Capítulo três: Nihara e Madelinne.

1974 Words
Fodshan (Cheshire), 16 de Junho de 1978 Fazem hoje três dias que Carolinne e Thomas foram para uma segunda lua de mel em Yvelines. Antes de viajarem, tive de fazer uma lista de tarefas devidamente distribuidas em horários quase impossíveis de uma criança de nove anos conseguir assimilar, mesmo Maddie sendo quase um prodígio ainda acreditava que àquilo tudo era demasiado pra ela, só estavam impedindo-a de ser uma criança normal, na verdade dentro dessa casa podia-se ser tudo... menos normal. Carolinne e eu crescemos juntas em Waldorf Abbey, um colégio interno em Buckinghamshire onde só eram educadas meninas dos 11 aos 18 anos. Nos conhecemos ela tinha 12 anos quando um navio, vindo da África Autral atracou numa cidade vizinha, não lembro como cheguei até Buckinghamshire, sabia apenas que perdi a minha família, que estava andando por dias à fome, debaixo de sol, da chuva, ventos forte e frio nessa estranha cidade, a qual fui obrigada agora a chamar de minha. Tinha acabado de completar 10 anos. Dias depois a Madre responsável pelo internato encontrou-me deitada a beira da estrada, teve a compaixão de abrigar a criatura mais diferente que ja vira em toda a sua vida, ganhei uma mãe, Madre Lillian foi a pessoa mais importante da minha vida, eu não era apenas a única n***a do internato, também era a rapariga estranha que colecionava livros, com a pronúncia acentuada e usava roupas diferentes, vários pais fizeram de tudo para que eu fosse expulsa. Contudo, madre Lilian, além de ser um exemplo de ser humano bondoso amoroso e justo, era também como a força da natureza. Ninguém se sobrepunha naquilo que ela acreditava ser o correcto, e isso incluía a minha estadia no Waldorf Abbey. Sempre fui bem tratada, madre Lillian não permitia segregações, mesmo quando as meninas implicavam com o meu excesso de melanina, ou como o meu cabelo era "duro" (elas diziam). A minha mãe, nunca deixou que elas me humilhassem inclusive expulsou duas delas quando num dia acordei com o cabelo coberto de cola, foi horrível, mamãe e eu tentamos tirar a cola de qualquer jeito, mas foi impossível, fiquei careca, elas já implicavam por eu simplesmente existir, sem cabelos foi duas vezes pior... Tinha 16 anos, tive de esperar por anos o meu cabelo crescer novamente... nunca chegou a crescer como antes, e eu havia descoberto que era mais fácil mante-los curtos e gostei de como o meu rosto ficou. Durante esse periodo tive uma única amiga, Carolinne. Ela nunca fez-me sentir estranha ou diferente, aliás pra ela, eu era como uma irmã que ela estava sempre a cuidar e proteger. Carolinne vem de uma família muito rica, não é nobre como a de Thomas, mas os avós oriundos da Grã Bretanha possuíam uma enorme fortuna. A família de Thomas é descendente dos Duques originais de Northumberland, imensamente ricos, ouvi uma vez ela comentar que a fortuna da família do marido é proveniente de propriedades com mais de 56, 7 hectares de terra e um castelo, isso tudo no norte da Inglaterra. Nós vivemos em Frodshan no Condado de Cheshire na Inglatera, Frodshan é uma cidade mercantil que fica a 16 milhas ao sul de Liverpool e 28 milhas a sudoeste de Manchester. O Thomas, herdou uma das propriedades destinadas ao irmão que segundo Carol, seria o mais novo Duque de Northumberland, ninguém sabe ao certo o que aconteceu com o Duque em ascensão, alguns empregados mencionaram que este havia se metido com magia n***a, encontraram-no numa poça de sangue junto a namorada que ele insistia em afirmar que estava viva, e o Thomas sendo muito apegado ao irmão não teve outra opção se não exila-ló num manicômio. Outros diziam que enlouquecera por conta de uma cigana. Acreditava mais na segunda versão, era difícil pensar em alguém tão jovem ter sido capaz