Sonhando com o passado

2604 Words
A juventude era o mais ansiado pelos humanos, por estarem em sua fase mais bela e energética. No entanto, a tolice e o desespero caminhavam junto dessa estrada. Todo jovem é t**o. Mas ela estava completamente ansiosa. Maybelle tinha seus quatorze anos quando fizera a primeira amizade com outra garota. Ela não pertencia ao vilarejo de Grevers, e sempre aparecia da Floresta Uivante. Lembrava-se vagamente de seu nome e de seu rosto, mas jamais esquecera-se do toque quente e materno quando a abraçava. Após seus treinos com o pai, Maybelle dava um jeito de encontrar sua amiga para ouvir de suas histórias. Empolgava-se em saber que ela havia fugido de casa apenas para se encontrar com um rapaz pelo qual se apaixonara. Uma história de amor é o ideal para encantar os jovens tolos. Na medida em que ia sabendo sobre aquele romance, maior era a curiosidade para saber quem seria o tal rapaz. A amiga não se importou em lhe mostrar, surpreendendo Maybelle ao perceber que era o filho mais velho de uma família vizinha à sua. Conhecia o rapaz, é claro. Mas jamais conversara com ele, pois havia uma aura em sua volta que a afastava. Ou seriam rumores? Apenas sabia que ele era o orgulho da família, pois sempre trabalhava no campo para ajudá-los no sustento. Ver alguém tão esforçado fazia Maybelle perceber que ela precisava fazer o mesmo. Talvez a aura medonha em torno dele fosse apenas sua consciência se sentindo culpada por não levar o treinamento do pai à sério. — Mas como você sabe que o ama? Não poderia estar enganada? — Questionava uma Maybelle jovem, sedenta de curiosidade. — Amo minha família, quero o bem deles. Mas ele é especial. Quero ficar do seu lado o tempo todo, quero que ele olhe para mim e me diga que sou bonita. — A mais velha virou os olhos cor de âmbar para Maybelle e abriu um sorriso envergonhado — Bobice, não? Maybelle rira. — Uma bobice muito boa. — Ambas permaneceram escondidas atrás de um arbusto, observando o rapaz trabalhar no campo — Se apaixonar… Com um farfalhar as duas jovens viraram-se para trás temerosas. Um par de olhos âmbar aparecia entre a escuridão da floresta, fitando-as furiosamente. — O que veio fazer aqui? — Sussurrava a mais velha, abaixando-se atrás do arbusto, puxando Maybelle junto. Um rosnado baixo ecoava entre as folhas — Não deveria ter me seguido, e se te pegarem? Aquele par de olhos se fecharam desaparecendo na escuridão. Passos ecoavam, e uma figura de uma garoto mais jovem de olhos felinos cor de âmbar aparecia diante das garotas. Maybelle arregalava os olhos, e pensara que ele era parecido com sua amiga. Principalmente aqueles olhos. — Vim saber o que tem te de tão especial por aqui, à ponto de desobedecer as regras. — Não sejas t**o, volte agora mesmo antes que percebam alguma coisa. O garoto cerrara o cenho e rosnara, pisando forte em direção da mais velha. — Sua tonta, por que só você pode sair da floresta e eu não? Sou mais forte que você! — Shh — Pedia a garota, cobrindo a boca do rapaz em um instante. Ela erguera a cabeça e observara para além do arbusto, somente então o soltara suspirando — Isso não tem a ver com forças, não me deixe mais preocupada do que já estou e volte para casa. O garoto virara o rosto e erguera os olhos por cima do arbusto verificando o que tanto a irmã olhava. Percebia que havia um rapaz agachado mexendo na terra. — Não me diga que esse cara é humano. — Isso não é da sua conta, és novo demais para compreender. Agora volte para casa, por favor. — Estais quebrando as regras de nosso clã por um humano? — E o que tem em ser humano? — Questionava Maybelle ainda encolhida contra o arbusto. O garoto percebia, pela primeira vez, a sua presença. Teria sido