Capítulo 01

2533 Words
Continuação Capítulo 01   Heitor      Ainda deve ser bem cedo. Não entra luz nenhuma pelas cortinas da janela do quarto de hotel que estou hospedado. Fecho os olhos e os abro incontáveis vezes encarando o teto. Ouvi a chuva bater contra a janela a noite toda, mas mesmo assim o sono não veio. É difícil relaxar nessa cama estranha e fria. Liguei e desliguei a TV várias vezes, rolei a noite toda de um lado para o outro. Estico a mão e pego o celular no criado mudo olhando as horas. São 6h ainda.  Vou levantar, não vai adiantar eu ficar deitado aqui atoa.  Ligo a TV, mas nem vejo o que está passando e nem em que canal está sintonizada, só preciso quebrar esse silêncio. Vou até o banheiro, arrastando os pés sentindo o cansaço pela falta de sono pesar. Tomo um banho rápido, faço a barba me olhando no espelho grande do banheiro. Escolho o meu melhor terno e uma gravata azul que ganhei da vovó e que, como ela me disse o dia que me deu, combina com meus olhos. Arrumo-me lembrando uma das frases que a Sra. Cassandra sempre diz: A primeira impressão é a que fica.  Sorrio para minha imagem e me sinto confiante para assumir o lugar dos meus avós na gerência do shopping. Mesmo eu não querendo estar nesse país, aceitei o pedido do vovô Pedro. Sei que o fato de ser filho único, e único neto ajudou na escolha do meu avô para substituí-lo e eu não tive como recusar. Afinal, meu pai negou assumir a gerência alegando que não nasceu para trabalhar tanto. O que mais eu poderia fazer? Estou terminando de colocar a camisa quando meu café da manhã chega, trazido por uma camareira muito bonita. Tão bonita quanto a que trouxe meu refrigerante ontem à noite. Ela coloca meu café sobre a mesa e para me encarando. Não me contenho e olho-a de cima a baixo, seu corpo é muito bonito e seu uniforme não esconde muita coisa das suas pernas. O hotel não é o dos melhores, mas pelo menos o serviço de quarto é bom. A camareira é gostosa pra cassete! Dou um passo em sua direção e mordo a boca examinando-a. Trinta minutos depois, a camareira sai do meu quarto arrumando a saia e limpando o batom do rosto.      Eu sei, preciso parar com isso. Ficar me agarrando com as camareiras dos hotéis onde me hospedo pode trazer algum problema, mas quem resiste a uma mulher como essa dando mole? Sempre, depois de agir assim, lembro-me do meu pai e isso me deixa puto comigo mesmo. Desde criança, nas raras vezes em que eu via Reinaldo, ele estava desfilando com várias mulheres. E cresci acreditando que isso era comum. Quando atingi certa idade entendi que ele fazia isso exclusivamente para atingir meus avós, que ficavam chateados com a situação. Eu nunca fiquei com nenhuma garota na frente dos meus avós e nunca levei nenhuma namorada em casa. Não quero ter nada que me assemelhe a meu pai.      Tomo meu café, que já estava frio, e me olho no espelho.  — Vamos lá Heitor, assumir o lugar do vovô Pedro e me apresentar para os acionistas.     Pego a minha pasta com o notebook, saio do quarto trancando a porta e caminho até o elevador que está vazio. Desço até o estacionamento, entro no meu carro e saio para o dia frio e chuvoso. O trânsito por incrível que pareça está fluindo. Vai demorar até eu me acostumar com a vida aqui no interior e no Brasil. Eu cresci nessa cidade. Apesar de ser uma cidade pequena, Vale Verde sempre foi meu lugar preferido no mundo. A minha infância foi dividida entre a fazenda dos meus avós durante as férias, e o ano letivo na escola aqui. Quando estamos no verão o Parque do Lago, um local lindo com árvores, bancos e academia ao ar livre fica cheio de pessoas, mas agora no inverno duvido que alguém tenha coragem de sair para se exercitar. Morei por 5 anos em Vancouver – Canadá. Fui para lá no intuito de terminar meus estudos e aperfeiçoar meu inglês, e quando vi já tinham se passado 5 anos. A vida por lá é boa, muito agitada, várias oportunidades e muitas mulheres em todos os lugares, mas como meu avô diz sempre que me vê, está na hora de sossegar e pensar em ter um futuro.  Tenho 26 anos e ainda não pretendo me envolver com ninguém. Eu sei que o que ele quer dizer com “pensar no futuro” é que eu devo arrumar uma namorada, me casar, ter filhos, mas meus planos não são bem esses. Estou bem com a minha vida de solteiro e já combinei com o Guto, meu amigo de infância, de sairmos para conhecermos pessoas novas.     Chego ao prédio do shopping as 7h20min.  