CAPÍTULO 1
Katherine Langford
— Katherine, você fez um ótimo trabalho, minha querida! — escuto a diretora do orfanato onde faço trabalho voluntário, falar encantada após ver o imenso jardim recuperado em nossa frente.
Sinto-me grata ao notar seu olhar de admiração pelo meu trabalho, pois quando vim visitar esse orfanato e vi como esse jardim estava totalmente sem vida, às plantas maiores estavam com muitas folhas secas e as pequenas plantas morrendo, o jardim pedia por socorro, suas vidas estavam ameaçadas.
Além dos brinquedos que haviam na pequena área ao lado, estavam todos quebrados, era tudo muito triste, ninguém se preocupava com a qualidade de vida do espaço onde as crianças saiam todos os dias para brincar, sem contar que o antigo diretor falava que o orfanato precisava priorizar outras coisas e não um simples parquinho para crianças que não significava muito para as pessoas, ele só concordou que eu viesse trabalhar aqui depois de muita insistência, mesmo eu informando que não cobraria para cuidar do jardim, ele ainda teve a coragem de me dizer que o orfanato não tinha condições de pagar por nem um saco de adubo e mesmo com tanta dificuldade eu não desistir, contei com a ajuda de alguns professores e colegas da faculdade para consegui novas plantas e adubos para recuperar o jardim. E logo depois foi descoberto um grande desfalque do dinheiro do orfanato e ele era o responsável, como consequência, foi mandado embora.
E assim outra diretora assumiu a direção do orfanato, ela sim pensa no bem das crianças.
Fiz o meu trabalho como prometi ao outro diretor, em nenhum momento reclamei de nada, houve muito esforço sim, mas também tive a honra de encontrar pessoas dispostas a ajudar e agora vendo o fruto do meu trabalho, posso dizer que tudo valeu a pena.
— Fico feliz que gostou, Senhora Guadalupe. — meu sorriso se expande em satisfação e agradecimento. — Eu só queria deixar o ambiente mais leve para as crianças. — falei e ela acenou com a cabeça.
— Eles vão sair daqui a pouco para fazer atividades ao ar livre, tenho certeza que teremos muito trabalho para colocá-los para dentro depois, pois aqui está tão lindo que é capaz de quererem dormir aqui fora.
E ela está certa, pois onde antes só havia um ambiente sem vida, agora tem lindas plantas e flores que dão vida e colorem todos os ambientes, plantas muito bem cuidadas e os brinquedos que antes estavam quebrados, agora dão lugar para brinquedos novos, com as combinações de cores estrategicamente pensadas.
Branco para trazer sempre paz ao local, vermelho que simboliza o amor que devem sempre sentir uns pelos outros, azul que simboliza a harmonia que devem estar presentes sempre, amarelo que reflete a alegria no sorriso das crianças que estarão se divertindo, rosa que significa a ternura das crianças e verde que simboliza a esperança de algum dia elas saírem daqui com uma linda família, onde vão crescer, sendo amadas e protegidas por pessoas que são capazes de amar uma vida que não foi gerada em seu ventre, mas ainda assim vão se doar a elas com todo o coração.
— Você se superou, Katherine. — Conrad o professor das crianças se aproxima com um sorriso gentil nos lábios e logo sou envolvida por um abraço caloroso. — Você com certeza vai ganhar o prêmio de melhor paisagista de Leipzig.
— Esse prêmio sem dúvida será seu e eu terei o maior orgulho em falar que te escrevi nesse projeto. — Guadalupe fala animada.
A cidade onde eu moro é Leipzig, que fica localizada no leste da Alemanha, aqui sempre fazem alguns concursos e dentre eles tem sobre os melhores paisagistas da cidade.
Eu já ganhei alguns prêmios pelos projetos que venho desenvolvendo para várias escolas, residências e agora o orfanato, nunca considerei ser apenas só mais um prêmio, para mim, sempre cada um será o grande prêmio, principalmente esse do orfanato, pois isso pode trazer o olhar das pessoas para o orfanato e consequentemente as crianças terão mais chances de serem conhecidas e adotadas.
— E o mais importante é que se ganharmos a mídia vai vir aqui, assim poderemos trazer mais visibilidade para as crianças. — falo cheia de esperança.
— Uauuuuu....
Escuto algumas vozes infantis atrás de nós, assim que viramos nos damos conta que as crianças já estão saindo para brincar aqui fora, elas estão com seus olhinhos brilhando de surpresa e encanto, como se não acreditassem que tudo isso é real.
Só pelo olhar dos pequeninhos eu sei que ganhei o meu dia, independente do concurso ou não.
— Olha como a Tia Katherine transformou tudo em uma linda e maravilhosa área para vocês brincarem. — Conrad diz aos pequeninhos que saem do transe e começam a vim me abraçar agradecidos.
