O alarme de invasão ecoou pelo clã no meio da madrugada. O Alfa deixou a Luna grávida assustada na tenda e correu ao encontro dos seus guerreiros. Lobos perdidos mais uma vez entraram no seu território para saquear os bens do seu povo.
Alfa Hermes era um líder honrado, corajoso e muito dedicado ao clã e a sua amada companheira, Luna Edite. Ela estava grávida de seu primeiro filhote e ele ordenou que ela permanecesse na tenda e não pusesse a sua vida e a do filhote em risco, pois ele cuidaria de tudo.
Infelizmente, os lobos perdidos invadiram o território no meio de uma tempestade, muito vento, chuva e neve prejudicavam o faro dos seus rastreadores, dificultando a busca pelos malfeitores.
Mesmo com as dificuldades climáticas, os lobos bem treinados do Alfa Hermes capturaram os invasores sem muita demora.
Pelo menos, era o que pensavam, ignorando que o líder do bando de lobos perdidos tinha um cúmplice infiltrado no clã. A batalha acontecia de um lado do território, enquanto ele próprio se encarregou de se esgueirar até a tenda do Alfa, onde a Luna prenha esperava por seu companheiro.
Os gamas de Luna Edite caíram vítimas de veneno diante da tenda, e o traidor sorriu satisfeito antes de deixar o caminho livre para o líder dos invasores.
Luna Edite estava desperta, preocupada com as consequências da batalha e levou a mão ao peito com a dor da perda dos seus gamas. A tempestade soava como uma lamúria fúnebre, quando ela afastou o tecido da entrada da sua tenda e de deparou com vários de seus gamas mortos.
Estava sozinha, e a apenas alguns passos de distância, um macho de aspecto ameaçador a fitava com um sorriso c***l e lascivo na sua direção. Edite era uma guerreira, mas se transformar em sua natureza era um risco para o filhote no seu ventre.
Ela conhecia aquele macho, um ex-m****o do clã, obcecado por ela, que foi exilado e tornou-se um lobo perdido.
Um dos gamas que lutava ao lado do Alfa sentiu o perigo que a sua Luna sofria e os seus olhos se tornaram prateados como a lua cheia. Quando Alfa Hermes viu os olhos do gama, compreendeu o que estava acontecendo e correu na direção da sua tenda, a sua natureza correu o mais rápido que podia em meio a tempestade de neve. Ele alcançou a tenda a tempo de ver o invasor em cima da sua Luna, que tentava se defender dele. O lobo estava nu em cima dela, o m****o duro, no afã de possuir o seu corpo.
Para impedir o invasor de violentá-la, a Luna renunciou ao seu filhote e transformou-se na sua loba. Usando toda a sua força para atacar o pervertido. Ela arranhou e mordeu o malfeitor com tudo o que podia, mas ele era maior e mais forte do que ela naquele estado.
Ele virou o seu corpo de bruços, pressionou o ventre dela no chão e preparou-se para montar nela. Luna Edite implorou aos deuses por socorro, nem ela, nem o filhote sobreviveriam se o lobo perdido conseguisse o seu intento.
O peso do invasor deixou o seu corpo e ele caiu para o lado, com o Alfa sedento de vingança sobre ele.
Luna Edite encolheu-se num canto, exausta e apavorada, ao ver o seu macho lutando com o pervertido. Ela estava aliviada por seu Alfa ter chegado a tempo e o seu corpo não tinha sido desonrado. No entanto, se transformar em loba durante a gestação foi interpretado por seu corpo como rejeição ao filhote no seu ventre, e as dores do parto se iniciaram.
O Alfa levantou satisfeito por eliminar um antigo inimigo e atirou o cadáver para longe, antes de correr para a sua amada. A sua brava Luna teve que rejeitar o filhote e transformar-se em loba para sobreviver o suficiente até que ele pudesse vir salvá-la. Ele tinha orgulho da sua fêmea, a decisão foi acertada, eles poderiam ter outros filhotes no futuro…
Ele ordenou que buscassem a parteira, que veio imediatamente cuidar da Luna, que uivava de dor e medo. A idosa tocou a barriga da Loba com o olhar tristonho, mas logo os seus olhos se arregalaram e ela sorriu, surpresa.
— Alfa, o filhote ainda esta vivo!
Lágrimas escorreram dos olhos da natureza de Luna Edite, aliviada e orgulhosa do seu bravo filhote que sobreviveu a transformação no estado avançado da gestação. Ela sabia que ele seria forte e valente por suportar tudo pelo que estavam passando.
No entanto, o seu alívio durou pouco. Ainda era cedo, cedo demais, apenas sete ciclos lunares, e ela estava na forma de loba, impossível reverter a transformação durante o parto.
Alfa Hermes tentou pegar a sua Luna nos braços e levar de volta para a tenda, pois a tempestade de neve estava cada vez mais forte, mas ela gemeu de dor e tentou morder a sua mão para que não a tocasse.
— O parto começou, meu Alfa, não é seguro que a leve daqui. — Disse a parteira, enquanto abria uma grande bolsa e retirava diversos utensílios de dentro dela.
O Alfa deu algumas ordens, para que improvisaram uma cobertura para a sua Luna. Lobos correram de um lado para o outro no meio do vento e da neve, organizando uma parede de lonas e peles para proteger a Luna do clã da intempérie.