a primeira vez em que se encontraram? Ainda conseguia sentir o arrepio em sua pele quando aqueles olhos felinos pousaram sobre si e se espreitaram como se suspeitasse dela. — Quem é ela? — Minha amiga. — Ela é humana? — E daí? Você também é! — Resmungava a garota irritada, levantando-se do chão e ajeitando as roupas. Ele sorria divertido. Havia algo escondido ali, uma malícia que somente quem guardaria um segredo teria. Ela havia notado que ele brincaria consigo se continuasse daquele jeito. No entanto, não compreendia o porquê de falarem daquela maneira. Se não fossem humanos, então o que seriam? — Tá bem, já chega vocês dois. Maybelle, esse é meu irmão mais novo, Gayle. — Seu irmão? — Maybelle intercalava entre os dois rostos e acabara sorrindo graciosamente — São parecidos mesmo. Depois daquela tarde, Gayle tornara-se presente em sua vida. Lyndra, a irmã mais velha do garoto, continuava a visitar Grevers para ver o amado. Com o incentivo de Maybelle, ela finalmente reunira coragem o suficiente para conversar com ele e se passar por uma andarilha. Até aquele ponto, Maybelle não fazia a menor ideia sobre quem eram aqueles irmãos. Tampouco isso importava. O fato de se darem bem e se verem todos os dias era o suficiente para considerá-los preciosos amigos. Mesmo que com isso tivesse de aguentar o temperamento irritante de Gayle. Abrindo os olhos quando a luz do sol lhe cobrira a face, Maybelle piscava lentamente observando o teto sobre sua cabeça. Estendera a mão para cima e observara as ataduras em torno de seu braço. Ah, verdade. Havia sido atacada por um lobo na última noite. Por que tivera de sonhar com aquele dia? Mesmo que ele tivesse aparecido novamente diante de seus olhos, não esperava que fosse relembrar do dia em que se conheceram. Teria sido o toque quente e acolhedor de suas mãos, que permitiram ver o seu lado frágil e chorar? Queria parecer mais forte em sua frente. Sentando-se na cama, Maybelle olhara para a janela encontrando a imensidão do céu azulado. Sem nenhuma nuvem. — É um belo dia. Levantara-se e se trocara para começar o seu dia. Afastara quaisquer pensamentos ou lembranças que remetessem a um certo rapaz, e focara no ataque, nos lobos. Finalmente havia reencontrado o maldito lobo que tirara a vida de seus pais. Enquanto descia as escadas da torre, Maybelle resmungava de sua fraqueza por ter sido quase derrotada. Apesar de anos terem se passado, sua força parecia não fazem efeito naquela fera. Isso era demasiado frustrante. Uma vez que comprovara que seria a matilha dele a estar na Floresta Uivante, era questão de tempo até se encontrarem novamente. Até lá, precisaria ficar mais forte. — Bom dia, Maybelle! A caçadora erguera os olhos para o pátio, onde encontrara a princesa Shaye caminhando acompanhada de suas serventes. Respirando fundo e abrindo o sorriso mais gentil que podia, Maybelle fizera uma reverência formal antes de se aproximar. — Bom dia, vossa alteza. Está a aproveitar do sol? — Uma caminhada logo após o café da manhã é o que há de melhor — Ria a garota — Poderia me acompanhar por alguns instantes? — Acredito que tenho algum tempo antes do treinamento com os soldados começarem. A princesa logo enganchara o braço da caçadora, passando a puxá-la para caminhar consigo pelo pátio. — Apesar do dia ter recém começado, já vi meu irmão com uma cara azeda — Comentava a princesa. Maybelle prendera a respiração já imaginando o assunto que viria a ser tratado — Até tentou me evitar quando o questionei, mas sabes que não desisto quando sinto cheiro de uma boa fofoca. Pelo tempo que vivera no palácio à serviço do rei, Maybelle acompanhara algumas fases de Shaye a ponto de saber que sua curiosidade era a maior arma. Se