— Titiaaaa, você é incrível! — as crianças gritam animadas enquanto me enchem de abraços e beijos, e nesse momento eu me senti a pessoa mais incrível do mundo, pois conseguir trazer muita alegria ao coração desses pequenos, que sei que sentem muita dor e que por muitas vezes tentam esconder.
E a tarde inteira foi maravilhosa, com muitas brincadeiras e sorrisos verdadeiros.
Quando estava perto de ir embora fui passar no dormitório para me despedir dos pequeninos como faço todos os dias e quando entrei fui surpreendida por todos eles estarem segurando alguns objetos em suas mãos, enquanto mostravam um sorriso agradecido e ansioso.
— Pronto, finalmente ela chegou, meus amores. — Guadalupe fala aos pequenos que sorriem.
— Tia, nós estávamos esperando você. — a pequena Lily fala sorridente enquanto segura uma linda boneca nas mãos.
Meus olhos se enchem de lágrimas, pois além da boneca, tem desenhos feitos por eles, com uma mulher ruiva que certamente sou eu, rodeada de crianças, assim como outros tem alguns escritos: eu te amo Tia Kate, e um lindo porta retrato feito de papel, onde vejo uma foto impressa minha com todos do orfanato que tirei há dias atrás e também um belo buquê de flores coloridas.
— Nós queremos agradecer por dar vida ao nosso jardim, tia. — o pequeno Theodore que vem ao meu encontro com um lindo buquê. — Uma flor, para a mais bela flor.
Sorrio enquanto as lágrimas escorrem pelo meu rosto, eu pego as flores e dou um beijinho em seu rosto, ele sai pulando de alegria.
— Ah, meu pequeninos, eu que agradeço, muito obrigado! — digo abraçando todos eles que se aproximam.
— A gente está muito feliz por ter você aqui, tia. — meus pequenos falam e ao lado deles, eu me sinto completa.
Mas quando chega o momento de ir embora e retornar para a minha casa, toda a alegria que senti hoje parece se esvair como poeira no deserto, dando lugar apenas a tristeza e dor como sempre acontece ao anoitecer.
Sempre tento manter o meu sorriso vivo com as pessoas a minha volta, assim como uma linda flor de lótus que nasce nas águas mais sujas e que ainda assim permanece com seu lindo brilho, mas confesso que nem todo momento eu consigo e a tristeza me envolve como um saco plástico sendo colocado em meu rosto enquanto tenta me sufocar para acabar com todo o meu fôlego de vida.
Suspiro quando paro em frente à porta da casa onde eu vivo, pois sei que estou atrasada para o jantar e, conhecendo bem o meu pai e minha mãe, isso só será mais um motivo para mais discussão.
Entro pela porta com muito cuidado para não quebrar os presentes que ganhei das crianças com muito amor e carinho, pois saber que sou amada por alguém nessa vida, ainda mais sendo crianças que tem o amor mais puro e verdadeiro do mundo é maravilhoso, sem contar que quando eu me sentir sozinha à noite, eu poderei ter o calor das crianças para me esquentar, dentro dessas paredes frias.
— Você está atrasada para o jantar. — m*l entro em casa e escuto a voz do meu pai ressoando pelo espaço que nos cerca.
Viro-me para ele ainda segurando os presentes, meu pai é um homem alto de pele clara e cabelos pretos curtos, com uma personalidade fria e arrogante, ele nunca concordou que eu trabalhasse em orfanatos, na visão dele, eu deveria estar desenhando carros, pois é nesse ramo que a nossa família trabalha a vida toda, mas eu escolhi um caminho diferente, mesmo ele não concordando, eu lutei sozinha para conquistar, pois com os serviços de paisagismo que trabalhei em escolas e residências, eu consegui pagar a minha faculdade, com muito custo porque por ser estudante, não poderia cobrar o valor de um paisagista formado, então tive que trabalhar em dobro.
— Boa noite pai, eu estava trabalhando. O senhor está bem? — pergunto querendo tentar manter a paz, coisa que é muito difícil de acontecer.
Ele me analisa dos pés a cabeça, observando tudo que estou segurando, depois acena com a cabeça negativamente, deixando claro que não gostou nada das coisas que eu trouxe para casa novamente, pois outro dia eu também trouxe alguns presentes das crianças de uma escola.
— Você ainda chama o que faz de trabalho. — ele ri sem humor. — Aquilo é uma espelunca ainda trás entulho para casa novamente Katherine? — ele pergunta com a voz carregada de irritação.
Suspiro tentando manter a calma, pois conhecendo bem o meu pai se eu falar muito é capaz dele surtar como das outras vezes.
— Pai, não são entulhos, as crianças me deram de presentes como agradecimento pelo jardim e... — sou interrompida quando sua risada ecoa pela sala de estar.
— Desde quando os presentes daquelas crianças significam alguma coisa? — ele pergunta bravo. — Eu já te avisei que não era para entrar mais em casa com essas coisas.
