1º Capítulo
— Sofia
— Acha a Julinha e leva ela daqui, eu vou ligar pra alguém vim buscar o corpo — ele não me olhou nos olhos, estava ajoelhado ao lado do corpo com os olhos marejados.
Subi as escadas de ferro do galpão e entrei em uma porta, tinham caixas e mais caixas, saí e continuei procurando, na terceira porta encontrei uma Julinha amedrontada, encolhida e suja. Assim que ela me viu correu para os meus braços.
— Calma, vem, vou tirar você daqui.
— Cadê o meu papai? — Ela estava quase chorando.
Meu coração apertou. Me lembrei daquele Talibã que eu conheci, galanteador, que se curvou e fez-se de Romeu, daquele que roubou o coração da minha amiga, daquele que foi um amigo, um irmão para mim. Pensar que eu nunca mais iria vê-lo fez meu peito doer tanto que eu quase caí, mas eu tinha que ser forte, por ela. Mas foi impossível não chorar.
— Não chora, tia — ela limpou meu rosto.
— O seu papai meu bem, ele fez uma viagem pra bem longe.
— Por que ele não deu tchau? Ele sempre dá tchau.
— Ele queria muito meu amor — abracei ela com força, ela parecia muito desapontada, saí com ela dali e entrei no carro. Coloquei ela no banco da frente mesmo e passei o cinto ao redor do seu corpo.
Liguei o carro e dei partida, tentei não ir muito rápido pra não assustar a Julia mas estava tudo muito diferente, sei lá, o dia ficou nublado, foi estranho. Quando cheguei no morro estava uma arruaça, a essa hora notícia já devia estar correndo, vi os meninos descendo o morro no tiro. Estacionei em frente minha casa e desci, tirei a Julinha de lá e levei ela pra dentro.
— ME DIZ QUE É MENTIRA — Fernanda apareceu gritando.
— Xiu — fiz ela ficar quieta. — Vou dar banho na Júlia e a gente conversa depois, tenta se acalmar.
Depois de dar banho na Julia e fazer ela comer alguma coisa, deixei ela assistindo Cinderela e fui conversar com a Fernanda.
— Meu Deus, parece que eu vou desabar a qualquer momento — murmurei.
— Me diz o que aconteceu, eu não tô entendendo.
— Velho, eu estava lá na boca com o Pierre, fui levar o almoço dele quando seu celular tocou, mandaram ele ir sozinho que estavam com a Julinha e o Talibã. Foi tenso.
— Mas por que você foi junto?
— Eu implorei pra ele me levar, eu não conseguiria ficar esperando ele sem notícias.
— Ainda não acredito que ele morreu.
— Como que eu vou contar para Júlia? — Coloquei as mãos na cabeça.
— Relaxa, somos uma família, vamos superar.
Ela me abraçou, ficamos assim um bom tempo. Quando o Pierre chegou, totalmente acabado foi um alívio, em partes, eu precisava vê-lo.
—E aí?
— Estão organizando o enterro. Será hoje a noite.
Ele subiu e não sei porque eu fui atrás. Ele entrou em seu quarto e tirou os sapatos, o colete e a camisa, só então eu reparei que ainda estava do mesmo jeito.
— Você foi muito corajosa. Se não fosse por você não sei se eu estaria vivo.
Sorri.
— Imagina, eu não fiz nada de mais.
— Você matou o Digão e salvou a Julinha. O Talibã, onde quer que esteja, está muito grato a você.
Dei um sorriso tímido.
— Eu preciso dormir — ele passou a mão pelo cabelo.
— Eu vou te deixar em paz então — me virei para sair.
— Não! Fica.
Suspirei e me virei, então tirei meus sapatos e o colete enquanto ele se deitava, me deitei ao seu lado após ligar o ar, pois estava muito quente. Pierre me abraçou e minha mente viajou por muito tempo, ouvi os suspiros do Pierre enquanto ele dormia por muito tempo antes de pegar no sono.