não a mais assustadora. Apesar de sua graciosidade e feminilidade, quando havia algum assunto de seu interesse, ela poderia mostrar as presas e garras só para saber mais. Não foram poucas empregadas que tiveram suas vidas amorosas fuxicadas pela nova princesa. E Maybelle sabia que o príncipe Luka também seria alvo da irmã caçula. Só não esperava que ela mesma se tornasse um. — Imagino, vossa alteza. Posso imaginar também que sou o próximo alvo de vossa curiosidade. — É claro! Fico imensamente feliz em saber que não pretende fugir de mim. — Acho que por mais seja de meu desejo, a senhorita iria me vencer apenas pelo cansaço. — És esperta — Ria a princesa olhando a caçadora de canto — Pois bem, meu irmão parecia desolado e tudo o que pude compreender de seus murmúrios fora a presença de alguém que a abraçou. O que aconteceu ontem? Justo quando tentava colocar a mente no lugar, a princesa a obrigaria a repensar. — Ontem fomos atacados por dois lobos enquanto ocorria o baile. — Oh, sério? Isso é… bem, eu estava esperando algo menos preocupante, admito. Ficastes ferida? — Um pouco, mas fui bem cuidada pelo médico e por isso estou nova em folha. — Realmente posso compreender a preocupação de meu irmão. Justo quando pensei que seria o momento ideal de aproximá-lo à ti. Lobos idiotas. Maybelle segurara o riso por um instante. Preferia pensar que a falta de preocupação por parte de Shaye seria um belo refúgio para si, desde que o assunto fosse esquecido. O que não dera certo. — Pois bem, então no meio de um ataque de lobos fostes abraçada por alguém. — Ah vossa alteza, por favor não trate um assunto tão sério com levianidade. — Maybelle sei muito bem que meu pai e meu irmão estão bastante sérios quanto aos lobos. Não serei mais uma a encher de tua mente com treinamentos e palavras inspiradoras para que se torne mais forte do que já és. Estou aqui com a única intenção de fofocar. Pois bem, continuemos. A caçadora suspirara derrotada. Não haveria escapatória. — É um amigo de infância apenas. Ele apareceu na hora para me ajudar com os lobos. — Um amigo de infância… mas conheces de meu irmão há anos também. — Na verdade conheci vossa alteza depois do ataque ao vilarejo, enquanto que este rapaz fora antes. — Compreendo. E então, qual o motivo de esse sujeitinho estar deixando meu amado irmão tão preocupado? — Creio que essa seja uma pergunta à ser feita ao Luka, não acha? — Eu o questionei, e pude presenciar a cena mais lendária de toda Aurillon — Shaye parara de caminhar e arqueava a sobrancelha para a caçadora — Luka o declarara um inimigo. — Ah céus — Resmungava Maybelle se encostando no tronco de uma árvore, aproveitando de sua sombra — Isso realmente tornou-se algo incomodo. Shaye observara a caçadora silenciosamente. E então ficou ao seu lado, encostada no tronco e observando o céu azulado. — Sabe, Maybelle, a conheço desde pequenina e compreendo que seu objetivo de vida seja a de defender vidas humanas dos lobos. Mas a vida não é somente disso, de lutar. Durante todos esses anos em que viajastes, meu irmão permanecera fiel à promessa que fizestes, de ficar forte para ser um rei da qual se orgulharia. Não há como ignorar tais sentimentos. — Vossa alteza, não sinto que esse seja o momento ideal de eu pensar em romances. — E quando será? Estais colocando de sua vida em risco o tempo todo. Irá se arrepender em seu leito de morte por não ter vivido o suficiente para se apaixonar. Maybelle encarava a princesa e seus olhos azuis claros. Eram idênticos ao de sua falecida mãe. Por um instante, a caçadora desejara que as memórias de sua irmã pudessem voltar para que tivesse e chance de deitar a cabeça em seu colo e contar cada preocupação que lhe afligia. Mas