Ainda é cedo, mas é melhor chegar cedo do que atrasado. Caminho pelos corredores iluminados do shopping Sta. Cecilia e olho as vitrines que ainda estão apagadas. As lojas só abrem às 9h. Sinto muito orgulho de tudo que meus avós construíram. O shopping é lindo, moderno e bem localizado no centro da cidade. E como a cidade é não é muito grande, acabou se tornando um ponto turístico atraindo clientes das cidades vizinhas também. Chego a área do jardim de inverno que foi montado no centro do shopping e vai do primeiro andar até a cobertura, e sinto o ar gelado. Olho para o alto e passo a mão pelo braço. Não sabia que em Vale Verde a temperatura podia cair assim.        Paro em frente ao elevador e aperto o botão para o 7º andar onde fica nosso escritório. O Shopping é comporto por 6 andares de lojas de vários departamentos e um andar administrativo. Saio do elevador e abro a porta de madeira clara entrando no ambiente que faz parte da minha infância. Sou tomado por uma sensação estranha. Estar aqui depois de tantos anos é como entrar num túnel do tempo. Olho em volta e respiro fundo reconhecendo o espaço. Algumas coisas estão diferentes, a cor das paredes, que antes eram de um tom de bege pálido, agora são brancas e extremamente limpas.        Entro pelo corredor que dá acesso ao escritório e no instante em que abro a porta a minha atenção se volta para a mesa das recepcionistas. São de madeira escura contrastando com o piso de porcelanato branco. Há duas mesas, uma de cada lado da sala. Uma é extremamente organizada e sem qualquer decoração. A outra é uma bagunça de papéis como se a dona daquele espaço tivesse saído correndo sem olhar para trás. Ao lado da mesa desorganizada há um vazo com uma planta e ao lado do computador sobre a mesa tem um porta-retratos pink com um gatinho preto de olhos amarelos. No canto da sala há um armário com duas portas e um detalhe nele se destaca. Ele está com a porta entreaberta e de dentro dele cai a manga de uma blusa. O pedaço de tecido é extremamente pink. Me aproximo e tento fechar a porta do armário, porém sem sucesso. Quanto mais eu empurro mais ele abre.  Meu Deus, quem é que consegue vestir isso? Se não bastasse a cor chamativa, há brilho nela também. Empurro a porta com mais força e ela se abre e a blusa cai no chão junto com um chaveiro de pompom pink. Tudo aqui tem que ser dessa cor? Abaixo-me, pego a blusa, a empurro para dentro do armário e forço a porta, desistindo após ver que ela não fecha. As recepcionistas ainda não chegaram.  Deve ser de alguma delas essa blusa...Se a blusa é assim, imagina a pessoa!    Automaticamente me lembro de Lurdinha, uma senhora que trabalhava em uma empresa em São Paulo quando fiz estágio. Ela era gente boa, mas totalmente s*******o. Usava sandália com meia colegial 7/8, saia rodada e achava que tinha 15 anos quando na verdade tinha uns 50. Era constrangedor tentar se esquivar das investidas dela. Ainda bem que o estágio durou só seis meses. Seis longos meses quando se tem que fugir da sua chefe de 5 em 5 minutos. — Ah, meu Deus, tudo menos uma segunda Lurdinha! Sigo pelo corredor desistindo do armário. O restante do escritório está organizado e extremamente limpo. Há uma sala com um vaso grande de planta e ao lado um aquário com dois peixinhos dourados, duas poltronas pretas e um quadro todo colorido, que dá um toque mais animado ao ambiente. No caminho até a minha sala, abro todas as portas para ver se há mais alguma mudança. Encontro a sala de reunião, a sala de arquivos, a cozinha e o banheiro. No fim do corredor, a última sala é a do vovô Pedro.     Entrar aqui sem a presença dele é estranho. Os móveis mudaram, mas o cheiro ainda é o mesmo. A energia do meu avô está em tudo. Ele dedicou a vida toda a essa empresa. Agora é a minha vez de recompensá-lo por todo o esforço. Até estranhei quando recebi a ligação dele no sábado, me chamando para um almoço. Pensei que era algo relacionado a sua saúde, que graças a Deus está ótima. Mas na verdade ele só queria me dizer que a hora de assumir o meu lugar chegou, que agora ele vai viajar, descansar e aproveitar a vida e a aposentadoria na companhia da vovó, e que a partir de agora, a empresa é minha, e que eu teria que cuidar de tudo aqui. Dou a volta na mesa grande de madeira escura, e sento na linda cadeira preta e confortável de meu avô.         