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Depois de um longo período de tempo Sassas estava pronta para a cerimônia de morte dele. Cada tribo tinha sua cerimônia própria. Caracterizada pelo elemento de cada uma. A da tribo Ignis era a cremação. Após o corpo virar cinzas os anciões são responsáveis de enviá-las para um lugar que julguem pertinentes para aquele elfo em questão.
A elfa Ignis adentrou novamente a oficina, sua mente a transportou para momentos felizes, há pouco esquecidos. A primeira vez que pegou em uma espada, as noites em claro que passava ao lado do pai. As brincadeiras que nunca chegavam ao fim.
Tudo agora fora deixado de lado. Sendo substituído por uma grande tristeza. Ela viu o corpo do elfo que mais amava sobre o altar de ferro que Felef preparou apressadamente. Sassas se aproximou do corpo deitado do pai.
Ele continuava com uma expressão serena como se estivesse enfim descansando num sonho eterno.
Afagando os cabelos ruivos do pai ela se aproximou de sua testa e lhe deu um beijo doce. O último beijo. Aquele que representava sua despedida.
–– Eu te amo pai –– disse ela num sussurro.
Sassas ouviu um pigarreio atrás dela e rapidamente se virou.
Na sua frente se encontrava Felef, ele segurava um conjunto de girassóis, as flores preferidas de Nauan. Sassas tornou a segurar suas lágrimas.
–– Só vim deixá-las aqui. Antes que vocês fiquem sozinhos.
Em todo momento Sassas queria realizar a cerimônia de morte de seu pai sozinha. Só eles dois, como deveria ser. Mas ela não podia fazer isso com Felef. Não podia fazer isso com seu pai.
–– Felef. Fique –– disse ela logo depois do elfo depositar as flores nas mãos de Nauan.
–– Mas pensei que você queira ficar sozinha com ele –– disse ele inseguro.
–– Eu queria. Mas você é o melhor amigo dele. Não poderia fazer isso com nenhum dos dois. Tenho certeza que é isso o que ele queria.
Felef simplesmente assentiu. Era o que ele queria também.
Sassas acendeu duas tochas perto do corpo do pai.
–– Assim como nascemos das cinzas, para lá retornaremos –– falou ela repetindo as palavras que conhecia desde quando perdera sua mãe precocemente.
–– Vá além Nauan. Não se esqueça de que te amaremos para sempre.
–– Eu te amo pai –– sua voz saiu com dificuldade, mas audível.
Então os dois elfos começaram a manipular as chamas.
Porém não um contra o outro, como estavam acostumados durante o treinamento de fogo. Mas, em conjunto, e com um único objetivo.
Aos poucos as chamas começaram a consumir todo o corpo. Finalmente Sassas permitiu que as lágrimas que ainda tinha, se libertassem. Enquanto ela manipulava as chamas, ela tentava se desatar. Porém tudo estava diferente. Naquele momento, toda sua inocência fora perdida.
Então as chamas consumiram todo o corpo do elfo. Sassas viu pela última vez o rosto de seu pai, o elfo que a fizera extremamente feliz. Ela se recusava a acreditar. Mas aquilo era real. Tão real quanto a dor de seu peito. Tão real que a v*****e de vingar-se começara a consumir seu coração, consumir todo seu ser.
Por um bom tempo as chamas consumiram todo o corpo. Transformando-o finalmente em cinzas. Lágrimas quentes invadiram seu rosto e molharam suas roupas enquanto a jovem elfa apenas via as chamas crepitarem por todo o corpo do pai. Felef se aproximou dela. Ela pensou em recuar mais uma vez. Precisava mostrar-se forte! Mas não há força que supere a perda de um ente muito querido.
Felef abraçou-a afagando seus cabelos ruivos. Por sua vez Sassas permitiu suas lágrimas se libertarem todas de uma vez. Molhando assim a camisa vermelha que Felef usava. Agora chegara o fim. Seu pai finalmente a deixara. Para sempre...
Depois de um tempo o fogo consumiu toda a carne, deixando apenas as cinzas. O espírito há muito o deixara.
–– O que quer fazer agora? –– perguntou Felef.
Sassas olhou para seu mestre.
Com um gesto rápido, Felef secou as lágrimas de Sassas.
–– Onde você quer espalhar as cinzas?
–– Acho que não teria outro lugar, se não aqui –– disse ela pensativa.
Felef permitiu um sorriso tímido.
–– É o que ele gostaria –– concordou ele.
–– Aqui foi o lugar que ele mais amou. Onde ele passou mais tempo em sua vida. Acho que aqui será onde terá de passar em sua morte –– afirmou por fim.
Um período a mais de tempo se passou. As cinzas finalmente se esfriaram e Sassas pode tocá-las.
Carinhosamente ela pegou um punhado das cinzas que há pouco fora seu pai e espalhou perto da bancada onde Nauan desenhava novos modelos de espadas e escudos. Então ela espalhou as cinzas de seu pai. Uma leve brisa entrava pela porta aberta. O que fez as cinzas se espalharem e sumirem aos seus olhos.
–– Felef –– chamou Sassas. –– Ande, pegue um punhado você também. Quero que faça isso comigo.
Felef assentiu.
Quando chegou ao último punhado ele permitiu-se dizer:
–– Adeus meu tão querido amigo. –– espalhando as cinzas no forno onde se forjavam as espadas eles terminaram a cerimônia de morte de Nauan Higino.