Na mesma medida que o Dom tinha regras eu também tinha.
Eu não matava crianças e mulheres inocentes.
Homens raramente eram inocentes, mas ele tomava o cuidado de não me pedir para matar pessoas inocentes no geral, sabendo que eu não tinha sido treinada para isso.
Os meus sentidos foram condicionados a serem alimentados pelos crimes daqueles que eu tirei a vida e normalmente potencializam essa raiva.
- Recentemente alguns representantes da CIDMA* (Centro Internacional de Documentação sobre a Máfia e a Anti-Máfia) foram encontrados em algumas propriedades nossas. Nada muito preocupante. - Ele suspirou. - Até agora.
- A família Bagarella não tinha resolvido isso? - Como todas as organizações pelo mundo, a Máfia da Corleone tinha uma família que era mais poderosa que as outras, e um homem era o chefe dos chefes. Atualmente ele está preso, mas a sua mãe e irmão cuidam dos negócios da família.
- A Antonietta tem preocupações maiores do que alguns arruaceiros nas minhas propriedades…
- O que precisa Dom? - Eu não queria detalhes. A missão que ele estava me pedindo envolvia machucar pessoas que estavam apenas buscando direitos mínimos para pessoas que não faziam parte do império de crimes da máfia. Eu precisava de nomes e só.
- Tenho informações de uma reunião amanhã à noite. - Eu esperei. - Quero que acabe com eles e que destrua qualquer evidência que eles tenham conseguido levantar sobre o nome Cavalcanti e a família Bagarella.
- Entendo. - Existiam missões que me deixavam desconfortável, mas eu entendi a importância de resolver. - É necessário que eu elimine as pessoas? - Ele me encarou.
- Eles precisam parar de mexer no que não devem, a sua missão será um recado para pessoas que querem nos destruir. - Eu encarei o chão, sentindo os meus nervos repuxarem. - Nem preciso dizer que não tolerarei falhas. - Eu assenti. - A noite te entrego as informações detalhadas. - Eu me levantei, sentindo que era o momento de me retirar. Quando cheguei na porta, arrisquei um olhar ao Dom. Ele parecia tranquilo, em paz até. Um comportamento muito doentio para alguém que acabou de ordenar diversas mortes.
Eu subi para o meu quarto, com energia demais no corpo. Resolvi me preparar para uma corrida, para colocar aquela tensão para fora.
Assim que entrei, percebi um envelope amarelo colocado delicadamente na cômoda ao lado da minha cama.
Frederico.
Fechei a porta atrás de mim e a tranquei. Eu não precisava que ninguém interrompesse ou descobrisse a existência daquelas cartas.
Peguei no meu esconderijo a primeira e fiquei olhando para o brasão, decidindo se era um bom momento para abrir.
Eu não terei medo.
Lore
Eu não consegui tirar você da minha cabeça.
É como se eu já te conhecesse, tamanha foi a conexão que senti com você.
Espero te ver de novo.
Estarei te esperando hoje, ao pôr do sol, no nosso lugar.
Com carinho.
Fred
- Como se eu já te conhecesse… - Eu repeti em voz alta.
Obviamente ele sentiria familiaridade, mas a menina que ele conheceu estava morta.
Abri o outro envelope, sentindo uma ansiedade maior na boca do estômago. Percebi que eu estava sorrindo e tentei me controlar.
Lore
Ontem eu quase morri.
E não pensei em mais nada que não fosse te ver.
Fiquei te esperando e continuarei te esperando.
Ao pôr do sol, no nosso lugar.
Com saudade.
Fred
Involuntariamente olhei pela janela. A tarde estava no fim e eu levaria pelo menos uma hora até a cachoeira.
Ele nem esteve perto de morrer. Eu não permitiria.
Mordi o lábio de frustração. Eu estava envolvida demais e tinha uma missão para cumprir.
Eu vou matá-lo, em algum momento, eu precisarei matá-lo.
Uma pontada de dúvida me atormentava em algum lugar. Eu poderia alertá-lo e pedir para ele partir.
Isso implicava que ele descobrisse o meu segredo.
Ou ele poderia vir atrás do Dom, e isso viraria um banho de sangue.
Em algum momento eu acabaria com a família Camacho, por conta própria ou por ordens do Dom.
E sendo o único herdeiro homem da família, ele era um alvo considerável não só pela nossa família. Ele não partiria.
Ele iria lutar, e ia morrer de qualquer forma, talvez me levando junto.
Olhei pela janela, tentando ver o futuro, como o Dom sempre sugeria. O futuro seria cru3l.
Mas não precisava ser doloroso e sangrento.
Enfiei as duas cartas no esconderijo e coloquei roupas quentes. Eu precisava acabar com aquilo o mais rápido possível. Era uma oportunidade boa demais para desperdiçar e dado ao meu pico de coragem, eu dificilmente conseguiria fazer isso mais para frente.
Ele era meu melhor amigo, meu amor de infância.
E eu o beijei fervorosamente.
Qualquer evolução, além disso, me faria recuar.
Eu não podia falhar. A punição seria muito pior. Eu não voltaria a ficar a mercê do Eduardo, para ele fazer o que fez, ou pior.
Uma coisa eu aprendi, durante todos esses anos convivendo com a Família Cavalcanti.
Sempre poderia ser pior.