de tirar a vida da própria namorada tão friamente, o estranho foi que quando Carol contou-me um pouco sobre ele, parecia haver muitas lacunas e eu senti-me melancólica, talvez por ser uma história triste, sentia como se talvez o tivessem injustiçado...Não sei... o certo é que nunca ninguém se deu o trabalho de ouvir o seu lado da história, o diagnosticaram logo como demente. Não existem fotos ou quaisquer documentos que provem a existência do então Duque, porque digam o que disserem, em minha opinião o irmão de Thomas continua sendo o único herdeiro de Northumberland. Todos nessa casa têm um horário a cumprir, e tudo tem de estar na mais perfeita organização. Quando Carolinne se casou com o Thomas, a minha mãe tinha acabado de falecer, tinha eu 18 anos, as freiras do colégio sabiam que jamais teria a chance de ser tutelada por alguém. O mais provável seria eu acabar por me tornar criada de numa das mansões de um dos benfeitores do colégio interno, ou estaria na vasta listagem de órfãos que acabam por trabalhar como operários nas diversas fábricas espalhadas pelos condados. Ninguém tutelava garotas negras. A essa altura, já não podia continuar no internato, mas madre Aurora minha madrinha, conseguiu que eu permanecesse lá, por mais cinco anos, até os benfeitores do internato se aperceberem e exigirem a minha saída, tinha 23 anos. Carolinne tinha uma bebé com 4 anos que precisava de uma cuidadora e também de um tutor pois Thomas não queria que a filha saísse de casa. Como a educação que recebemos do internato era das melhores, se não mesmo a melhor da região, a minha amiga convenceu o marido a contratar-me, ela tinha medo do caminho que eu pudesse tomar e também do que eu podes-me me tornar. Desde então, tenho trabalhado como tutora e cuidadora de Madelinne, há já quatro anos. Madelinne é uma criança tão obediente, os pais têm pulso duro para com ela, principalmente Thomas, ele as vezes é tão duro, como se estivesse ressentido. Carol e eu já não somos tão amigas como outrora, ela agora sente-se a futura Duquesa de Norhtumbria e age como tal, mas também havia uma outra razão pra isso, o marido nunca gostou da nossa amizade, apesar de todos os meus esforços para provar que a cor da minha pele não devia interferir no seu julgamento para com o meu trabalho ou com a minha pessoa, ainda assim ele olhava pra mim com repulsa, eu quase nunca o via, preferia assim, tinha vezes que sentia alguém me observar, o meu medo era que fosse ele. Dava-me arrepios quando o encarava, era perturbador e sinistro. Já peguei-me a pensar uma vez, que talvez a família era toda louca ou se eles não teriam colocado o irmão errado no manicômio. (…) Apesar da nossa distância, Carolinne tirava sempre um tempinho para a nossa hora do chá, ela exigiu ao marido que eu tivesse pelo menos um quarto dentro de casa com as mínimas condições criadas, enquanto que os outros empregados viviam na vila, os que não viviam na vila, dormiam na casa dos empregados. Eu possuía um quarto na mansão e era no meu quarto que tomávamos chá às quartas feiras, no horário em que Maddy tinha aulas de equitação. Numa das nossas conversas, ela confessou que Thomas era assim com a filha porque Maddie não devia ter nascido tão cedo, e eles acharam que seria um rapaz, e como Caroline nunca mais engravidou o marido teve de se contentar e aceitar que era pai de uma bela menina. Nos dois primeiros anos em que vim pra essa mansão, eles não pareciam-me um casal apaixonado. A minha amiga que era como um raio de sol tão luminoso, capaz de iluminar uma cidade inteira se parecia mais como um eclipse solar, aquele fenômeno em que a lua cobre o sol o impedindo de brilhar... era assim que eu via o Thomas, ele não só impedia a esposa de brilhar, como todos nessa casa pareciam os miseráveis, de Jean