Barão narrando.
Um tempo depois...
Coloco o meu fone no ouvido, observando as nuvens. Já se passaram 10 horas de voo, isso significa que ainda restam mais algumas horas para chegar ao meu destino. Dá para aguentar, o que eu não estava mais aguentando era toda aquela bagunça rolando no Rio de Janeiro. Uma guerra está rolando, e muito sangue está sendo derramado. Invasões, sequestro, roubo de carga... Tudo de ru1m que se pode imaginar.
Eu tenho o dever de parar essa guerra, e eu vou fazer isso. Estou viajando justamente para me afastar da guerra. Eu quero que eles pensem que estou derrotado, quando na verdade eu só vou abastecer as minhas energias para voltar ainda mais forte. Preciso derrotar um chefão, e ele também quer fazer o mesmo comigo. No mínimo, não vai poder fazer o mesmo se eu estiver na casa de campo do caralh0. Vou ficar quietinho por alguns dias, e depois eu volto para o Rio, para colocar o meu plano em ação e acabar de vez com essa guerra da Rocinha e do Vidigal. Malvadão já está com os nervos à flor da pele, e eu acabei comprando essa brig@, por causa do Coringa, um parceiro em comum. Agora, estou dentro, e nunca entro em nada para perder.
Fecho os meus olhos e cruzo os braços, tirando tirar alguns cochilos no restante da viagem, mas é sem sucesso. Quando chegamos, já está de madrugada. Esse fuso horário diferente vai me ferrar, já estou até vendo. Como combinado, o meu novo motorista já está me esperando aqui perto. Ele é de origem brasileira, então vai ser até mais fácil de se comunicar. Tudo que eu precisar, vou pedir a ele. Ele dirige até o bairro que vou ficar. Preferi alugar uma casa distante das movimentações, só assim eu me sinto com a privacidade preservada. Nada de ficar em hotel com um monte de gente, essa parada não dá para mim.
Maykon: Se precisar de qualquer coisa, tu pode me chamar. O centro fica um pouco distante daqui, mas eu posso te levar onde quiser, independente do horário. A Suíça tem de tudo que você imaginar.
Barão: Beleza. Me passa a chave dessa casa e o chip de celular. O Mochila te avisou sobre isso, né?
Maykon: Sim, avisou. Eu comprei um pouco antes de você chegar. Aqui está – O Maykon tira o chip do bolso do casaco e me entrega. Em seguida, pega as chaves no porta-luvas do seu carro e traz até mim.
Barão: Tem como me arrumar um boldo? Não trouxe por motivos de segurança.
Maykon: Mas é claro – Ele ri – Aqui é o que mais tem. Vou trazer da boa pra tu.
Barão: Jaé. Vou pegar o dinheiro aqui e já volto.
Maykon: Beleza.
Abro o portão da casa e vejo que está super arrumada, do mesmo jeito que estava nas fotos. Indo para um dos quartos, me abaixo e tiro uma mala debaixo da cama. Abro e vejo a mala cheia de euros, o suficiente para eu me manter aqui durante alguns dias. Mochila e Coringa fizeram um bom trabalho, esses caras são f0d@s. Assim que saio, entrego o dinheiro para o Maykon e ele já tem tirado todas as minhas malas do carro. Eu coloco elas na casa e ele dá partida.
Fecho a porta de chave e levo as malas até o quarto que eu vou ficar. Essa casa é completa de tudo, já está mobiliada e equipada, só falta fazer compras. Eu mesmo poderia fazer isso, se não me faltasse paciência. Aqui, posso ir disfarçado a qualquer lugar, mas não estou muito a fim de ir a um supermercado. Vou deixar essa tarefa para o Maykon, já que ele se mostra tão prestativo. E realmente deve se mostrar disposto a fazer tudo que eu pedir, porque está ganhando uma boa grana para isso. Nada está saindo de graça aqui, para ninguém.
Enquanto o Maykon está indo buscar a minha maconh@, eu me jogo no sofá e começo a configurar o chip no meu celular. Quando termino, me comunico com os crias da favela e aviso que está tudo bem por aqui, tudo tranquilo. Mochila me aviso onde está a arm@, e eu já vou procurar. A encho de bala e meto na cintura, a deixando bem escondida. Se alguém me pega com uma arm@ aqui, eu estou f0dido. Não é porque estou em um lugar que ninguém me conhece que vou sair fazendo merd@. Tenho que saber o meu lugar. Não estou no meu habitat natural.
Escuto algumas batidas na porta e olho quem é antes de abrir. O Maykon já voltou, e eu está com um saco médio nas mãos. Ele me entrega e eu abro em sua frente, conferindo a qualidade do produto. E porr@, estou no paraíso. Essa maconh@ é uma das melhores, se não a melhor que eu já vi. Agradeço e ele me avisa que vai ficar circulando pelo bairro, só por prevenção. Eu tranco a porta da casa e me interno na sala, fazendo fumaça até o dia raiar.