não poderia. Agora Shaye era princesa de Aurillon, enquanto ela era a caçadora de lobos do rei. Deveria se portar com respeito à ela. Tornando a admirar o céu azulado, Maybelle soltara de um longo suspiro cansado. — Me apaixonar… não me arrependeria de não ter me apaixonado. Pois já conheci o amor uma vez. — Conhecestes então? Com esse sujeito que tirou Luka do sério? — É… — Ria Maybelle, pela primeira vez naquele dia, surpreendendo a princesa — Gayle tem a habilidade de irritar as pessoas. — O conhecestes quando jovem? — Eu tinha quatorze anos na época, a irmã dele era uma preciosa amiga. — Contava a caçadora ajeitando os braços em suas costas, adquirindo uma postura relaxada perdida em memórias — As vezes ela deixava-o comigo para que cuidasse dele, e isso nos tornou muito próximos. — Ele deveria saber o que fazia, então. Segundo as empregadas, os garotos preferem as mais novas por saberem que são irresistíveis a elas. Maybelle inclinou a cabeça sutilmente para a princesa. — Gayle é dois anos mais novo que eu. — O quê? Estais falando sério? Ele é… se você tinha quatorze, então significa que ele tinha… doze? — Treze — Corrigira Maybelle — Eu ainda tinha quatorze, mas logo fiz quinze anos quando comecei a acompanhar meu pai nas caçadas na Floresta Uivante. — Ele era tão jovem… mas como… oh céus, Luka está em completa desvantagem — Shaye ficara em frente de Maybelle, segurando-a em seus ombros com um olhar ameaçador — Conte-me agora, e não ouse mentir para mim, Maybelle. O quão longe fostes com este sujeitinho? — Ahn? Q-Quão longe? — Vocês, fizeram aquilo, não é? — “Aquilo”… o quê? — Se beijaram? Maybelle não respondera, porém seu rosto adquirira uma coloração avermelhada como uma maçã. Shaye surpreendeu-se, soltando o ombro da caçadora e virando-se de costas deprimida. — Luka, meu pobre irmão… terás de ser mais ligeiro do que essa cobra peçonhenta. — V-Vossa alteza? — Escute bem, Maybelle. A partir de agora ficarei de olho em ti, e irei lhe provar que meu irmão é o melhor do que essa cobra! — Oh céus, sinto que entrei em um grande problema. — Ele pode ser mais novo, mas é ousado e com certeza galanteador. Mas não deve ser mais belo que meu irmão, que é considerado uma rosa azul de Aurillon… não, isso não vai ficar assim… — Senhorita Maybelle, os soldados se encontram prontos para dar início ao treinamento. — Ah, certo, obrigada Klyn — Apressara-se Maybelle, afastando da princesa — Vossa alteza, conversaremos em outra oportunidade. — Deixarei escapar por ora, afinal preciso planejar alguma coisa para ajudar de meu irmão… Maybelle saíra em disparada para o outro lado do pátio onde os soldados haviam se reunido sob ordem do rei. Suspirava aliviada em ter se livrado de uma conversa que a colocaria em posição tão difícil. Diferente de quando era jovem, Maybelle compreendia que o amor era algo tão precioso que não dava para tratá-lo com levianidade. Deveria ser o motivo de sentir-se tão nervosa quando relembrava aqueles momentos. Acariciando o peito com a ponta dos dedos, respirava fundo para afastar todos os pensamentos infantis que lhe incomodavam tão cedo. Naquele momento deveria estar focada. Quando abrira os olhos estando diante de um grupo de soldados, Maybelle já tinha um olhar determinado e um sorriso torto. — Muito bem, vamos aprender a lutar contra lobos. No alto de uma árvore, sentado sobre um galho encostado no tronco, Gayle assistia Maybelle treinar os soldados. ───────•••─────── Eu pensei que meu coração ficaria como novo quando essa saudade passasse Mas como um relógio quebrado Revivo o mesmo momento ?
Free reading for new users
Scan code to download app
Facebookexpand_more
  • author-avatar
    Writer
  • chap_listContents
  • likeADD