Que comecem os jogos!!! Sinto-me o próprio poderoso chefão, diante do império que meu avô construiu. O shopping tem nome no mercado e vários contratos que rendem um bom dinheiro para a família. Empregamos ao todo 150 funcionários diretos, temos 160 salas comerciais que contribuem para o sucesso da nossa marca. Temos  também uma rede com outros sete prédios em outras cidades que estão em faze de expansão e logo nosso nome será um dos maiores do país. Ligo o computador para dar uma olhada em todo o trabalho a ser feito. Na tela principal há várias pastas, todas com nomes de reuniões, almoços e festas de fim de ano. Acesso a pasta da última festa de fim de ano da empresa. Clico em uma foto onde há vários funcionários sentados em uma única mesa enorme e farta. A minha atenção é atraída por uma moça na foto.   Ela é linda!   Está sentada ao lado de meu avô e ao lado de um cara de olhos verdes. Na foto seguinte está em pé ao lado de alguns funcionários, na outra foto está abraçada a vovó e ambas sorriem. Tem um corpo perfeito, e está vestida com um vestido pink que contrasta com a sua pele clara. Os cabelos são lisos e negros, o sorriso é encantador e o olhar e sedutor. Será que ela é filha da recepcionista? Se for, tenho que pensar em uma forma de nos conhecermos. Mas, e esse cara ao seu lado?       Olho no relógio no canto da tela, está na hora das recepcionistas chegarem. Preciso ir à recepção me apresentar.  Afasto a cadeira da mesa e quando vou me levantar ouço batidinhas na porta. Arrumo meu terno e minimizo a tela do computador. — Pode entrar! — A porta se abre e uma moça loira, de cabelos lisos e extremamente bem vestida entra na minha sala sorrindo. — Bom dia Sr. Heitor. Eu sou a Rebeca. — A loira vem até mim e estende a mão. Cumprimento-a sorrindo. — Você é uma das recepcionistas? — Meu avô falou que ela era uma mulher atraente.  E ele estava muito certo. — Sou sim. A outra recepcionista ainda não chegou. — Ela sorri timidamente. — Eu vi o e-mail que o Sr. Pedro nos enviou, e vim me apresentar.  Rebeca se aproxima da minha mesa e minha atenção vai para eu decote. Tento desviar os olhos, mas não posso evitar de olhar. Ela sorri sem jeito corando, e sai da sala com a mão sobre o decote.     Meu avô não falou muito sobre as recepcionistas. Somente que uma delas será minha assistente e me ajudará a partir de hoje no escritório. E agora que notei que não falou nem o nome dela. Na verdade, ele só falou que ela é uma mulher independente, meio temperamental, uma excelente profissional e que a tinha como uma filha, por isso imagino ela com a idade da minha mãe.  Volto para as fotos, olhando todas as imagens e dando zoom nas que aparece a bela moça de cabelos negros. Estou tão entretido nas fotos que me assusto quando ouço uma batida na porta. Recomponho-me e peço que entre. Quando aquela porta se abre engulo em seco. Ora, ora, o que temos aqui? Parada na minha porta está a moça das fotos. Está me encarando, com as roupas todas molhadas e com as bochechas levemente coradas. Ela me encara com aqueles olhos negros fascinantes e com uma expressão de assustada no rosto lindo.       — Quem é você? E o que está fazendo sentado na cadeira do Sr. Pedro?    Sorrio ao ver a sua reação. Levanto-me e dou a volta na mesa me aproximando dela, que dá um passo para trás se encostando na porta.      — Sou o novo gerente. Meu nome é Heitor, e sou neto do Pedro e da Cassandra. Puta que pariu, ela é mais linda ainda de perto!  Estendo a mão em sua direção e permaneço olhando em seus olhos. A moça segura a minha mão em um aperto firme, e em meus lábios sinto surgir um sorriso. Mas, espera...Ela me deu choque??? —Você é a novidade então? — ela fala mais para ela do que para eu ouvir. — Como? — pergunto olhando dentro daqueles olhos tão pretos que é impossível ver as meninas dos seus olhos. Ela puxa a mão soltando a minha e cruza os braços. Seus olhos curiosos continuam me avaliando. —A Sra. Cassandra está bem? — Ela empina o queixo desconfiada e eu afasto-me encostando na mesa. Cruzo os braços para conter a vontade de tocá-la novamente. — Está sim — respondo olhando pela janela. Eu preciso parar de ficar encarando-a da forma que estou. Daqui a pouco ela vai sair correndo e gritando. — E o Sr. Pedro? — Sua voz demonstra sua preocupação. — Os dois estão bem!  — Eu queria ficar olhando para a cidade, mas algo nela me atrai. Volto a olhá-la e a flagro me analisando dos pés à cabeça. — Qual o seu nome? — pergunto e mordo a boca desencostando da mesa e dando um passo em sua direção. — Thais... — Sua voz sai baixa, quase falhando e eu percebo que ela engole em seco. — Estarei na recepção, se precisar de alguma coisa. — Thais se vira e tromba com a porta antes de sumir pelo corredor. Eu sorrio olhando para a porta da sala e passo a mão pelo cabelo. Esse trabalho começou a ficar muito interessante!    
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