De manhã, peço para o Maykon me trazer um café me reforçado. Ele traz tudo que eu tenho direito, e eu como tudo, sem deixar nada na embalagem. Agora sim, estou satisfeito. Posso começar o dia. Entro em ligação com o Mochila e ele vai me atualizando de tudo. O filho da put@ do Amarelão já está rodando a cidade inteira atrás de mim. Ele vai m0rrer se perguntando onde eu estou. Não vai me pegar nunca. Quando terminamos de conversar, eu deixo o celular de lado e pego papel e caneta. Começo a fazer uma lista das compras, com todas as coisas que eu preciso. Pego dinheiro na mala e entrego os dois para o Maykon, mandando ele ir ao supermercado fazer isso por mim.
Me deito na cama e fecho os meus olhos. Eu tenho uma put@ saudade de dormir tranquilo, sem pensar merd@, sem ter nenhum pesadelo, com um mínimo de paz que um ser humano pode ter. Isso tudo se foi junto da Pérola. Ela está carregando tudo isso até hoje, a falta que ela faz e a pouca paz que eu tinha quando estava com ela. Lembro dessa mulher todos os dias. Não tem um dia que eu não pense na maldit@ Pérola. Só de pensar que nós estamos tão pertos um do outro, já me b@te o maior frio na barriga. Não quero nem pensar na possibilidade de encontrá-la aqui. Eu não conseguiria me manter, com certeza iria ter uma recaída. Não tem como ver ela na minha frente e não poder tocar, e fazer tudo que nós dois fazíamos antes.
Às vezes me pego pensando se eu fiz a coisa certa a mandando para cá, mas sei que foi o melhor a ser feito naquele momento. Ela m@tou um chefe, grande parte da favela estavam atrás dela. A Pérola iria m0rrer fei0 nas mãos daqueles vermes, e eu não poderia tomar partido. Não poderia tomar partido por ela porque não queria que ninguém soubesse que de certa forma ela importa para mim. É melhor assim, do jeito que está. Todo mundo já esqueceu da sua existência, e a favela que ela morava está cada vez mais abandonada depois da m0rte do General.
Enfim, de qualquer forma, continuar no Brasil não seria o melhor para a Pérola, sem falar que... Esquece. Eu não deveria nem estar pensando alto desse jeito. Tudo bem pensar na Pérola todos os dias, já faz parte do meu dia a dia, mas não me permito pensar demais. Eu enlouqueceria se passasse o dia inteiro pensando nela. Ela é um vício, e por mais que tenhamos ficado longe um do outro, eu tinha que dar um jeito de mantê-la por perto. Pego o meu celular e abro o aplicativo, e aqui estou eu mais uma vez, quebrando a promessa de não pensar demais na Pérola. Já faz uns dias que ela não apareceu por aqui. Nos primeiros dias aqui na Suíça, ela mexia nesse celular com bastante frequência. Eu conseguia ter acesso à câmera frontal, mesmo se ela não estivesse ligada. Quase em todas as vezes que eu via a Pérola, ela estava chorando bastante. Já faz umas duas semanas que entro no aplicativo e não a encontro. Com certeza comprou um celular novo, por um motivo que eu não sei. Continuo mandando dinheiro para ela, até mais do que o necessário. Acredito que ela está preferindo essa vida que tem aqui à vida que tinha no Brasil. Ninguém quer apanhar todos os dias. Eu tinha parado de b@ter com frequência, mas vez ou outra eu poderia surt@r e fazer algo com ela.
Sou interrompido com o Maykon batendo à porta, abro e ele entra com as sacolas de compras. Com a sua ajuda, eu arrumo tudo no armário e na geladeira. Os produtos de higiene eu deixo no quarto e no banheiro. Faço um café bem forte e amargo. Tomo sozinho na cozinha, enquanto o Maykon conserta um problema que deu na TV. Quando volto para a sala, vejo que a TV já está consertada. Ele realmente sabe o que está fazendo, e faz isso muito bem.
Maykon: Mais alguma coisa?
Barão: Não, era só isso.
Maykon: Aí, mano, você não dorme? – Ele pergunta com ironia, e eu balanço a cabeça negativamente.
Barão: Pior que não, ou não muito. Só o básico.
Maykon: Saquei. Mas aí, tem certeza de que vai ficar aqui? Posso te levar pra conhecer vários lugares bacanas e os pontos turísticos daqui. Não tem perigo nenhum, e eu acho que tu vai curtir. É tudo bonito pra caralh0, e vai por mim, vai ser bem melhor do que ficar trancado aqui assistindo esses lutadores de boxe – Maykon aponta para a TV e me faz pensar por alguns momentos.