Engulo em seco.
— O que está acontecendo querido? — escuto a voz da minha mãe que logo entra na sala acompanhada da nossa empregada Adeline, que sempre foi muito doce e amável comigo, coisa que ninguém dessa casa é.
Percebo seu olhar confuso, mas quando seus olhos batem em mim rapidamente toda confusão se desfaz mostrando que ela entendeu o que está acontecendo aqui.
— Não acredito que trouxe isso para casa de novo? — ela pergunta ao lado do meu pai com o rosto distorcido pelo desgosto.
— Sim, Naomi, sua filha, sabe muito bem que está proibido entrar nessa casa qualquer coisa relacionada daqueles orfanatos que Katherine insiste em chamar de trabalho, mas sua filha ama me desafiar, ela sempre teve o prazer de fazer isso, mas isso vai acabar agora! — meu pai fala revoltado vindo em minha direção.
— Não pai... — digo assustada tentando me afastar dele, entretanto meu pai é mais rápido e todos os presentes das crianças são tirados das minhas mãos com brutalidade, cada boneca, desenhos, o buquê de flores, tudo que foi preparado com muito carinho é jogado no chão da sala de estar fazendo meus olhos se encherem de lágrimas vendo meu pai jogar tudo para longe e pisar em outros quebrando por completos. — O senhor não poderia ter feito isso. — eu grito com a voz chorosa enquanto as lágrimas caem, mas rapidamente sou advertida com um tapa forte sendo disparado em meu rosto que certamente me deixará marcada.
— Nunca mais grite comigo Katherine! — ele fala com ira enquanto segura o meu cabelo para trás. — Você sempre teve o prazer de me desafiar menina, mas saiba que eu não vou mais permitir isso. Viveu como bem quis, enquanto estávamos vivendo aqui nesse país, do qual tivemos que ir morar por causa de uma perdida como você, mas saiba que isso acabou, pois amanhã mesmo vamos retornar para Nova Iorque e você vai ir trabalhar nas empresas da nossa família, como sempre deveria ter sido feito e não em orfanatos que não vão te levar há lugar nenhum.
Arregalo os meus olhos quando ele fala isso, pois me sinto ainda mais despedaçada.
— Nós vamos para Nova Iorque? — pergunto em um fio de voz.
— Você está surda? Voltamos amanhã. — ele responde com estupidez e solta meu cabelo com força.
— Não, eu não vou voltar para Nova Iorque, não posso... — nem termino de falar e outro tapa é disparado em meu rosto novamente.
— Você não tem querer Katherine, você vai voltar conosco e é bom ir se acostumando, pois eu tenho planos para você e espero que você não me apronte de novo e que seja útil para o que planejo, é o mínimo que espero de você, não me desafie.
Fico sem entender nada, mas balanço com a cabeça negando.
— Eu não vou pai, eu...
Meu pai perde totalmente a cabeça e vejo ele partir para cima de mim, e logo a ardência da sua mão que é sentida na minha pele, assim como outro e mais outro, escuto a voz da nossa empregada tentando controlar a situação, mas percebo que minha mãe não move um dedo para me ajudar, somente quando estou toda machucada, meu pai pára e diz:
— Espero que tenha aprendido a lição, terei que ficar mais alguns dias aqui até você se recuperar, mas saiba Katherine que em Nova Iorque será muito pior se você decidir me desafiar, então pense bem filhinha, pois eu posso acabar com você em dois minutos.
Meu pai sai a caminho do seu escritório seguido da minha mãe, a Adeline vem ao meu encontro com seus olhos lacrimejados.
— Ah, pequena Kate, você não merecia isso, vem eu vou te ajudar. — ela fala baixinho olhando as marcas em meu corpo.
— Piores são as dores da minha alma, Ade, essas nem se comparam a isso aqui. — digo e meus olhos vão para as coisas no chão.
E realmente o meu pai esperou uma semana para nós irmos embora, nesse tempo eu fiquei trancada no meu quarto que tem uma grande janela para que eu não venha ter crises de pânico, pois não consigo ficar em locais fechados, pois sofro de claustrofobia.
Passei dias no quarto, sem conseguir contato com o mundo, apenas a minha Ade vinha me ver, além de trazer minhas refeições e remédios escondidos para me ajudar com as dores, passeio dias com dor de cabeça, dor no abdômen devido aos socos, enquanto isso, eu tentava refletir do porquê de tudo isso está acontecendo.
Por que eles me odeiam tanto?
O que meu pai queria dizer com aquelas palavras?
Voltar à Nova Iorque tem significados mais fortes para mim, pois foi lá que eu cometi o maior erro da minha vida, seguido da minha maior destruição que sempre tenta me sufocar, mas a busca por reparo é a única coisa que me mantém viva.
Continua...