— Pierre
Depois de três anos conturbados eu dormi maravilhosamente bem, não tive nenhum sonho e nem acordei suando frio, acordei sentindo uma paz incompreensível. Sofia dormia calmamente ao meu lado, me levantei com cuidado para não acordá-la e fui pro chuveiro, tomei um banho rápido e me vesti de preto, ajeitei o cabelo, peguei as chaves da moto e saí.
Quando cheguei no enterro estava tudo bem arrumado, paguei caro pra ter do bom e do melhor, meu amigo merecia. O velório já estava no fim, eu não ia conseguir ficar mais de meia hora aqui ao lado do caixão. A Indiana não parava de chorar, estava abraçada com a Larissa.
Enterro lotou, geral chorava, Talibã era muito considerado, quando voltei pro morro já tinham colocado uma faixa na entrada.
" A lágrima de um homem vai cair. Esse é o seu B.O. pra eternidade.
Descanse em paz Talibã."
Quando cheguei em casa a Sofia estava brincando de bonecas com a Julia, dei um sorriso bobo, o que ia acontecer agora? Como eu ia cuidar dela?
A Sofia me viu e se levantou, fui até a cozinha e ela me seguiu.
— E aí, como foi?
— Triste.
— Pierre, eu estava aqui pensando...
— O que foi?
— Eu vou adotar a Júlia.
Encarei ela.
— Se não for problema pra você — ela acrescentou.
— Eu acho uma ideia incrível, ela gosta muito de você e eu não saberia cuidar dela.
Ela sorriu.
— Você é uma pessoa maravilhosa e saberia lidar com qualquer situação — ela ficou na ponta dos pés e beijou minha bochecha. Então voltou para sala, o local formigou com o contato de seus lábios macios em minha pele... ela nem sabia o quanto era exuberante.
— Indiana
Perder o Talibã foi como perder uma parte de mim, eu estava apaixonada por ele, perdidamente apaixonada. Ele era como a luz no fim do túnel porque mesmo que eu tenha tido um dia péssimo nossa noite fazia tudo valer a pena. Eu ainda estava com raiva do que ele disse, mentalizei até sua morte algumas vezes, mas eu não queria isso de verdade, a verdade é que eu só queria poder ficar com ele, de verdade, esses sonhos melosos de casamento, filhos.
Foi um choque pra mim quando a Fernanda veio falar comigo no enterro.
— Sinto muito — ela disse.
— Não, deve ser meu karma. Você deve estar feliz por eu estar sofrendo.
— Não seja ridícula garota, eu gostava muito do Talibã.
Não respondi, apenas continuei chorando. Ela soltou um suspiro.
— Se você ama tanto ele, por que ficou com o Menor?
— Eu já te disse, estava bêbada. O Talibã havia dito que iria ficar com quantas putas quisesse, eu não estava pensando direito. — Respirei fundo. — Acho que o Menor só quis se vingar de você, por isso escolheu sua amiga.
— Eu sei, ele não se contentou só com as putas.
— Sinto muito.
— Eu também.
Apareceram uns caras para carregar o caixão, meu coração apertou.
— Desculpe ter te chamado de p**a.
— Tudo bem, eu mereci.
— Não, você não estava consciente.
Eu abracei ela, que me confortou no momento mais difícil, a Larissa voltou com uma água pra mim, tomei e limpei meu rosto.
Alguns meses depois — Sofia
Eu havia conseguido adotar a Julinha na justiça, ela sempre perguntava do pai e eu dizia que ele fez uma viagem muito longa e que não disse quando voltaria, ela ficava triste mas aos poucos foi parando de perguntar. Coloquei ela em uma aula de balé das nove ao meio dia, o escolar a levava e trazia ela em segurança.
O Pierre quase não ficava em casa, só ficava na boca, resolvia os problemas do morro, ainda não tinha arrumado alguém para o posto do Talibã e pra piorar o Pixote filho do Digão disse que se vingaria dele por ter matado seu pai. Mas o que ninguém sabia é que na verdade fui eu, Pierre ficou aliviado de acharem que foi ele para ninguém vir atrás de mim.