Talvez ela tenha razão. Eu não preciso ficar trancado aqui como eu ficava no Brasil, e sim, a Suíça é bonita demais para não aproveitar nem sequer um pouco da sua beleza. Peço para que ele me espera lá fora e vou até o quarto. No meio das malas, tiro o frasco do meu remédio. Pelo menos esse foi o único conselho da Pérola que eu seguir: cuidar da minha saúde mental. Troquei de psiquiatra e fui só a uma consulta, mas pelo menos ele me passou um bom remédio e sinto que me ajuda no dia a dia, diferente daquele outro remédio desgraçad0 que só me deixava igual um mongol.
Eu já deveria ter desconfiado que tinha dedo do Sorriso naquele remédio que eu tomava. Com certeza ele contribuiu para que eu ficasse naquele estado. O filho da put@ do meu irmão amava me ver m@l, porque só assim ele tinha chance de ficar no meu lugar. Não me arrependo nem um pouco de ter o matado. Ele mereceu. Nunca teve amor de irmãos entre nós dois, e aquilo que ele fez comigo e com a Pérola foi imperdoável. É inexplicável e ao mesmo tempo maluco o fato de eu não aceitar que ninguém a faça m@l, quando na verdade sou eu quem faço isso. Na minha cabeça, só eu posso, mais ninguém. Apesar que olhando por outro, vejo que ela já sofreu pra caralh0, não precisa de mais sofrimento na vida, a menos que queira. De vez em quando ela fala com o Mochila, mas nunca veio atrás de mim. Pelo contrário, o que ela quer saber da minha vida, sempre pergunta a ele, e eu espero que aquele otári0 realmente fique de bico fechado, já que ele me diz que nunca responde nada do que ela pergunta. Acho muito difícil o Mochila não soltar alguma coisa, porque sinto que ele tem muita pena da Pérola.
Quando tomo meu remédio, o coloco de volta na mala e pego mais maconh@, além do isqueiro e da seda. Saio de casa e fecho a porta. Sento no banco de trás do carro do Maykon e bolo mais um baseado de maconh@, para ir fumando no caminho. Ele me leva para uma vila bonita pra caralh0, e depois para um museu olímpico. Eu sempre achei essas paradas uma babaquice, mas confesso que não está sendo tão ru1m. Até que está legal conhecer esses lugares. É tudo bem diferente.
Quando começa a escurecer, eu entro para o carro e fumo mais um baseado. Isso me ajuda a ficar um pouco mais calmo, por mais difícil que seja. A vida é bem melhor com maconh@, e quem discorda disso é porque ainda não provou. Assim que termino de fumar, vou a um restaurante com o Maykon. Nós nos sentamos juntos em uma mesa e pedimos uma par de coisa. As comidas daqui são diferentes, mas boas. A conta vem estourando, mas pelo menos valeu a pena.
Maykon: Eaí, qual o nosso destino agora? – Ele pergunta assim que entramos no carro.
Barão: Não a fim de voltar pra casa.
Maykon: Te falei – Ele ri – Tem muita coisa boa pra se aproveitar aqui, garanto que tu não vai querer mais voltar.
Barão: Dá uma volta aí pela avenida, quem sabe a gente encontro algum bagulho bom pra se distrair.
Maykon: Jaé.
Vou no banco do passageiro e olho todas as lojas e estabelecimentos enquanto o Maykon dirige. Avisto um bar do outro lado da rua e aponto. A fachada é bem chamativa, por isso que eu me interessei. Estou a fim de provar umas bebidas suíças, tem grande chance de ser boa. Maykon para bem em frente, e eu vejo a quantidade de mulher gostos@ que está entrando.
Maykon: Vai ficar aqui? – Eu assinto – Fez uma boa escolha. Esse bar é bem frequentado, e é da hora.
Barão: Tu vai entrar?
Maykon: Não, prefiro ficar aqui fora te esperando. Minha mulher me mat@ se sonhar que eu tô em um lugar desse.
Barão: Fechou.
Eu saio do carro e o Maykon fica com ele parado na calçada do bar. Entro e me sento em um dos bancos do balcão. Não domino muito a língua, mas ao menos consigo pedir uma bebida para a bargirl gostos@ que está praticamente nu@. Ela pisca para mim assim que me entrega a bebida forte e eu encaro o seu decote enquanto tomo o primeiro gole. Essa bebida é tão boa quanto ela. Me viro, dando as costas para o balcão e encarando as piranh@s que tem aqui. São muitas. Algumas estão sozinhas, dando em cima de velhos ricos, e outras estão nas mesas, conversando com amigas e enchendo a cara. Me viro de volta para a bargirl e termino a minha bebida. Peço mais outra e ela me traz com uma rapidez gigantesca, essa daí está doidinha para dar, e eu não vou mentir, estou louco para comer bucet@ hoje.
Viro de uma vez a bebida e sinto ela batendo com força, rasgando na garganta. Poderia até estar ficando alucinado, porque sinto uma mão pousando no meu ombro. É uma mão leve, e eu olho de relance para o lado, certificando se é real ou loucura da bebida. Essa mão... Porr@! Tomo um susto ao me virar e ver a Pérola, bem na minha frente.