a encontrar meu próprio caminho dentro da família. Não seria apenas uma protegida de Don Salvatore, mas uma líder por mérito próprio. Acompanhando-o, coloquei o colar de pérolas que ganhei de Lucrezia no meu aniversário de quinze anos. Era um presente especial, um dos muitos gestos carinhosos que ela teve para comigo durante os anos que compartilhamos juntas.
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