A Fernanda e a Indiana resolveram-se, mas agora as duas odeiam o Menor, enquanto o Miguel tá pegando geral, o que deixou a Nanda sem uma segunda opção.
Meu pai ligou uma vez pra minha mãe, queria que fossemos ficar com ele no Havaí, aquele desgraçado, tomara que vá de oferenda pra Iemanjá. Talvez nem ela queira.
E como dizem que o morro muda as pessoas, é realmente verdade, a Fernanda deu uma agora de virar rainha da escola, está assistindo muito Gossip Girl, daqui a pouco passa a chamar a Lúcia de Dorota e tinge o cabelo de castanho. Arrumou um trio de seguidoras (que eu prefiro chamar de perdedoras) e vai dar uma festa que todos querem ser convidados.
Agora mesmo ela e sua tropa, Alice, Joyce e Mariana estão distribuindo convites, revirei os olhos e encarei Miguel ao meu lado.
— É, eu nunca imaginei que isso aconteceria.
— E eu nunca imaginei que você comeria a Megan.
— Fiquei sabendo que ela faz muitas posições do kama sutra.
— Que nojo — fiz careta, e então Fernanda se aproximou.
— Sabe, o mundo está muito melhor agora sem o Menor.
— Pois é, você se tornou a rainha dele.
Ela riu.
— Eu apenas tenho perspectiva. E nesse último semestre tenho que tirar apenas boas notas, então é melhor ter os geeks por perto.
Olhei um grupo de garotos cheios de acne, usando óculos e carregando videogames portáteis sorrindo pra nós.
— Precisa de alguma coisa F? — Alice perguntou para Nanda.
— Não, estão dispensadas.
— F? Sério? — Perguntei.
— Gosto de como a Queen B vê as coisas, quando se tem um problema basta se perguntar: o que Blair Waldorf faria? Está tudo resolvido.
Dei risada.
— Você anda vendo séries demais.
— Estou atrasada pra aula de espanhol — Fernanda disse e saiu correndo com seu belo par de Louboutin bico fino nude, que o Menor havia lhe dado. Ela até pensou em jogar fora os presentes, mas todos custavam mais de cinco mil reais então...
— E nós temos filosofia — eu disse com tédio.
— Vamos lá — Miguel passou o braço ao redor do meu pescoço e fomos pra sala.
Quando cheguei em casa a Julinha veio correndo me abraçar.
— Sosô, olha o passo que eu aprendi — ela levantou as mãos e girou na ponta dos pés.
— Mas você é muito talentosa.
— Obrigada.
Eu achava ela uma gracinha, com quatro anos já falava tudo certinho, e o melhor era quando ela dizia que queria ser uma princesa quando crescesse.
— Você almoçou?
Ela balançou a cabeça positivamente.
— Estava gostoso.
— Sim, a tia Lúcia fez batata frita.
— E os vegetais? Comeu direitinho?
Ela mostrou língua e fez careta.
— Comi.
— Então tá bom, escovou os dentes?
Ela sorriu, travessa, e eu já sabia que não.
— Então vai escovar, mocinha.
Ela saiu correndo e eu fui ao meu quarto, deixei a mochila lá e troquei de roupa, então desci pra comer alguma coisa, fiz um misto quente pra mim e peguei suco de laranja na geladeira.
A Fernanda apareceu mas logo saiu correndo, foi pro salão resolver as coisas da sua festa. Sentei na sala e coloquei um desenho pra mim e a Júlia vermos.
— Acho que vou te levar em um lugar muito legal hoje.
— Aonde? — Ela pareceu animada.
— Surpresa — apertei seu nariz e ela riu.
— Fernanda
— Mas que flores são essas? Eu disse peônias, p-e-ô-n-i-a-s.
— Desculpe senhorita, o entregador deve ter confundido os pedidos, vou resolver isso já.
Revirei os olhos e fui dar uma olhada nos drinks, martini, s*x on the beach, margarita, cosmopolitan, tudo certo. Alice estava conferindo a iluminação, Joyce os DJ's e Mariana estava dando em cima do Barman.
