Até chegar na Cascata eu mantive a decisão de acabar com a vida do Frederico na minha mente. Os meus pensamentos eram uma espiral de armadilhas de argumentos e soluções complexas para evitar que eu precisasse mesmo acabar com a vida dele.
O meu plano era simples.
Se ele estivesse ali eu iria distraí-lo por tempo suficiente para desacordá-lo e depois… Eu faria o que precisa ser feito.
E, depois, eu poderia definhar em qualquer sofrimento por essa decisão. E aceitaria o meu futuro como a esposa do homem que eu mais odeio no mundo.
Existem acordos inquebráveis para quem tem o mínimo de carácter. Eu era uma assassina, um pouco sanguinária e cru3l em um nível pouco aceitável, mas eu cumpria com todas as minhas promessas.
E eu dei a minha palavra ao Dom, que seria a lâmina dele e dos seus sucessores. O Eduardo ser um desgraçad0 não me faria quebrar a minha promessa.
E depois que o Dom encontrasse o final da sua vida, eu continuaria a servir a família Cavalcanti como assassina e esposa do Dom.
Esse foi o meu último pensamento antes de descer do carro. O Fred não estava ali. Faltava algum tempo até o Sol se pôr, e seria o tempo que eu teria para analisar, planejar e decidir como eu o mataria.
No porta malas do meu carro eu tinha diversas ferramentas que poderiam matar com muita dor ou nenhuma. E eu não o faria sofrer. Se for possível, ele nem perceberá o que o atingiu.
Caminhei até a beira do mirante e analisei a queda d’água. A força da natureza sempre me surpreendia, e aquela vista não era diferente. Implacável e imparável, a água caia com uma força impressionante e me percebi sorrindo com a vista.
Eu não voltarei aqui.
Esse pensamento foi doloroso. No momento que o Fred me trouxe aqui eu soube que aqui seria o lugar perfeito para finalizar a missão. Completamente deserto e com pontos cegos por todos os lados.
Eu não deveria manchar esse lugar desenhado por Deus.
Outra peça da minha mente confusa. Eu ignorei o pensamento. A minha decisão estava tomada e eu iria até o fim.
Percebi o portão que levava até a beira da água entreaberto. Deixei a curiosidade me conduzir. As correntes que estavam aqui na outra noite tinham sumido. Alguém esqueceu de trancar?
Olhei ao redor e eu realmente estava sozinha, talvez não mais em alguns minutos…
Passei pela brecha do portão e caminhei pelo caminho curto até a beirada da cachoeira.
Ela era imperiosa e a cada passo o barulho das pedras embaixo dos meus pés fazia o meu coração aquecer um pouco mais, quase derretendo o gelo que o envolvia. A umidade do ar era saborosa e a temperatura conforme eu me aproximava foi caindo, até que eu parei. Eu estava a um passo da água e precisei levantar um pouco a cabeça para avistar o topo da cachoeira.
Eu era um grão de areia naquela imensidão do mundo. Analisando a altura das pedras, a imponência e força que ela guardava, fazia muito tempo desde que me senti indefesa como me sentia de frente para ela.
Eu não sei quanto tempo fiquei ali e também não importava, eu não estava com nenhuma pressa do que viria a seguir. Do que eu teria que fazer muito em breve.
Percebi que a escuridão começou quando os raios de sol não estavam mais visíveis de onde eu estava.
Se ele vier, chegará a qualquer momento.
Suspirei, mais fundo do que achei que fosse capaz. Conforme os segundos se tornaram minutos eu comecei a desejar que ele não aparecesse, até que comecei a quase rezar para isso.
Pelo menos eu o veria.
E talvez pudesse beijá-lo uma última vez.
Senti a minha garganta queimar com o pensamento e sentei na beira da água, tentando me concentrar em qualquer outra coisa que não fosse o Fred ou o que eu teria que fazer muito em breve.
Eu não poderia encostar nele, não da forma que o meu corpo ansiava. Se eu fizesse isso eu seria incapaz de cumprir a minha missão.
Eu o desejava. E quanto antes eu admitisse isso, melhor.
Pelo menos o desejo não era uma emoção descontrolada. Depois de algum tempo ia desaparecer como todos os outros sentimentos e emoções fracas que senti ao longo da minha vida.
Sentimentos que nomeei e categorizei um a um durante o treinamento para depois eliminá-los da minha cabeça e do meu coração. O desejo era uma vontade física, completamente diferente de carinho, paixão e saudade. Sumiria, depois de um tempo eu nem me lembraria mais.
Encarei a água, piscando quando senti os olhos arderem. Respirei fundo mais uma vez antes de olhar para o alto. Estava escuro o suficiente agora.
Ele não viria.
Eu senti um sorriso nascer no meu rosto e cobri os olhos com as mãos, sentindo a umidade escorrer. Lágrimas.
Respirei fundo de novo, sentindo uma vontade imensa de rir, gargalhar até.
A sensação que me dominou era familiar, mesmo que eu me sentisse assim poucas vezes. Era fresca como a brisa da manhã.
Alívio, eu estava chorando de alívio.
Balancei a cabeça, ainda sorrindo. Eu só poderia estar perdendo a sanidade. Eu estava aliviada que o meu alvo não apareceu. Que ele não morreria naquela noite, pelas minhas mãos.
Respirei fundo, enquanto secava as poucas lágrimas que escorreram e levantei, olhando uma última vez para a água caindo, agora completamente escura, iluminada apenas pela luz fraca da lua.
- Obrigada pela companhia. - Eu falei, em voz alta, para a cachoeira. Eu devo estar ficando louca mesmo. De novo, a vontade de rir me dominou e eu não lutei. Eu ri, sozinha, da minha própria loucura.
A sensação de alívio, gratidão e alegria era uma dádiva depois dos últimos dias. Talvez o universo realmente estivesse cooperando a favor dele, a favor de nós.
Eu não poderia fugir por muito tempo, mas hoje eu voltaria para casa, com as minhas mãos e pensamentos limpos.
Esse pensamento quase explodiu, junto com o alívio, a gratidão e a alegria.
Um misto de dor e desespero tomou a frente das minhas emoções, porque sentado em uma pedra, me observando pelo que eu imaginei ser um tempo considerável, estava o Fred.
Lindo, idiot4 e teimoso. O meu alvo.