Valjean, como se estivesse punindo todos pelo seu erro de juventude ou coisa assim. Todo mundo que vinha para Fodshan, acreditava que a família era como aquelas de comerciais de cereais, ou manteiga, rica, feliz e que era impossível algo abalar aquela casa. Mas a verdade era outra. Por isso os dois decidiram viajar, pra tentar reacender a chama que outrora existiu... nunca cheguei a ver o casal apaixonado, ou essa chama misteriosa que ela dizia que existiu no passado, sabia apenas aquilo que Carol contava pra mim quando estivesse nostálgica. Sinto a sua falta, apesar do inexistente diálogo entre nós, ela era a única família que eu tinha, era minha irmã mais velha e independente de tudo, continuava com o espírito protetor para comigo. Me conforta saber que eles confiaram a sua filha comigo — ela mais do que ele com certeza. Adoro a companhia da pequena Maddie. (…) Os dias foram passando, a manhã deu lugar à tarde e essa por sua vez a noite que chegou por completo, o sol deu lugar a uma linda lua cheia, eram quase 8h e eu estava no quarto de Maddie ajudando ela se arrumar para o jantar. Já faziam muitos dias, e era suposto que os seus pais voltassem de Yvelines há mais ou menos dois dias atrás. Suspirei preocupada. O quarto dela era grande e iluminado, as luzes dispostas em candeeiros com padrões infantis fazia-nos sentir aconchegados, fiz uma nota mental ao notar os brinquedos espalhadas no chão. As paredes brancas, faziam contraste com as várias pinturas de animais e algumas criaturas mitológicas que Maddie era apaixonada, possuía um guarda-roupas embutido na parede, a cama solteira do estilo vitoriana era branca, a colcha e os lençóis estavam impecavelmente esticados como se ninguém dormisse lá, junto a cama estava a tenda que montamos na noite passada — Uma ideia que ela teve ontem em acampar, eu já tinha quebrado imensas regras estabelecidas pelos seus pais, passar a noite no meio do mato provavelmente me faria ganhar um bilhete direto pra rua! Foi tão difícil explicar pra ela que não podíamos simplesmente sair da propriedade por mata dentro sem a autorização deles. Ela amuou o dia todo e eu tive de ser criativa, montamos aqui no seu quarto e eu contei várias histórias que ouvia no internato. — Sorri lembrando da sua teimosia, olhei para as janelas que davam acesso a varanda, eram tão compridas que tocavam no chão, possuía uma vista espetacular de toda propriedade e parte do condado, mas a mesma ficava o tempo todo trancada para que ela não pudesse ser vista perambulando por aí — " Acho que a loucura é contagiosa nessa família" —murmurei. Tirei uma fita branca no amontoado de laços em cima da penteadeira, separo umas madeixas de cabelo dela, passo a escova lentamente. — Nia... Nia... — Sim Maddie. — Você acha que a minha mãe ainda vai demorar muito pra voltar? — pergunta curiosa. — Não sei meu amor, você lembra deles mencionarem que ficariam pouco mais de dez dias? — Sim. Mas já passaram mais de dez dias! — exclama aborrecida. — Eu quero a minha mãe, sinto falta dela. — suspiro, solto os seus cabelos. Não fazia sentido prepará-la tanto para sentarmos apenas as duas na mesa de jantar. Eu nunca sentava pra comer, afinal não era da família. Mas como não podia deixá-la sozinha a mesa, ficava com ela até ela terminar a sua refeição. — Eu também sinto muito a falta dela. — concluo. — Vais me obrigar a usar mais um dos vestidos que ela deixou separado? — revira os olhos com a carinha aborrecida. Endireito o meu vestido com as duas mãos e sento-me ao seu lado, pego na sua mãozinha. — Era esse o objetivo de hoje... mas... — Mas... — o rosto infantil se ilumina ansioso. — Vou fazer-te companhia ao jantar e tu podes usar o que você quiser. — Posso soltar o cabelo? CONTINUA…
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