Taninos, cristais, queijos de gosto forte e algumas taças além. Ontem foi um caos, sempre fica bagunçado quando eu deixo de escutar a bossa tocando ao fundo. Minha vida é minha arte, meu corpo é a poesia. Rabisco as linhas da minha história com caneta, passo liquid paper e borro tudo para escrever sobre a mesma página. É ilusão achar que se rasgam páginas e falo isso com conhecimento de causa.
Vivi amargando meu excesso de doçura e acusando o mundo de não saber apreciar, o simplório movimento juvenil de se achar a medida de todas as coisas. E é aí que faz total sentindo o termo “paladar infantil”, porque quando a gente é criança só quer bala e refrigerante e não sabe gostar de salada que faz bem e do amargo do café que nos acorda pra vida.
O que falta é a vivência que a gente só ganha com o tempo e com o mundo. Já vi velhos que se fecharam, já vi novos que se perderam. Eu só rezo para que fique velha o bastante para não me perder em desventuras e que jamais feche os olhos para novos aprendizados. Que tristeza seria deixar esse mundo sem viver com t***o, com amor, com humildade, com paciência para lidar e perdoar os outros. Não apenas os que eu amo, mas também aqueles dos quais eu não sou lá muito fã.
Pausa. Tive que levantar para checar um barulho na sala de estar do apartamento. Já saí colocando a culpa no gato, mas foi só a fita que empurrou o quadro da parede. Voltemos.
Quitana falava que viajar era trocar a roupa da alma e só sei disso porque essa frase está estampada por todos os cantos de João Pessoa. Eu não concordo não, acho que viajar é mais como entrar numa máquina de lavar e ficar girando e batendo de um lado pro outro até a roupa da alma ficar limpa ou você morrer afogado. Viajar é quando está escuro e ninguém te ouve chorar, quando tudo é novo, inclusive os medos. Quando você pode sentar na beira da praia e gritar o seu desespero aos céus e pedir por um pouco de paz.
Na espreita, aquela saudade familiar. Aquela falta gritando na sua cabeça. Pode ser de uma pessoa vivente ou de uma que já está no subterrâneo. Pode ser de uma encruzilhada, daquele outro caminho. Pode ser de um cheiro que você não sabe de onde vem, hmmm, morango com champagne, num líquido cremoso rosa bebê. Pode ser falta daquele perfume azul turquesa que traz a memória o vendedor que passou de bicicleta na rua da casa dos seus pais.
A saudade do tempo que você derramava o perfume no seu cangote, o cheiro de praia, de vida e todo o frescor de quem tem infinitas páginas vazias. Todo dia, com sua lancheirinha, antes de ir pra escola. A falta de não ter amanhã. Porque criança não tem amanhã, elas só tem o hoje. O hoje para comer bolo de cenoura e para brincar na rua até de tardinha. Gente velha (tô falando de mim) ou pensa no passado ou pensa no futuro (e nada é como antes).
Chegamos na parte onde quase me lamento, mas só quase, porque sei que não devo. Jamais gostaria de voltar a impossibilidade de agir que se tem quando se é gente pequena. Ele afaga meu cabelo, enxuga minhas lágrimas e não fala nada. Ele só me balança num terno abraço enquanto chamo pelo meu pai. Me pergunto se não há um momento na vida onde tudo está bem. Quando todos os meus ossos vão parar de doer? Não espero felicidade, nem a busco mais. Busquei dentro e fora, nos templos e na rotina dos bares. Hoje, só busco… sei lá.