— Meninas — grito chamando a atenção delas — vamos embora.
Elas vêm ao meu encontro.
— Precisa de alguma coisa F?
— Não, podem ir se arrumar.
Saímos de lá, entro em meu carro e vou direto pra casa, já são seis da tarde e quando chego encontro o trio arrumado casualmente, Pierre, Sofia e Júlia.
— O que está acontecendo?
— Vamos jantar.
— Mas e a minha festa? Minha melhor amiga não pode faltar a minha festa.
— Nós moramos juntas, relaxa Nanda.
Bufei.
— Ótimo, podem ir família feliz.
Entrei em meu quarto, tranquei a porta e fui direto pro banheiro tomar um banho. Quando saí coloquei meu vestido, meu salto e a máscara, decidi usar o colar de rubi que o Menor me deu, afinal além de lindo e caro ele combina perfeitamente com minha roupa. Quando dou por mim já são quase oito, a anfitriã não deve se atrasar pra própria festa então passei meu perfume, peguei minhas coisas e sai correndo.
— Larissa
— Eu vou sozinha, Victor, não adianta, se você não pode ir o problema é seu — grito ao telefone.
— Ótimo, quando meu turno acabar eu vou atrás da Vivian.
— Tomara que você pegue aids — digo e desligo na cara dele.
Se o filho da p**a não pode ir comigo ele que se dane, que fique com aqueles drogadinhos que acham que são bandidos, quem tem moral ali é o Coringa e o Mineira, o Menor e o Galinha também tem um pouco de conceito, mas o Victor? Ele não é ninguém, igual qualquer projétil de bandido que tem em qualquer bairro e em qualquer cidade.
Termino de me arrumar e pego um táxi até o salão, quando chego entrego meu convite para o porteiro e ele abre a porta para mim. UAU! É como me sinto ao olhar pro lustre de cristal e aquelas pessoas super bem vestidas.
Dou uma olhada em meu celular para ver a mensagem que a Fernanda me mandou com uma foto de sua roupa, olho em volta do salão e encontro ela com três garotas, devem ser as imitações dela mesma, dou um sorriso e vou até lá.
— Nanda?
— Sim — ela se vira e me analisa, então sorri — Larissa, achei que ia vir com o Torvic.
— Ele é um i****a — dou de ombros.
— Nisso eu concordo plenamente — um garçom passa e ela pega um drink, então entrega ele para mim — beba querida, é Martini.
Pego e dou um gole.
— Ótimo, agora vamos achar um solteiro gato pra você.
— Olá — conheço aquela voz, dou um sorriso e me viro, então os olhos verdes de Lucas me encaram.
— Tudo bem, acho que não vamos precisar procurar.
Dou uma risada.
— Oi — digo encantada com seus olhos envoltos por aquela máscara.
Ele me puxa pela cintura e me conduz em uma dança lenta pelo salão, as pessoas ao nosso redor estão enchendo a cara e aproveitando as bebidas caras que a Fernanda fez questão de colocar no cardápio.
Quando a música termina, outra mais agitada começa e vamos nos sentar em sofás neon que tem no canto do salão, onde casais quase se engolem.
— E o namorado? — Ele pergunta.
— Terminamos... eu acho.
— Como assim?
— Eu disse que viria sozinha, ele disse que ia pegar uma p**a.
— Esse cara não te merece.
Solto um suspiro.
— É, eu sei.
— Então porque continua com ele?
— Eu gosto dele, já tem dois anos esse nosso lance e...
— Espera! Você é tratada assim há dois anos?
Afirmo com a cabeça.
— Cadê o amor próprio? Você merece muito mais que isso.
Dou uma risada.
— É? E quem vai me dar o melhor? Você?
— Quem sabe... — ele sorri e coloca uma mecha do meu cabelo atrás da minha orelha.
Encaro seus olhos brevemente antes que ele me beije, espantando todos os meus problemas da cabeça, fazendo que eu apenas curta o momento, seu gosto, o desejo.