— Vai ficar tudo bem, minha fêmea! Estou muito orgulhoso da sua bravura!
Luna Edite lambeu a mão do companheiro, fechou os olhos e uivou de dor. O Alfa, nu no meio da neve, não sentia frio, apenas medo pela vida da sua família e a sensação de incompetência, por não poder fazer nada para ajudá-la.
A parteira pediu para que ele se afastasse, mas ele hesitou. Foi necessário que o seu Beta e o general gama o afastassem a força, com a ajuda de vários generais para conter o Alfa descontrolado.
A tempestade acalmou, apenas flocos finos de neve caiam do céu sem lua. Apesar da baixa temperatura, a parteira estava suando, o peito arfava e os seus olhares furtivos buscavam o Alfa acorrentado a pedra do altar. O seu lobo estava descontrolado, aflito com o sofrimento da Luna e o cheiro do seu sangue no ar.
— Não faça mais força, minha Luna, o filhote está atravessado, não há passagem para ele sair!
A loba Luna olhou para a parteira, o seu olhar inquisidor e desesperado fez a parteira soluçar.
— Minha senhora, já perdeu muito sangue, precisa desistir do filhote. O seu corpo o rejeitou para poder se transformar, precisa rejeitar o vínculo de vez para sobreviver.
A loba rosnou para a parteira e atacou o seu braço, mordendo furiosa pela sugestão velada. Ela era uma Luna, uma mãe, jamais quebraria o vínculo com o filhote intencionalmente.
— Se não o fizer, não resistirá. O filhote não vai atravessar o seu canal, morrerão os dois!
A Luna rosnou alto, os olhos de todos os gamas sobreviventes ficaram prateados. Eles formaram um círculo em torno da Luna, impedindo que o Alfa ou qualquer outro m****o do clã que estivesse presente pudesse testemunhar o parto.
— Minha Luna, não faça isso com essa velha parteira! Terei que cortar o seu ventre para retirar o filhote, o Alfa não me deixará viver depois disso!
A decisão da Luna estava tomada. O Alfa, embora não pudesse ver, sentiu a hostilidade dos gamas ao acatar, sem escolha, a última ordem da Luna. Edite era valente, aguentou a dor da lâmina cortando a sua carne em silêncio, para que o Alfa não pudesse entender o que estava sendo feito.
O coração do Alfa queimou, a sua Luna estava morrendo, ele se debatia, tentando arrebentar as correntes, gritando furioso:
— Fêmea, rejeite o filhote, não precisamos dele! Podemos fazer outro filhote melhor e mais forte, mas não poderei viver sem você!
Com o olhar triste, trémula de pavor, a parteira levantou com as mãos tintas de sangue segurando um filhote prematuro, robusto e saudável, apesar dá pouco tempo de gestação.
O Alfa estacou, petrificado, o vínculo com a sua alma gêmea desapareceu. A dor no seu peito era excruciante. Os gamas caíram de joelhos no chão, derrotados por falharem na sua missão de manter a Luna viva. Mas a ordem da loba tinha sido forte demais, impossível desobedecê-la.
Com isso, Alfa Hermes pôde ver a sua fêmea sem vida. Os primeiros raios de sol tocaram a tintura vermelha que manchava a neve. Com um uivo furioso, ele conseguiu arrebentar as correntes e saltar sobre os gamas que falharam em protegê-la. O sangue deles se misturou ao da luna, sem que eles tivessem coragem ou tempo de enfrentar o Alfa enlutado. Um a um, todos os gamas de Luna Edite se juntaram a ela no mundo dos mortos.
Nenhum dos lobos do Alfa se atreveu a tentar impedir a carnificina.
O lobo Alfa, com seus olhos vermelhos, perdidos, caminhou lentamente na direção da parteira. Ela segurou o filhote contra o peito, rezando para que a grande Deusa a socorresse e poupasse o filhote, ou a Luna teria morrido em vão.
O Lobo rosnou, os dentes a mostra, mas ao se preparar para atacar o filhote recém-nascido, sentiu o aroma da essência da Luna. Ele sacudiu a cabeça, atordoado, e aos poucos, os seus olhos perderam a vermelhidão da loucura. Ele voltou a forma humana e encarou o filhote por alguns segundos.
O Alfa recém-nascido reconheceu a essência do pai e parou de chorar, estendendo as mãozinhas pequenas na sua direção. O Alfa fitou o seu herdeiro, que o encarava de volta, como se soubesse que havia algo errado com o próprio pai. Não havia amor nos seus olhos, apenas desprezo e mágoa.
— “Meu Alfa, o seu filho é um macho, o mais forte que já vi nascer neste mundo!”
— Tira essa coisa amaldiçoada de perto de mim, fêmea, ou terá outro corpo para embalsamar!
Horrorizada com as palavras do Alfa, a parteira apertou o filhote contra o peito, se apiedando dele.
— Mas, Al-Alfa... ele precisa de um nome...
O Alfa parou, olhou para o céu, e respondeu com um grunhido, sem nem mesmo olhar para trás:
— Que o chamem de Ares, O Maldito! Aquele que nasceu assassino da própria mãe!