- Se eu apresentar uma proposta ao Dom, acha que ele me consideraria como o seu marido? - A pergunta me pegou tão de surpresa que eu tomei a maior distância possível dele. Encarei aquele par lindo de olhos verdes, tentando ver alguma reação que me dissesse que aquilo era uma piada.
Nada.
- Foi uma pergunta séria? - Ele manteve a expressão séria, longe do menino alegre que eu vi há poucos minutos.
- Eu nunca falei tão sério na minha vida. - Ele se aproximou e como se fosse possível eu me distanciei mais, encostando as costas na porta, completamente. - É uma ideia tão absurda assim? - Ele parou, observando a minha reação.
- Sim, é extremamente absurda e impossível. - Eu fui criada, treinada e orientada durante toda a minha vida para servir aos Cavalcanti. Casando com alguém de fora da família, eu não poderia mais realizar as missões para eles e isso deixaria o Eduardo livre para casar com quem quisesse, correndo o risco de misturar os nomes das famílias. As pessoas achavam que éramos primos, mas o Dom não se importava com isso. Ele queria manter as coisas como eram.
- Eu sou o herdeiro de uma das maiores famílias da Sicília. Sou solteiro, bonito e posso abrir mão do seu dote, se isso for um problema. - Encarei aquele lindo mafioso, sentindo uma tristeza me ameaçar.
- Eu estou prometida. Isso não vai mudar, seguirei uma Cavalcanti. Mesmo que você prometa toda a sua riqueza ao Dom.
- Você sabe que em breve eu serei mais poderoso que ele? - Eu assenti. - E acredito que esse benefício ele possa considerar. - Poderia, se ele não tivesse ordenado a sua morte, justamente para que você não possa chegar a ser mais poderoso que ele.
E como uma bomba, a realidade caiu sobre mim.
Ele não poderia ir até o Dom, oferecer uma oferta de casamento. Além de acabar com a minha vida, isso o colocaria em perigo imediato, e eu não poderia me recusar a cumprir a minha missão.
Eu poderia enrolar por um tempo… E caso eu falhasse, ele mandaria outra pessoa, outras pessoas.
- Você já considerou que eu talvez não queira casar com você? - Ele levantou as sobrancelhas. - Faz alguns dias que te “conheci”. - Fiz aspas com os dedos.
- Você me conhece a vida inteira. - Ele argumentou.
- Não. Eu te conheci na infância e conheço agora, existe mais de uma década de lacuna. E de qualquer forma, acho que você está se precipitando. - Ele enrugou a testa.
- Eu não imaginei a forma que reagimos um ao outro. - Ele parecia ofendido.
- Desejo. Faz parte da vida. - A expressão dele era uma incógnita. - Nos beijamos, eu senti um praz3r delicioso, e obrigada por isso, mas não é motivo para casar com você.
- Você prefere casar com o Eduardo? - Ele cruzou os braços contra o peit0.
- Eu prefiro não começar uma guerra. – Ele me avaliou. - Um casamento como o nosso precisaria ter um contrato, e para isso seria necessária uma negociação. Nós não queremos que nem o Dom Cavalcanti, nem o seu pai precisem fazer isso. - Ele não tinha resposta. - Uma relação entre nós… - Eu precisei de toda a minha força para não chorar. - Nunca passará disso. Alguns beijos e toques. - Ele piscou e observei enquanto a feição dele endureceu. - A nossa vida é essa, Frederico, nenhum de nós pode mudar. - Eu abri a porta, sentindo o ar frio me atingir, reforçando que a minha vida sempre seria assim, alguns momentos calorosos proibidos. - Eu vou embora agora. Por favor, esqueça qualquer coisa que tenha pensado… - Eu fechei a porta atrás de mim e caminhei para o meu carro, enquanto vestia o casaco. Entrei no carro, e travei as portas.
Não demorou muito até que ele ligasse o carro dele. Observei ele manobrar o carro, que estava com os vidros embaçados, e ir embora e finalmente, eu tive privacidade para desabar.
Um amontoado de pânico subiu pela minha garganta.
Ele sabia quem eu era. E pior que isso, ele estava nutrindo idéias malucas sobre se relacionar comigo.
Ele nem imaginava que ele não viveria o suficiente para que isso acontecesse.
Nem em um milhão de anos o Dom aceitaria algo assim. E isso levantaria muitas dúvidas sobre o tipo de relação que eu tinha estabelecido com ele.
Eu precisava pensar. Colocar as minhas prioridades em ordem e entender o que estava me impedindo de fazer o que precisava ser feito.
Ele sabia quem eu era. Alguém além do Dom.
Isso era perigoso para nós dois, mas ainda assim, mesmo em negação eu não poderia ignorar o misto de alegria que encheu o meu coração.
Ele sabia quem eu era e me beijou mesmo assim. Prometeu fazer muito mais. Quis propor um contrato de casamento para mim. Por mim.
Da mesma forma que aquela menina sonhou com se unir a ele fazia tantos anos, ele também pensou nisso. E nutriu isso até hoje.
Eu pensaria no pior depois, agora, enquanto dirigia para casa eu apenas sonhei.
Sonhei com véu e grinalda. Sonhei com os sorrisos das nossas famílias.
Eu sonhei com um futuro impossível, e mesmo entre as lágrimas que escorriam do meu rosto, eu sorri.